Fabian Muir vive entre Berlim e Sidney com uma máquina fotográfica pendurada ao pescoço. Pelo caminho, o fotógrafo, vencedor de um prémio Magnum e do Festival Internacional de Cinema de Estrasburgo, entrou cinco vezes na Coreia do Norte e conheceu-a com profundidade. Conquistando a simpatia dos guias, Fabian Muir encontrou um país ingénuo onde os líderes são vistos como deuses, mas onde, diz ele, as pessoas não vivem com medo.

Entrevistado pelo Observador por email, Fabian revela algumas características de um país dominado pela ditadura de Kim Jong-un, mas, segundo ele, menos cinzento do que se costuma pintar.

De onde veio o seu interesse pela Coreia do Norte?
Eu fiz muito trabalho nos países pós-soviéticos e sempre fui fascinado pelos aspetos positivos e negativos do que muitos consideram ter sido a maior experiência social da História. Embora não seja suficientemente velho para realmente ver o sistema soviético em acção, acho extremamente interessante ver as consequências da experiência que se desenvolvem hoje numa grande parte do mundo. Apesar da marca do socialismo na Coreia do Norte ser diferente da marca soviética, é o seu “parente vivo” mais próximo. Por isso, o meu interesse inicial na Coreia do Norte decorreu do desejo de experimentar este tipo de sistema na pele. No início não esperava que se desenvolvesse num grande projeto sobre o próprio país. Comecei a planear tudo em 2013 e a primeira viagem foi em 2014.

Acha que a Coreia do Norte que nós conhecemos através das redes sociais e da Internet é muito diferente da real?
Em última análise, acho que só um norte-coreano pode dizer-nos como é a “verdadeira” Coreia do Norte. No entanto, eu sinto que no decorrer deste projeto de dois anos tive a oportunidade de obter informações sobre muitos aspetos da vida normal de lá, e eles são, na verdade, muitas vezes muito diferentes da visão padrão dos media. A Coreia do Norte que vemos nos meios de comunicação dá a impressão de que as pessoas são robóticas e passam a maior parte dos dias a marchar em desfiles militares. Foi por isso que me surpreendi quando fui lá pela primeira vez e descobri pessoas a relaxar e a interagir de maneira perfeitamente normal.

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Não posso explicar porque é que a imagem geral é distorcida pelos media, mas especulo que as fotos e filmagens de desfiles e da liderança atrair uma maior audiência, uma vez que são espetaculares e simples de digerir — mesmo que possam ser bastante repetitivas. Há também uma série de fotógrafos amadores que vão numa excursão a Pyongyang por alguns dias e, em seguida, publicam imagens cliché que pintam como sendo “a verdadeira Coreia do Norte”, o que só perpetua uma perspetiva reduzida. Há presumivelmente aspetos geopolíticos em jogo, o que significa que alguns meios de comunicação não querem humanizar a Coreia do Norte de forma alguma, para darem uma visão política de que o país é um inimigo perigoso.

O que é que os norte-coreanos dizem sobre o seu estilo de vida?
Como o fluxo de informações para o país é limitado, os norte-coreanos não têm muita base para comparação, por isso parecem confiantes de que o seu estilo de vida é imbatível. Talvez algumas perguntas tenham começado a ser feitas nos últimos anos com a chegada de mais filmes digitais vindos da China e da Coreia do Sul, mas em geral acho que eles tendem a acreditar que uma vida de prazeres simples, família e serviço para o Estado é o modelo superior. Um certo grau de iniciativa privada começa agora a ser permitido, o que está a abrir novos caminhos. No que diz respeito ao estilo de vida, também é preciso estabelecer uma distinção entre Pyongyang e o resto do país, uma vez que a vida na capital é certamente mais luxuosa do que em qualquer outro lugar. Acho que as pessoas de uma cidade de província teriam dificuldade em imaginar quão sofisticada Pyongyang se tornou.

Mas quais são esses falsos conceitos que diz existirem sobre a Coreia do Norte?
Antes de responder à pergunta, devo dizer que eu tinha muitas das mesmas visões da Coreia do Norte que qualquer outra pessoa, por isso não posso dizer que estava disposto desde o início a eliminar preconceitos. No entanto, assim que comecei a explorar o país e a conhecer as pessoas compreendi rapidamente que há muito mais camadas do que percebemos. Eu vi uma representação justa e equilibrada da vida quotidiana lá. É importante abordar qualquer assunto com os olhos abertos — o que significa tê-los abertos tanto para as coisas boas quanto para as más. E, nesse sentido, a minha série de imagens não é pró-Coreia do Norte nem anti-Coreia do Norte. É a Coreia do Norte como eu a vi.

