O evento, apresentado como conferência-debate na página de Facebook do movimento Nova Portugalidade, estaria marcado há cerca de duas semanas, para o auditório 2 da torre B da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa. A pouco mais de 24 horas da hora marcada (18h30 de terça-feira, 7 de março), Jaime Nogueira Pinto, único orador, foi avisado de que, afinal, “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen em debate” não ia acontecer.
“Tinha sido convidado por um grupo cultural de jovens patriotas, de uma organização chamada Nova Portugalidade, para ir fazer uma conferência. Mas parece que numa Reunião-Geral de Alunos, a Assembleia Geral, que é maoista ou do Bloco de Esquerda, nem sei bem, fez um grande protesto a dizer que a conferência era uma coisa fascista, reacionária e colonialista. Parece que a contestação subiu de tom e a Associação de Estudantes exigiu à direção da faculdade, que já tinha cedido um espaço, para cancelar a conferência”, explica o escritor e politólogo ao Observador.
De acordo com Jaime Nogueira Pinto, convidado pelo núcleo de alunos da FCSH ligado à Nova Portugalidade, foi o próprio diretor da faculdade que o informou da decisão, alegando questões de segurança: “Também me disse que, mais tarde, com um clima mais calmo, a direção teria o maior interesse em convidar-me para falar sobre o tema na faculdade, num contexto menos político e mais académico”.
“Parece que já há tempos [alunos da FCSH] entraram aos berros numa conferência da embaixadora de Israel. A mim não me incomodaria muito, tive alguma experiência disso na minha meninice, mas percebo que a direção da faculdade tenha tido medo que desse distúrbios e pancadaria, não seria nenhum massacre, mas pronto… “
Segundo a ata da Reunião-Geral de Alunos (RGA), a que o Observador teve acesso, na passada quinta-feira, dia 2, foi apresentada uma moção “para que fosse cancelado o pedido de reserva de sala feito pelo proto-núcleo Nova Portugalidade“. “No entender dos proponentes desta moção este evento está associado a argumentos colonialistas, racistas, xenófobos que entram em colisão com o programa para o qual a AEFCSH foi eleita, além de entrar em colisão com a mais básica democraticidade e inclusividade”, pode ler-se na moção apensa ao documento.
Rafael Pinto Borges, um dos alunos da faculdade afetos à Nova Portugalidade, não esteve na RGA, mas garante que recebeu vários avisos, de várias pessoas diferentes, de que estariam a ser planeados ataques à conferência e ao próprio Jaime Nogueira Pinto.
“Foi-me dito que durante a RGA foram planeadas esperas e violências no evento de amanhã. Foi-me dito que haveria indivíduos próximos do Bloco de Esquerda, ou mesmo militantes do Bloco de Esquerda, à porta, para se dedicarem a ver quem é ou não fascista, uma coisa totalmente descabida e contrária à Constituição e a todas as liberdades.”
Sobre a organização Nova Portugalidade e as acusações a que tem sido sujeita, o aluno da FCSH, diz que “são calúnias perfeitamente absurdas”.
Francisco Caramelo, o diretor da faculdade, garante ao Observador que a instituição “é um espaço de debate, liberdade e reflexão que recebe debates de muitas naturezas diferentes” e que o cancelamento da conferência não está de todo relacionado com ideologias ou cores políticas.
“Até sexta-feira nem sabia da existência nem da organização chamada Nova Portugalidade nem do núcleo de alunos ligada a ela que fez a reserva de auditório para a conferência. Temos vários núcleos de estudantes, do PSD, do PS, da JCP, e todos podem efetuar reservas de sala através da Associação de Estudantes. É essa a política da casa: sempre que os nossos estudantes pretende efetuar eventos só têm de contactar a AE, que filtra os pedidos e depois os transmite ao Conselho Pedagógico. Foi o que aconteceu também desta vez, não há nenhuma leitura política disto.”
Segundo o diretor da FCSH, o problema terá surgido, primeiro, quando a Associação de Estudantes se deu conta do posicionamento político da Nova Portugalidade. E, depois, quando o núcleo ligado à Nova Portugalidade se deu conta de que eles se tinham dado conta — e não tinham gostado. “Uns ficaram incomodados com a associação e com o debate; os outros, os próprios estudantes do núcleo, porque sabiam desses incómodos, ficaram preocupados relativamente à segurança do evento.”
Apesar de, na sexta-feira, garante Francisco Caramelo, se ter recusado a cancelar o evento, as ameaças e discussões nas redes sociais durante o fim de semana acabaram por fazer com que a a direção da faculdade cedesse, esta segunda-feira ao início da tarde.
“Não queria transformar isto num evento que, devendo ser de discussão e de debate, possa desviar-se para extremos que não interessam, de maior conflitualidade entre as partes. O professor Jaime Nogueira Pinto é ele próprio um académico, chegará o momento em que a instituição, no quadro de um debate mais alargado, considerará oportuno convidá-lo para discutir sobre o mesmo tema.”
O politólogo, por seu turno, diz que fica à espera: “Há uma certa crispação e uma certa escalada nestas coisas. Começou noutros sítios e está a chegar aqui também. Estou habituadíssimo a discutir com pessoas que não pensam como eu, isso não é um problema para mim”.