O PS e o Bloco de Esquerda garantem que o novo imposto sobre o património imobiliário não afetará a classe média. O primeiro-ministro garante que a política de devolução de rendimentos está desenhada para defender a classe média. PSD e CDS têm alegado sucessivamente o contrário, que as políticas de esquerda estão a prejudicar a classe média, com os centristas a assumirem-se cada vez mais não como o partido do contribuinte ou do pensionista, como já foram, mas como o partido da…classe média. Mas a verdade é que, da esquerda à direita, todos se atrapalham quando confrontados pelo Observador com a pergunta: o que é afinal a classe média? Onde começam os ricos e acabam os pobres? Ninguém sabe.
Se para o Bloco de Esquerda um rendimento mensal bruto de 3 mil euros já passa a barreira da classe média, para o PS e para o PSD um salário de 5 mil euros brutos (sem descontar impostos) ainda cabe na definição — embora, dizem, não possa ser comparado com o rendimento médio dos portugueses, que não chega aos mil euros. Bem, é complicado. Já o CDS diz que basta olhar para os escalões intermédios de IRS e ver onde está a “maioria da população”. Et voilà, aí que estará a classe média. Ou seja, entram na classe média todos os que não estão nem no escalão mais alto nem no escalão mais baixo. E o PCP tem o álibi perfeito: não usa o conceito “absurdo” e “conveniente”, “que dá para tudo”, como diz o líder parlamentar João Oliveira ao Observador. Ora há proletariado ora há burguesia. Classe média, o deputado comunista não o diz, mas alberga muitos burgueses.
Nota prévia: o conceito de classe média em Portugal é “relativo”. “Não há uma definição objetiva do que é a classe média em Portugal”, diz Anabela Silva, sócia da consultora Ernst&Young (EY), ao Observador, notando que em países como o Brasil há uma metodologia fixa, mas que em Portugal não há forma de calcular. Há o limiar de pobreza, abaixo do qual as pessoas são consideradas pobres, mas não há o limiar da riqueza. Esse pode ser avaliado segundo o critério dos rendimentos líquidos/consumo, o critério do património ou até o critério do estatuto/educação. Mas “é tudo uma questão de perspetiva”, diz Anabela Silva.
BE arrisca teto de 2 mil euros, PS preferia acabar com conceito de classe média
“A classe média é definida em função do rendimento do agregado familiar. É um conceito associado a quem não vive de transferências sociais, mas essencialmente do rendimento do trabalho, e que não tem acumulação de património que lhe permita fazer desse património forma de vida”. É assim que o deputado socialista Eurico Brilhante Dias define o conceito abstrato de classe média ao Observador. Mais concretamente: “É aquele que ganha 800 euros, tem despesas com habitação própria, com educação dos filhos, com transportes, recorre ao Serviço Nacional de Saúde, vive essencialmente do trabalho e dos rendimentos do trabalho”. Mas até onde vai? Não arrisca.
João Galamba, também socialista, arrisca que uma pessoa que ganhe 5 mil euros, e que viva apenas do rendimento do seu trabalho, possa considerar-se classe média, ainda para mais porque depois dos impostos cobrados leva para casa uma parcela bastante inferior. “Mas não se pode tratar da mesma maneira, do ponto de vista de políticas públicas, a classe média que ganha mil euros e a que ganha 5 mil”, diz, defendendo o caminho de “acabar com o conceito de classe média”.
Quando, esta quinta-feira, o Bloco de Esquerda saiu em defesa do novo imposto sobre património que está a ser negociado com o Governo, Mariana Mortágua garantiu que a classe média estava “protegida”, porque o imposto só atingia quem tem património imóvel tributável superior a pelo menos 500 mil euros (ou 1 milhão, como veio dizer o PS), excluindo aqui a casa de residência da família. Ao Observador, o líder parlamentar bloquista, Pedro Filipe Soares, tentou definir o conceito, limitando algures entre os que ganham 800 euros e os que ganham 2 mil:
Há o conceito estatístico, que diz que o salário médio mensal dos portugueses ronda os 800 euros. Depois há o conceito político de classe média, que vai até aos cerca de 2 mil euros. Por isso, juntam-se os dois conceitos e fala-se genericamente num misto entre os que ganham 800 euros mensais e os que ganham cerca de 2 mil”, diz.
