Decorria o ano de 1933 e, na Alemanha, Adolf Hitler subia ao poder, para dar início ao “Terceiro Reich”. Nesse mesmo ano, durante o Salão Automóvel de Berlim, um engenheiro judeu, de nome Josef Ganz, apresentava ao novo chanceler da Alemanha um revolucionário projecto de “carro do povo”: o Standard Superior Type I, que, apenas cinco anos mais tarde, Hitler daria a conhecer aos alemães – então, já com o engenheiro judeu, que esteve na origem do modelo automóvel que mais vendeu até hoje, apagado da história. E é precisamente com o intuito de reparar essa falha grave na história que um descendente de Ganz promete trazer agora de volta o Standard Superior Type I, naquela que foi a sua forma original.

A ideia partiu de um jornalista e escritor holandês, Paul Schilperoord, que estava a fazer investigação para a elaboração da biografia, precisamente, de Josef Ganz. Foi nessa altura que conheceu Lorenz Schmid, um suíço descendente de Ganz, com o qual acabou por dar início ao projecto: recuperar não só o Standard Superior Type I, mas também a imagem do engenheiro judeu que o concebeu.

Sem capacidade financeira própria para levar a cabo o projecto, os dois homens desencadearam já uma recolha de fundos, para poderem avançar para a reconstrução de uma unidade do modelo imaginado por Ganz. Como ponto de partida, possuem a única plataforma rolante do modelo original ainda existente – encontrada a circular nas estradas da Alemanha Oriental, embora com a carroçaria de um Trabant.

Sob esta carroçaria de Trabant está o que resta do Standard Superior Type I de Josef Ganz

Schilperoord e Schmid pretendem desmontar o veículo, retirar tudo o que é componentes do Trabant e, partindo apenas do chassi e rodas, avançar para a reconstrução da estrutura em madeira, aplicação do couro artificial, pintura, colocação dos vidros das janelas e de todo o interior. Menos mal que o motor ainda funciona, como pode ver aqui:

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Como forma de tornar o automóvel o mais fiel possível ao original, a dupla planeia não só utilizar o espólio fotográfico de Josef Ganz, mas também tentar localizar e instalar as partes em falta que faziam parte do projecto inicial – como é o caso das luzes originais, volante, botões no tablier, pegas das portas, radiador e outros componentes. O que não vai ser fácil, já que, excluindo desde logo a necessidade de recuar 84 anos no tempo, é preciso ter também em conta que foram feitos apenas 250 carros, durante o período em que se produziu o Standard Superior Type I, entre Abril e Setembro de 1933.

Mas se a recolha de fundos superar as expectativas e, no fim, ainda sobrar algum dinheiro, os dois homens garantem que será gasto na elaboração de réplicas exactas de componentes do interior do habitáculo, para que, em caso de acidente, nada falte e tudo possa ser substituído.

Será que eles vão ser capazes?

Apesar de motivados, Paul Schilperoord e Lorenz Schmid reconhecem que o projecto tem riscos. A começar pelo facto de não existirem quaisquer desenhos técnicos do Standard Superior Type I, mas também pela dificuldade que será encontrar, após tantas décadas, quaisquer componentes que ainda possam existir.

Ainda assim, os mentores do projecto propõem-se trabalhar com especialistas, de forma a recriar a forma original tanto da carroçaria, como das peças. Aproveitando também o facto de, embora tendo uma carroçaria diferente, o carro em questão ter um tipo de construção idêntico ao dos da sua altura.

Quanto às peças, os dois homens estabelecem o propósito de marcar presença nos principais eventos de carros clássicos produzidos antes da II Grande Guerra, como a Veterama, com o objectivo de aí procurar o material em falta. Já no que toca à componente eléctrica, o projecto deverá contar com o apoio da Bosch, empresa com a qual já então a indústria trabalhava.

O judeu que Hitler “apagou” e o projecto dele, que Hitler popularizou

Dado a conhecer por Hitler como KdF Volkswagen e tornado mundialmente famoso com o nome de Beetle, o modelo que esteve na base do automóvel mais vendido de sempre surgiu como a resposta de um engenheiro judeu, que era também editor-chefe da revista Motor-Kritik, ao desafio sobre o que deveria ser o carro do povo alemão: um automóvel racional, de cintura baixa, com um chassi único tendo por base uma única estrutura tubular, motor colocado na traseira e suspensões totalmente independentes e com eixos basculantes. Tudo isto, por menos de mil marcos alemães.

Inicialmente, Ganz terá construído dois protótipos, o Ardie-Ganz de 1930 e o Adler Maikäfer (Besouro de Maio) de 1931. A sua agilidade e eficácia eram impressionantes, como pode ver aqui:

Mas foi este último que acabou por inspirar a indústria no desenvolvimento de novos e mais radicais protótipos – incluindo o Mercedes-Benz 120, o Tatra V570 ou o Zündapp Type 12 “Volksauto” de Ferdinand Porsche. Sem esquecer, claro está, o Standard Superior, baseado nas patentes apresentadas por Josef Ganz. E que, por sinal, no Salão Automóvel de Berlim de 1933, era também o único automóvel de quatro rodas motrizes e motor montado na traseira em exposição, então já em produção.

Fortemente aplaudido pela imprensa da altura e alvo da atenção de Hitler, o carro de Ganz mereceria, inclusivamente, palavras elogiosas do outro lado do Atlântico. Com um jornalista do norte-americano “The Detroit News” a afirmar, de forma algo profética, que, “qualquer que venha a ser o desenvolvimento deste tipo de carro na Alemanha, sem dúvida alguma que o Governo de Hitler será considerado o responsável pela sua popularização”. E assim foi. Embora com o papel central do judeu Josef Ganz a ser convenientemente apagado da história, pelos nazis.