O CDS até nem queria discutir o tema, que dá sempre discórdia: a sustentabilidade da Segurança Social ou a forma de pagamento das pensões atuais, nem tão pouco queria discutir a famigerada reforma do sistema de pensões. Queria apenas, vincou o líder parlamentar Nuno Magalhães e depois o ex-ministro Mota Soares, abrir a porta a uma maior transparência do sistema, dando mais informação aos contribuintes sobre o valor das pensões futuras, assim como abrir a porta à criação de um sistema de desconto adicional e voluntário. Queria, sobretudo, forçar o PS a alinhar em algum consenso, depois do chumbo do pacote da natalidade e das medidas de combate ao envelhecimento ativo.

A esquerda duvidou das boas intenções e afirmou que o que estava em marcha era uma forma “encapotada” de privatizar o sistema. Socialistas ainda tentaram que CDS retirasse da proposta a parte relativa à capitalização privada e mutualista, aceitando discutir a parte da transparência, com Tiago Barbosa Ribeiro a dizer que só assim viabilizaria o projeto para descer à especialidade, mas democratas-cristãos lembraram que projetos de lei não podem, nesta fase de debate na generalidade, ser votados artigo a artigo. A verdade é que os centristas queriam obrigar o PS a votar o projeto todo. E assim foi: o PS votou contra. Assim como o resto da esquerda, fechando a porta aos tão desejados consensos. Apenas PSD e CDS votaram a favor.

“Incentivamos a poupança e aumentamos a liberdade de escolha dos contribuintes, que é quem escolhe onde quer investir o seu dinheiro, no sistema público, privado ou mutualista”, começou por justificar o líder da bancada do CDS, Nuno Magalhães.

A contribuir para a impossibilidade de consenso esteve a parte do projeto de lei, assinado à cabeça por Assunção Cristas, que diz respeito à criação de um suplemento para a reforma, voluntário e opcional, que pode ser criado no âmbito dos certificados públicos de reforma, mas também no âmbito de outros regimes de natureza “mutualista ou privada”, ficando isso à escolha do contribuinte. Foi aqui que os socialistas discordaram, dizendo que esse desconto adicional para fundo privado seria uma “forma encapotada” de privatização do sistema. “Retirem o suplemento da reforma para que possamos debater questões da transparência em sede de especialidade”, desafiou o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, sublinhando que acompanhava o projeto na questão da “transparência” na carreira contributiva, lembrando até que o programa do PS e do Governo inclui propostas semelhantes de simuladores de pensões.

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Perante esta posição, o CDS argumentou que “se o PS estivesse de boa-fé” aceitaria viabilizar o diploma na generalidade. Depois, na especialidade, poderia chumbar as partes às quais se opunha, nomeadamente a questão do suplemento para capitalização num sistema mutualista ou privado. No encerramento do debate, o ex-ministro Mota Soares ainda fez um último apelo ao consenso: “Está na mão do PS baixar este projeto à comissão, basta que se abstenham para que a proposta possa continuar a ser discutida”. Mas em vão.

A esquerda uniu-se nas críticas, o que fez com que o desfecho fosse o que os próprios centristas já esperavam. Do lado do PS, João Galamba acusou o CDS de “lançar alarmes vários” e “pânicos infundados” sobre a insolvência do sistema público de pensões e advertiu que os países que optaram pelo sistema privado de pensões enfrentam agora graves problemas de sustentabilidade. Já da parte do BE, o deputado José Soeiro considerou que a proposta do CDS era “um gato escondido com rabo de fora”, numa “tentativa de mudar a natureza” do sistema.

Ao prever a existência de “contas individuais”, o diploma do CDS é “basicamente uma porta escancarada para a privatização da segurança social”, disse José Soeiro, considerando ainda que a passagem da quotização adicional a automática torna-a praticamente obrigatória. No mesmo sentido, a deputada do PCP Rita Rato disse que o diploma constitui “uma perversão” ao sistema público de segurança social. “O que é isto senão privatizar os descontos dos trabalhadores, tornando-os o alimento dos fundos privados”, atirou.

Nuno Magalhães ainda rejeitou a interpretação feita pelos partidos de esquerda, afirmando que “o pilar da repartição” era “intocável”. Mas projeto acabou por morrer à nascença.