Foi a principal novidade dada por Mário Centeno ao Parlamento, nesta quarta-feira, sobre a Caixa Geral de Depósitos (CGD). A auditoria independente que o Governo aprovou em Conselho de Ministros no dia 23 de junho do ano passado vai finalmente avançar, dez meses depois. A auditora escolhida foi a EY (antiga Ernst & Young), e terá sido a única das grandes empresas de auditoria que não trabalhou com a Caixa nos últimos anos.

A EY tem 15 semanas (quase quatro meses) para entregar um relatório que, prometeu Mário Centeno, será disponibilizado ao Parlamento. Mas não disse quando é que a empresa vai iniciar os seus trabalhos. O Observador questionou as três entidades envolvidas sobre a data do início do contrato e da contagem do prazo de 15 semanas. A EY invocou a confidencialidade que impedem de dar informação sobre os clientes. O Ministério das Finanças remeteu para a Caixa que, por seu turno, não respondeu, para já.

O ministro justifica a demora na adjudicação com o facto de esta ter sido uma missão confiada à nova administração — e a equipa da Caixa só estabilizou em 2017 — e também porque o Banco de Portugal concluiu que não devia participar nos trabalhos por considerar que estavam fora das suas competências. A auditoria independente tinha, também, sido aprovada numa resolução no Parlamento, depois de ter se ter concluído que a AR não tinha poder para exigir uma auditoria forense ao supervisor bancário.

Segundo Mário Centeno, são três as áreas a auditar:

  • A concessão de créditos
  • A alienação de ativos
  • Decisão estratégica de negócios

Mas o que vai auditar a EY? Os trabalhos vão incidir sobre o período que vai de 2000 a 2015, quando terão sido tomadas decisões (políticas e de negócios) e concedido créditos que vieram a provocar as perdas que, por sua vez, levaram à necessidade de recapitalizar a Caixa com um valor inédito (4.900 milhões de euros, com 2.500 milhões de fundos públicos e 930 milhões de dívida vendidos a privados). Caberá ao supervisor tirar consequências das conclusões desta auditoria, acrescentou o ministro.

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Em junho do ano passado, quando justificou o pedido de auditoria do acionista à Caixa, Centeno afirmou que uma “forma de conter essa perturbação (sobre o banco público) passa claramente por dar este sinal do Governo de que aquilo que é o passado da CGD possa ser analisado neste momento de transição”. O ministro recordou na altura que «membros do Governo anterior, nomeadamente a ex-ministra das Finanças, suscitaram dúvidas sobre a legalidade de atos de gestão praticados até 2015, relativamente aos quais nunca solicitaram informação adicional enquanto tinham funções governativas e de tutela do banco.

Esta quarta-feira, o ministro das Finanças sinalizou que uma das fragilidades na gestão da Caixa já identificada passou por uma deficiente gestão de risco que, garante, se manteve mesmo nos anos mais recentes, com a administração nomeada pelo anterior Governo. Centeno adianta que há imensa lista de recomendações do supervisor entre 2012 e 2015 sobre a gestão do risco. O ministro diz que há importante acervo de informação sobre o tema sugerindo que a pedissem, mas até agora não tem sido fácil chegar lá.

A auditoria vai abranger seis governos: três do PS — um liderado por António Guterres e dois por José Sócrates e três do PSD/CDS — chefiados por Durão Barroso, Santana Lopes e Passos Coelho — e sete conselhos conselhos de administração do banco do Estado — António de Sousa, António de Sousa/Mira Amaral, Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira, José de Matos (dois mandatos).

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Os trabalhos da EY vão coincidir no tempo e no objeto com as investigações conduzidas no quadro na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa, que arrancou no final de julho de 2016. Depois de ouvir vários ex-ministros e antigos gestores da Caixa, os trabalhos desta comissão acabaram por tropeçar na recusa de entrega de documentação por parte da CGD e dos reguladores, sobretudo no que diz respeito aos maiores devedores e aos créditos de risco cuja reestruturação ou reconhecimento de imparidades estiveram na origem das perdas assumidas pelo banco nos últimos anos.

Sobre a lista dos clientes problemáticos da Caixa, sabe-se o que veio na imprensa, via fugas de informação, e também os casos de empresas em PER (Processo Especial de Revitalização) ou insolvência em que o banco público aparece na lista dos maiores credores.

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Casos como algumas empresas do Grupo Espírito Santo, a construtora Soares da Costa ou promotoras imobiliárias. Segundo o atual presidente, Paulo Macedo, os créditos que mais perdas causaram no banco do Estado foram concedidos a cerca de 200 empresas, as mesmas que foram responsáveis pelas imparidades registadas por outros bancos do sistema.

Apesar de duas decisões do Tribunal da Relação de Lisboa a autorizar o levantamento parcial do sigilo, Caixa, Ministério das Finanças, Banco de Portugal e Comissão de Mercado de Valores Mobiliários recorreram e ainda não é conhecida a deliberação sobre este último recurso que, confirmou o Observador, não foi ainda tomada. Este não é o único obstáculo ao trabalho desta comissão.

PS, PCP e Bloco travaram a utilização das comunicações trocadas pelo ex-presidente da Caixa, António Domingues, e o Governo, sobre as condições da sua contratação e, sobretudo na parte da alegada garantia dada ao gestor de que a sua equipa não teria de entregar declarações de rendimentos. Esta recusa acabou por dar origem à suspensão da primeira comissão de inquérito (até 5 de maio) e à criação, por iniciativa do PSD e CDS, de um outro inquérito centrado nas condições de contratação de António Domingues, também conhecida pela comissão das SMS (trocadas entre o ex-gestor da Caixa e o Ministério das Finanças). Este inquérito parlamentar terá a primeira audição esta sexta-feira, precisamente com o mais recente ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos.