Depois da estadia em San Pedro Atacama, seguimos o plano de descer pelo litoral do Chile até à capital, Santiago. A primeira paragem desse percurso foi a pequena vila de Caldera. Foi aqui que vimos pela primeira vez lobos-marinhos, a nadar junto às docas de pesca onde comemos locos, um bivalve desta região. Vimos também a primeira linha de caminho-de-ferro do Chile, já desativada, que ligava esta praia à cidade de Copiapó, e fizemos uma excursão às bonitas praias de Bahia Inglesa e Playa La Virgen.
Mas aquele que ficará como um dos melhores imprevistos desta viagem foi uma visita fora do comum. No posto de turismo, perdido entre vários folhetos, tinha reparado no cartão-de-visita de Jorge Galleguillos, que fazia visitas guiadas à Mina San José. Em 2010, fui um dos milhões que acompanharam em direto, pela noite dentro, o emocionante resgate dos 33 mineiros que ali estavam presos há 70 dias, a 700 metros de profundidade. E agora estava a trocar e-mails com um deles, para combinar uma visita guiada ao local onde tudo se passou.
“O que aqui se passou foi um milagre”, assim começa a narração do mineiro, que nos mostra num cartaz o mapa da mina, o local onde ficou bloqueada e os vários planos do resgate. Mostra-nos depois a cápsula Fénix, que os trouxe de volta à superfície (na verdade, é uma das cinco que foram construídas pela NASA, e não exatamente a que foi usada no resgate) e insiste para tirarmos uma fotografia dentro dela, com o seu capacete.
Leva-nos depois, sempre à superfície (não se pode entrar na mina), aos principais locais da operação no então batizado Campo Esperanza: o furo da sonda (“La Milagrosa”) que detetou vida lá em baixo e por onde os mineiros enviaram o primeiro bilhete a dizer que estavam bem — bilhete que o ex-presidente Piñera guardou no bolso durante meses e que mostrava a todos os que encontrava — , o furo por onde recebiam água e alimentos e por onde comunicavam com as famílias, a entrada da mina e o furo maior por onde foi feito o resgate.
Mais do que ver o que resta desses furos, que pouco lembram o cenário original (fosse isto americano e já teriam montado um parque temático, cheio de merchandising), o privilégio maior foi ouvir os relatos pela voz de quem viveu uma história tão extrema. Aconselhados pelo condutor que nos levou até lá a não fazer muitas perguntas, notámos algum desalento naquele que é hoje o anfitrião informal de um espaço abandonado à sua sorte. Depois de terem sobre si todas as luzes da ribalta, de serem recebidos como estrelas em Hollywood e na Disneyworld, de verem a sua história virar filme com Antonio Banderas e Juliette Binoche, os mineiros não conseguiram manter entre si a união que demonstraram dentro da mina e desentenderam-se, sobretudo por causa de dinheiro. Chegaram a criar a fundação Los 33 de Atacama, que faliu, e o dinheiro que receberam na altura gastou-se rapidamente. Despedimo-nos com os desejos de que Galleguillos possa ali manter viva a memória de um exemplo de sobrevivência e superação que inspirou o mundo inteiro.
À saída da mina, paramos num memorial com 33 bandeiras, correspondentes às nacionalidades dos mineiros (32 do Chile e uma da Bolívia), uma cruz branca e uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, oferta de mineiros portugueses, assinalando a coincidência da data do resgate (13 de outubro) com o calendário das aparições de Fátima.
Depois de uma paragem em La Serena — região onde se produz o pisco (a bebida nacional), onde nasceu a poetisa nobelizada Gabriela Mistral e onde pudemos ver estrelas num observatório astronómico — , chegámos às cidades siamesas de Valparaíso e Viña del Mar. Aqui voltámos a estar em casa de amigos com filhos pequenos, para gáudio dos nossos miúdos.
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A cidade portuária de Valparaíso, que se estende por várias colinas, tem uma atmosfera boémia e uma dinâmica de lojas e restaurantes entre o hippie e o vintage, que se conjugam na perfeição com os prédios velhos, com interiores revestidos de madeira. Subimos num funicular de 1892 até ao Cerro Alegre, onde tivemos um dos melhores almoços da viagem, na pizaria Allegretto, e entretivemos as crianças numa biblioteca infantil criada por uma filantropa dinamarquesa.
De Valparaíso a Santiago são apenas 100 quilómetros. Instalamo-nos na capital, novamente em casa de amigos, por uma semana. As avenidas largas e as montanhas nevadas no horizonte fazem de Santiago uma cidade arejada, com ambiente praticamente europeu.
A pensar nos petizes, visitamos o jardim zoológico, pequeno e antiquado, mas com uma boa amostra da fauna nacional, como os “lamitas” (como diz o Manel) e os condores. Acima do zoo, no Cerro San Cristóbal, temos uma panorâmica da cidade, que se estende até perder de vista.
Vamos também ao MIM, um museu de ciência para crianças, onde a atração mais interessante é um simulador de terramotos, que reproduz o sismo de grau 8,5 que se sentiu em Santiago em 2010. O tema dos terramotos está muito presente na cultura dos chilenos: todos, incluindo os miúdos, sabem bem como reagir e, nas cidades costeiras, está sempre bem assinalada a rota de evacuação em caso de alerta de tsunami. Quando dizemos que já estamos no Chile há três semanas, um taxista pergunta-nos se já sentimos algum terramoto, garantindo-nos que a média é de um por mês.
São as vésperas do feriado que comemora a independência do Chile, e as ruas e lojas estão enfeitadas com as cores da bandeira — azul, encarnado e branco. A bandeira hasteada à porta de cada casa é uma obrigação legal nestes dias, a sua falta dá direito a uma multa de 50 euros (mas não acredito que alguém fiscalize). Em vários parques da cidade há festas (fondas) que incluem exposições militares, espetáculos de acrobacias com cães e cavalos, divertimentos de feira popular e uma zona para dançar a cueca (!), o folclore nacional que todos aprendem na escola. E é precisamente no feriado que nos despedimos de Santiago, rumo ao sul, depois de um churrasco entre amigos que nos soube pela vida.
A próxima crónica já será na Patagónia Argentina, onde contamos ver baleias e pinguins. Até lá, pode acompanhar a nossa viagem no blogue O Verbo Ir, no Facebook e no Instagram.