Segundo a Pordata, o salário médio mensal dos trabalhadores portugueses por conta de outrem era em 2014 (últimos dados disponíveis) de 909,5 euros, sendo hoje inferior.
PSD não define, para o CDS cabe (quase) tudo
PSD e CDS não querem “entrar no jogo” do Bloco de Esquerda e evitam uma explicação concreta daquilo a que se referem quando falam em classe média. Nem os centristas, que têm usado a bandeira da defesa da classe média nos seus discursos políticos da rentrée, arriscam dizer que o novo imposto que está a ser desenhado para taxar o património imobiliário afeta a classe média, na medida em que, dizem, ainda não se conhecem os contornos exatos e os tetos do imposto.
O que é então a classe média para os partidos da direita?
Para o PSD, “as segmentações da população por grupos de rendimento são resultados estatísticos com limitado espaço de discricionariedade nas qualificações”, diz ao Observador o deputado António Leitão Amaro quando questionado sobre qual a definição de classe média, não querendo especificar melhor quando instado a fazê-lo. O deputado Duarte Pacheco é mais específico e remete para o rendimento médio mensal dos trabalhadores portugueses, que atualmente ronda os 800 euros brutos, numa média aproximada de 1500 euros por agregado familiar.
“O que não quer dizer que uma pessoa que ganhe 2 mil euros passe a ser rico, ou que uma pessoa que ganhe 5 mil, que está claramente muito acima da média, seja também considerado muito rico”, diz o deputado social-democrata, lembrando que os impostos sobre o rendimento são progressivos e por isso os que estão acima da média são mais taxados do que os outros.
É um saco grande, o da classe média. Para o CDS, classe média é “onde está a maior parte da população olhando para os escalões de IRS”, diz o deputado João Almeida. Ou seja, ficam de fora aqueles que não têm sequer rendimentos para declarar IRS — “que são mais de metade da população” –, ficam de fora os do primeiro escalão, cujo agregado familiar aufere até 7 mil euros por ano (pouco mais de 500 por mês), e ficam de fora, em sentido oposto, os do último escalão, que declaram mais de 80 mil euros anuais. Ou seja, cabem aqui aqueles que declaram 40 mil euros ao fim do ano, ou seja, que ganham cerca de 3 mil euros por mês.
Anabela Silva, sócia da EY, da área de People Advisory Services, explica ao Observador que “utilizando uma metodologia de cálculo possível baseada na distribuição em torno da mediana, a classe média situa-se assim num intervalo entre metade da mediana e duas vezes o respetivo valor”. Vamos traduzir este conceito: tendo em conta que, segundo dados do INE relativos a dezembro de 2015, o limiar de pobreza em Portugal era de 5.059 euros/ano e a mediana do rendimento anual dos portugueses estava em cerca de 8.430 euros/ano, ou 700 euros/mês, isto “conduziria a um intervalo entre o limiar de pobreza e, aproximadamente, 16.860 euros anuais”.
Ou seja, a classe média teria um rendimento máximo de 1405 euros por mês (em 12 meses).
“Significa isto, que agregados que auferem um rendimento mensal de 3.000 ou 4.000 euros mensais pertencem à classe rica? É tudo uma questão de perspetiva. Mas se compararmos com a realidade portuguesa, esse agregado aufere mais rendimento que mais de 80% da população portuguesa“, resume a partner da EY. É tudo relativo. Num país com rendimentos médios tão baixos, a classe média portuguesa é relativamente pobre. Em 2013, o salário médio português era metade do salário médio mensal da Europa, que se situava em 1.972 euros. Em Espanha, por exemplo, o salário médio era de 1.615 euros brutos e na Dinamarca ultrapassava 3.500. Classes médias, portanto, há muitas.