O secretário de Estado da Educação, João Costa, disse, esta sexta-feira, que as mudanças relacionadas com o “emagrecimento” do currículo e a sua flexibilização, articuladas com um novo perfil de competências que se pretende que o aluno tenha à saída do ensino obrigatório, podem não ser aplicadas já a partir do próximo ano letivo.

“Neste momento o que nos interessa é que o debate aconteça, que se tomem as boas decisões, com a participação de todos” e as alterações “entrarão em vigor quando tivermos esses consensos alargados”, afirmou João Costa no final do debate em plenário sobre a Escola Pública. Isto porque, sublinhou, interessa à equipa ministerial “a qualidade do produto”.

O debate durará o tempo necessário até termos um consenso alargado e a estabilidade necessária”, declarou o secretário de Estado da Educação, João Costa, no final do debate marcado pelo Bloco de Esquerda.

O governante esclareceu ainda que o Governo não está “a fazer uma reforma curricular”. “Estamos a pegar no currículo e a trabalhar na sua exequibilidade, para garantir que os alunos aprendem a partir do currículo que temos, garantir que o currículo é um contributo para este perfil de competências e trabalhar a sua flexibilização porque sabemos que a flexibilização é um instrumento para garantir melhores aprendizagens”, afirmou. Sobre a redução do número de alunos, essa sim a aplicar a partir do próximo ano, também não adiantou pormenores.

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Lá dentro, durante o debate, já o ministro Tiago Brandão Rodrigues tinha dito que não está em marcha “revogação alguma da estrutura curricular”. “É um processo que está em curso e convoca toda a comunidade educativa”, sublinhou o ministro, atirando para as bancadas da direita que este Governo não fará o mesmo que o de Nuno Crato. “Revogaram o currículo nacional do ensino básico sem terem definido verdadeiro perfil do aluno, alargaram a escolaridade obrigatória sem terem definido qualquer perfil desejável no final desses 12 anos.”

Um debate sobre a Escola Pública que virou um ataque partidário

A deputada do Bloco Joana Mortágua tinha dito na véspera do debate, à Lusa, que o BE pretendia contribuir para uma análise dos investimentos necessários na escola pública, sem se ficar pela mera troca de acusações. Acontece que, no plenário, esta pretensão caiu ligeiramente por terra.

E foi a própria Joana Mortágua a abrir as hostilidades ao dizer, na abertura do debate, que “o discurso da exigência [de Crato] foi um embuste”. Logo a seguir, o ministro Tiago Brandão Rodrigues afirmou que a “opção ideológica radical” da direita “deixou sequelas” nas escolas, acrescentando que tem sido objetivo deste Governo “defender a escola pública dos ataques que o fizeram perigar”.

Era fundamental fazer barragem à destruição do nosso serviço nacional de educação e da nossa escola pública”, afirmou Tiago Brandão Rodrigues.

Mas o debate subiu verdadeiramente de tom com Amadeu Albergaria. O deputado do PSD, num discurso inflamado, começou por dizer que estava a “assistir a uma peça de teatro do Bloco de Esquerda” e a um exerício de “pura hipocrisia política”, acusando o Governo de todos os problemas que se vivem atualmente nas escolas — falta de manutenção das escolas, falta de funcionários, abrandamento da atividade da Parque Escolar, entre outros — e chamando os bloquistas de “cúmplices de toda a degradação no serviço público de educação” e do “silêncio cúmplice”.

Tudo isto é aceitável, tudo isto é desculpável porque a escola pública é propriedade privada do BE, do PCP e do PS. (…) Na verdade o que querem é mandar partidária e sindicalmente nas escolas”, acusou o social-democrata Amadeu Albergaria.

Uma acusação que Joana Mortágua devolveu, dizendo que “o que o PSD tem medo é da democracia nas escolas. Tem medo de ouvir os alunos sobre a escola que eles querem”.

Na mesma onda, Heloísa Apolónia, do partido Os Verdes, dirigiu-se a Amadeu Albergaria para dizer que o deputado do PSD “quase que se arrepia quando fala de gestão democrática das escolas”, acusando-o de ter uma “visão retrógrada e perigosa”.

