O aviso é do secretário de Estado da Administração Interna: os próximos dias, com o agravamento das condições atmosféricas, “vão ser terríveis“. Questionado pelos deputados dos vários grupos parlamentares sobre o que aí vem, Jorge Gomes não escondeu que os bombeiros “estão exaustos” e que a previsão meteorológica “é assustadora”. Críticas à falta de solidariedade europeia e à forma como a justiça funciona em casos de fogo criminoso acabaram por marcar também a reunião com os deputados.

Este último ponto, de resto, levou Jorge Gomes a admitir, em jeito de desabafo, que não compreende como é que pessoas detidas a atear fogos em flagrante delito possam regressar a casa com termo de identidade e residência. “Às vezes é pouco compreensível“, comentou o governante, ao mesmo tempo que apontava para um número que não pode ser ignorado: “25% dos incêndios” deflagram durante a noite. Ou seja, só podem ter origem criminosa.

“Há muito interesse por detrás disto tudo. Não me compete dizê-lo, mas há quem diga que a indústria do fogo dá dinheiro a muita gente“, atirou Jorge Gomes, salvaguardando, ainda assim, que aquele era apenas um “pensamento pessoal”, não se comprometendo com um eventual reforço das medidas de coação e da moldura penal a aplicar em caso de fogo criminoso. Essa é uma competência que pertence à Assembleia da República e este não é o momento para discutir essa questão: a hora obriga a concentrar todas as energias no combate aos incêndios em curso.

Momentos antes da reunião de Jorge Gomes com os deputados no Parlamento, Constança Urbano de Sousa, ministra da Administração Interna, admitia publicamente estar surpreendida com a falta de solidariedade europeia no envio de meios aéreos para o combate aos incêndios. Questionado pelos deputados sobre esta questão, Jorge Gomes explicou que apenas Espanha, Itália, Croácia e Rússia se disponibilizaram para ajudar — além de Marrocos, que enviou dois aviões pesados para Portugal. “Os outros países têm também os seus problemas. Nós quando fomos solicitados pela Madeira fizemo-lo com todo o gosto [apesar das dificuldades sentidas no continente]. A Europa não foi assim tão pronta para nós, enfim…”, lamentou o governante.

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Depois de louvar o esforço e dedicação dos milhares de operacionais que têm estado a combater as centenas de fogos que vão deflagrando todos os dias, Jorge Gomes afirmou que o estado de alerta laranja vai ser prolongado pelo menos até domingo, dia 14, e que, “se for necessário”, existirá um reforço operacional. “Vamos ter rum reforço dos meios. Temos os meios que o dispositivo integra, são 10 mil operacionais. Depois temos outros meios mobilizáveis que poderão ser destacados. Há outros dez mil homens e mulheres que são voluntários e que respondem quando são chamados“.

Num momento em que a prioridade é o combate aos incêndios, o Governo socialista prepara já a criação de um grupo de trabalho “específico”, a funcionar a partir de outubro, “só para tratar da prevenção e da organização da floresta”. Este grupo será coordenado pelo Ministério da Agricultura e terá ainda representantes do Ministério da Justiça, da Defesa e da Administração Interna.

Partidos de acordo: é preciso dizer “basta”

Na reunião com o secretário de Estado da Administração Interna, os representantes dos vários grupos parlamentares estiveram de acordo quanto à necessidade de repensar a forma como está desenhado o mecanismo de prevenção, desde logo com um gestão florestal e ordenamento territorial mais eficazes, e não excluíram a hipótese de discutir um eventual reforço da moldura penal a aplicar em caso de fogo criminoso. Hélder Amaral, deputado do CDS, acabou, de resto, por definir essa mesma vontade: “Os criminosos não podem vencer esta guerra“.

Mas foi Heloísa Apolónia, deputada d’Os Verdes, a lamentar o facto de, apesar de todos os estudos feitos em sede parlamentar sobre a questão dos incêndios em Portugal, continuem a faltar medidas concretas. “Já podíamos encher uma biblioteca com esses estudos. Temos de mudar o paradigma. Temos de dizer basta”.

Foi essa a vontade manifestada por José Manuel Pureza, deputado do Bloco de Esquerda e vice-Presidente da Assembleia da República e o coordenador da reunião que juntou os representantes dos vários grupos parlamentares e o secretário de Estado da Administração. Depois de reunir com os responsáveis da Proteção Civil, na sede da Proteção Civil, em Carnadixe, o bloquista deixou claro que a Assembleia da República tem de ser o lugar de “todas as discussões” que permitam melhorar os meios de prevenção e combate a incêndios. “O esforço que é feito por estas pessoas [operacionais no terreno] têm de ter como correspondência meios melhores e mais adequados para que o combate seja mais efetivo”, reiterou José Manuel Pureza. É preciso passar das palavras aos atos.

Depois de ouvir o secretário de Estado da Administração Interna e os responsáveis da Proteção Civil, o deputado bloquista vai transmitir a informação recolhida a Eduardo Ferro Rodrigues e só depois decidirão se deve ser convocada uma nova conferência de líderes para marcar uma comissão permanente para acompanhar a situação que o país atravessa.

“Estamos a lutar contra um inimigo desigual”

No final da reunião com os deputados, José Manuel Moura, comandante nacional da Proteção Civil, fez um ponto de situação. Neste momento, existem cerca de 150 incêndios ativos em Portugal continental, combatidos por quase seis mil homens e 52 meios aéreos.

As próximas horas serão críticas e “circunstâncias vai haver em que não vai ser possível combater o fogo” em determinados casos, dando prioridade à evacuação dos edifícios. “Estamos a lutar contra um inimigo desigual”, confessou o comandante nacional da Proteção Civil.

Depois, acredita José Manuel Moura, deverá sentir-se uma redução do vento que se tem vindo a sentir — inimigo nº 1 dos bombeiros e que chegou a soprar a 100 quilómetros por hora — mas as temperaturas deverão voltar a atingir os 40 graus Célsius.

Além dos meios aéreos portugueses (47), estão a combater as chamas um ‘canadair’ italiano, dois marroquinos e dois espanhóis. A Rússia também já disponibilizou meios aéreos.