Mas sim, existem muitos equívocos. Por exemplo, há uma visão popular de que a fome dos anos 90 continua até hoje, o que certamente não é verdade. A Coreia do Norte ainda precisa de ajuda, pois tem muito pouca terra arável e os problemas podem surgir muito rapidamente se tiverem secas ou inundações, mas nunca vi ninguém desnutrido, nem mesmo em áreas remotas. E os norte-coreanos falam abertamente sobre a sua situação alimentar.

No mesmo sentido, acho que muitas das nossas ideias sobre a Coreia do Norte estão desatualizadas e presas no final do século XX. Mas foram os equívocos sobre as próprias pessoas que achei mais interessantes, como as suposições populares de que os norte-coreanos estão aterrorizados, frios, rígidos, incapazes de rir. Na verdade, eles são muito amorosos, pessoas generosas e dignas, com um sentido de humor bastante sofisticado. As crianças são extremamente curiosas sobre estrangeiros e brincalhonas. O mito de que os norte-coreanos ficam nervosos quando veem um ocidental é apenas isso: um mito. De modo geral, foi muito agradável descobrir que, embora eles vivam dentro de um sistema e de restrições sociais que nos parecem estranhas, o norte-coreano comum tem exatamente as qualidades humanas positivas que se espera encontrar em qualquer outro lugar.

Teve restrições durante a sua viagem?
Todos os estrangeiros que visitam o país estão sujeitos à mesma grande restrição, que é basicamente quase nunca poderem caminhar sem serem acompanhados por guias do Estado. Mas essas pessoas são guias reais, cheios de informações, que têm um duplo papel para manter um olho em nós. Isso pode, obviamente, ser frustrante, mas se se estabelecer um bom relacionamento, eles também se predispõem não só a traduzir, mas também a abrir um monte de portas para nós que, caso contrário, estariam fechadas. No meu caso, os guias que tive realmente facilitaram muito.

As principais regras são não fotografar os militares ou trabalhadores (que muitas vezes são soldados) e não tirar fotos dos líderes. No extremo norte do país não se pode tirar fotos dos veículos em movimento, o que parece um pouco estranho, uma vez que não há nada controverso para ver de qualquer maneira. Claro que eles não nos dizem o que fotografar ou como compor uma fotografia. Quando eu fui lá pela primeira vez estava à espera de mais interferência, mas afinal os meus guias nunca influenciaram as minhas imagens. As minhas imagens nunca foram verificadas antes de sair do país — os funcionários ficam muito mais interessados no que as pessoas levam lá para dentro do que naquilo que trazem cá para fora.

Alguma vez sentiu medo?
Sente-se alguma adrenalina na primeira vez que se chega lá, mas não há nada a temer. Assim que nos ajustamos à Coreia do Norte sentimo-nos extremamente seguros, de modo que, a menos que se quebrem as leis locais, não há nenhum motivo para preocupação. Vemos crianças pequenas a brincar ou a andar sozinhas mesmo durante a noite, o que para mim é um sinal de um ambiente seguro.

Que histórias mais o impressionaram?
Eles falam muito abertamente sobre a fome dos anos 90, que, de forma eufemística, chamam de “Marcha Árdua”. É difícil não nos impressionarmos com essas histórias, que envolvem tanto sofrimento e que, obviamente, deixaram uma marca duradoura em quem viveu durante esse período. Também é muito interessante ver quão fervorosa e genuína é a sua crença no seu sistema e especialmente nos líderes, que são considerados benfeitores absolutos, quase divindades. Se tiver reservas sobre os líderes, seria mais sensato não expressar isso aos norte-coreanos. A comparação mais próxima em que posso pensar é como ir à Arábia Saudita e criticar abertamente Maomé, o que obviamente não será bem recebido.

Mas acha que o Ocidente tem alguma coisa a aprender com a Coreia do Norte?
É bastante refrescante ir lá e ver que certos valores da velha guarda ainda estão vivos. Por exemplo, parece-me que os norte-coreanos são menos egoístas e materialistas do que nós somos no Ocidente e ainda acreditam na importância de contribuir para a comunidade. As crianças são mais propensas a sair e praticar desporto na rua do que a sentarem-se em casa a ver televisão ou jogos de vídeo. Na verdade, duvido que eles tenham jogos de vídeo! Eu acho que é inevitável que a Coreia do Norte se vá abrindo e vá mudando muito mais ao longo do tempo. E quando isso acontecer seria bom se pudessem preservar alguns desses valores mais “saudáveis” dentro de uma sociedade que também oferece mais informações e autodeterminação.