O novo regime de pagamento extraordinário de dívidas fiscais aprovado ontem pelo Governo é ou não é um perdão fiscal? Eis a questão. Depois de, esta quinta-feira, o Governo ter anunciado que os contribuintes com dívidas ao Fisco e à Segurança Social iriam beneficiar de um perdão de juros e custas até dia 20 de dezembro, depressa começaram as críticas ao facto de o Governo estar a preparar um perdão fiscal que poderia abranger não só contribuintes individuais mas também empresas. Mas Governo e PS negam que se trate de qualquer perdão e rejeitam comparações com regimes semelhantes aprovados no passado pelo anterior Governo.

Esta sexta-feira, falando aos jornalistas durante uma iniciativa do Compete 2020, o primeiro-ministro António Costa garantiu que “não vai existir nenhum perdão fiscal”, e que o objetivo é criar condições para que as empresas possam pagar, mas “sem perdão daquilo que devem”. “O Estado deu um passo importante ao aliviar a pressão das dívidas fiscais de muitas empresas relativamente à Segurança Social e à Administração Fiscal. Não se trata de nenhum perdão fiscal, porque quem deve vai ter que pagar aquilo que deve“, disse.

Este regime especial para reduzir as dívidas fiscais e à Segurança Social, aprovado pelo Conselho de Ministros na quinta-feira, permite aos contribuintes ficar isentos de juros se pagarem toda a dívida. A medida prevê ainda a possibilidade desse pagamento ser feito em prestações, até ao número máximo de 150 prestações. A opção pelo pagamento faseado exige, contudo, o pagamento de 8% da dívida à cabeça.

Depois de um comunicado de urgência enviado ainda ontem pelo gabinete do primeiro-ministro, António Costa esclareceu esta sexta-feira que o objetivo é criar condições para que as empresas viáveis possam pagar sem comprometer o desenvolvimento da sua atividade. “Podê-lo-ão fazer até 150 prestações só com isenção de juros e sem custas judiciais, mas sem perdão daquilo que devem”, defendeu.

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António Costa acrescentou que o dever de contribuir para a Segurança Social e de pagar impostos “é um dever que não pode ser negociado e não pode ser perdoado”, referindo que “é um dever de cidadania” e que todos têm que cumprir com as suas obrigações.

Novo regime vale tanto para a “Galp como para a EDP ou para o Zé Manel”

Também o socialista João Galamba, no Parlamento, rejeitou a ideia de que se trata de um perdão e diz que regime de regularização de dívidas abrange todos os contribuintes, “da Galp ao Zé Manel”, sem ser feito à medida de empresas como a Galp com o pretexto de melhorar a execução fiscal.

“A medida exclui a contribuição extraordinária sobre o setor energético, que é aquela em relação à qual a Galp tem um litígio de 100 milhões de euros com o Estado, portanto, quaisquer outros litígios que tenha, como qualquer contribuinte – chame-se Galp, EDP, Zé Manel ou Zé António – será abrangido porque as leis são gerais e abstratas e não excluem contribuintes em particular”, afirmou João Galamba, nos Passos Perdidos do parlamento.

João Galamba afirmou que o objetivo é apenas “criar um plano de regularização de dívidas até 11 anos de prestações que permita dar melhores condições de pagamento às empresas e famílias que hoje não conseguem pagar as suas dívidas. Não há qualquer perdão fiscal porque os impostos em dívida são integralmente pagos. Aliás, este programa é efetivamente para pagar as dívidas e não perdoá-las”, disse.

Mas o deputado socialista garante que há duas diferenças “significativas” em relação ao regime fiscal aplicado pelo Governo anterior, em 2013. “Primeiro, o plano prestacional, ou seja, não visa arrecadar receita no curto prazo, mas sim dar condições às empresas e famílias para poderem pagar ao longo do tempo. Outra diferença é que em 2013, em determinadas circunstâncias, havia amnistias fiscais para fraudes ou alguns crimes fiscais“, destacou.

João Galamba defendeu ainda que a medida “não tem nada a ver com a execução orçamental de 2016”, citando o Conselho de Finanças Públicas, que antes de a medida ser conhecida já previa um défice de 2,6% do PIB e que a Comissão Europeia afirma que a execução orçamental “está em linha com o esperado”.

Questionado sobre o timing da medida, porquê agora, o deputado do PS esclareceu que se deve ao facto de o acesso das empresas aos fundos comunitários estar atrasado e de o novo regime permitir agilizar esse processo. Isto porque um dos bloqueios no acesso aos fundos é o facto de as empresas terem dívidas ao fisco.

O deputado socialista defendeu ainda que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, envolvido nas polémicas viagens pagas pela energética portuguesa ao Europeu de futebol de 2016, tem todas as condições para continuar em funções tal como antes.

PCP em linha com Governo: não é um perdão. Mas PCP e BE querem ponderação diferente para grandes empresas

Em linha com o Governo e o PS, o deputado do PCP Paulo Sá defendeu no Parlamento não existir qualquer perdão fiscal por parte do executivo no anunciado regime especial de regularização de dívidas ao Estado. Mas frisou ter de haver uma “diferente ponderação” para grandes contribuintes.

“Terá de haver, naturalmente, uma diferente ponderação para os grandes contribuintes, empresas ou particulares, porque, nesses casos, em muitas situações sabemos que se acumulam dívidas com o objetivo de, mais adiante, não se pagar“, afirmou, no Parlamento, confrontado com o caso do litígio fiscal da Galp, embora os 100 milhões de euros em causa sobre a contribuição especial do setor energético fiquem fora deste regime.

“O que o Governo agora anunciou é um programa extraordinário de regularização de dívida ao Estado – Fisco e Segurança Social – que não prevê qualquer perdão do capital. Ou seja toda a dívida deve ser paga integralmente, prevendo-se isenções de coimas e juros no caso de pagamento imediato ou uma isenção parcial no caso de ser feito a prestações”, disse Paulo Sá.

Para o deputado comunista, “é um programa que poderá ajudar os pequenos contribuintes, empresas e particulares, a regularizar as suas dívidas”, pois “há milhares de milhões de euros de dívidas” e “situações de pequenas empresas que, por situações de liquidez, problemas pontuais, que acumulam dívidas e estão interessadas em regularizar essa situação e este programa poderá constituir uma oportunidade”.

Relativamente à medida semelhante protagonizada pelo Governo do PSD e CDS, Paulo Sá distinguiu que o regime especial que vigorou desde outubro até 31 de dezembro de 2013 e só incluía quem pudesse pagar a totalidade da dívida, além de considerar amnistia de crimes fiscais.

Na quinta-feira à noite, em entrevista à SIC, também a coordenadora bloquista defendia que o novo regime não devia ser “cego” e que devia haver distinção entre uma família com dificuldades e uma grande sociedade como a Galp. Mas admitia tratar-se de um perdão fiscal e reforçava a ideia de que o BE nunca foi favorável a perdões ao fisco.

“O Bloco de Esquerda nunca foi favorável a este tipo perdões fiscais e não mudou de ideias”, afirmou Catarina Martins, sublinhando que o novo programa especial de redução do endividamento ao Estado anunciado pelo Executivo podia “ter alguns efeitos nocivos na própria economia porque estamos a dizer às pessoas em última análise: ‘Podem não pagar impostos, que depois virá um perdão'”. Ou seja, Catarina Martins acredita tratar-se de um perdão.