Tiago Brandão Rodrigues aproveitou a dica vinda da bancada da esquerda para repetir a ideia: “cada vez que se fala em serviço nacional de educação o senhor deputado arrepia-se”. E qualificou o discurso de Amadeu Albergaria de “absolutamente bafiento”.

O ministro destacou que este Governo renovou 2.600 contratos com assistentes operacionais que tinham contratos de emprego inserção e “agora são contratos com outro nível de dignidade” e comprometeu-se a trabalhar “até ao ano letivo de 2017, tendo em consideração as necessidades reais, para que a portaria [dos rácios dos funcionários por alunos] possa responder mais efetivamente às comunidades educativas”.

Do lado da bancada do CDS-PP, a deputada Ana Rita Bessa não perdeu a oportunidade de atacar o Bloco trazendo para a discussão a questão da precariedade. Pegou no despacho do final de 2016 sobre a formação contínua dos professores, que determina que os docentes não recebam qualquer contrapartida financeira para darem formação, apenas a qualificação de “Muito Bom” na avaliação, e lembrou a declaração de Catarina Martins no ano passado sobre o trabalho voluntário ser “uma treta”. “É esse o contributo do Bloco para a qualidade da escola pública?” E ainda deixou lançou outra questão retórica a propósito da vinculação dos professores contratados. “Os senhores deputados acabaram de despedir pelo menos 16.600 professores. É este o vosso contributo?”, questionou Ana Rita Bessa, chegando ao número descontando dos 20 mil contratados, os 3.400 que serão vinculados este ano.

Os senhores deputados acabaram de despedir pelo menos 16.600 professores. É este o vosso contributo?”, atirou a deputada do CDS-PP, Ana Rita Bessa.

A crítica não passou ao lado do Bloco. Luís Monteiro lembrou que “só nos últimos quatro anos, a direita colocou 15 mil a trabalhar de borla nas escolas”. “Vem agora a direita dizer que o problema da precariedade é do Bloco?”

Sobre a formação contínua, Tiago Brandão Rodrigues viria a responder mais à frente que serão gastos 19 milhões de euros para que “efetivamente aconteça formação contínua”, lembrando que “durante quatro anos não houve qualquer formação contínua gratuita para os professores nas escolas.”

Do lado do PCP, a deputada Ana Mesquita defendeu que “outros momentos de vinculação extra de professores não podem ser excluídos”, ao que a secretária de Estado Alexandra Leitão viria a acrescentar, mais à frente, que essa análise será feita a cada ano.

Secretária de Estado fecha debate com ovação da esquerda

Quando o debate caminhava para a reta final, a secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, aproveitou para listar uma série de medidas levadas a cabo pelo atual Governo.

Desde a ação social escolar (ASE) que “incluirá o pagamento de visitas de estudo, algo que o ex-ministro tinha retirado”, aos manuais gratuitos “que já estão nas escolas desde o início do ano letivo”, à vinculação, em 2017, de 3.400 professores, que Alexandra Leitão fez questão de comparar com os 4.200 que o Governo PSD/CDS vinculou em quatro anos.

Em resposta à deputada do CDS-PP Ilda Araújo Novo, que questionou o porquê de ainda não estarem nas escolas os anunciados 300 novos funcionários, Alexandra Leitão explicou que os assistentes operacionais “são recrutados pelas escolas de acordo com as regras de concurso”.

E entre várias outras medidas, destacou os 180 milhões de investimento em escolas públicas. “Posso dar-lhe a lista, um a um, dos investimentos. Entre 2012 e 2015 vocês reduziram 80% do investimento em escolas publicas, tenham um pouco de pudor.” “Querem mais dados? Precisam de mais dados?”, atirou a governante, num tom de voz bem mais elevado que o ministro e o secretário de Estado da Educação.

A intervenção de Alexandra Leitão mereceu uma sonora ovação das bancadas à esquerda, terminando dessa forma um debate que ficou mais marcado pela troca de acusações entre direita e esquerda do que propriamente por novidades em relação à escola pública.