A execução orçamental de 2016 beneficiou de duas medidas extraordinárias do lado dos impostos que permitiram ao Estado arrecadar receitas da ordem dos 650 milhões de euros. O PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado), que se destina a facilitar, e isentar de custas e juros, o pagamento de dívidas ao fisco e segurança social e a reavaliação extraordinária de ativos, um programa dirigido às empresas.

Embora o ministro das Finanças, Mário Centeno, tenha garantido que a meta acordada com Bruxelas, de 2,5% no ano passado, seria cumprida mesmo sem este contributo, os dois programas foram uma ajuda preciosa para o Governo conseguir um défice de 2%, o “mais baixo da história da democracia”. E a adesão das grandes empresas foi muito responsável por este sucesso.

Dados enviados pelo Ministério das Finanças ao Parlamento, em resposta ao PSD, revelam que o fisco perdoou 168,4 milhões de euros às empresas em juros e custas processuais perdoados por via do PERES. Os dados citados esta manhã pelo Jornal de Negócios revelam que oito grandes empresas representaram 7% da receita obtida por este programa e beneficiaram de 1,3% do valor que foi perdoado em juros e custas. O PERES, que alguns chamam de perdão fiscal, não perdoa as dívidas de impostos, mas sim os juros e custas judiciais para quem aderir, pagando o valor reclamado.

Mas, se os cofres do Estado beneficiaram no imediato, sobretudo em 2016, as empresas também saem a ganhar a prazo. Só precisam de ter folga na tesouraria para avançar com os pagamentos. Já a administração fiscal verá as receitas futuras com IRC encolher, sobretudo por causa da reavaliação extraordinária de ativos, cujas vantagens fiscais para as empresas são recolhidos a partir de 2018 e durante oito anos. Pelo menos 13 grandes empresas aderiram aos dois regimes, algumas como a EDP e a Navigator (ex-Portucel) recorreram aos dois, e pagaram no ano passado cerca de 200 milhões de euros. Mas a conta para o Estado só chegará mais tarde.

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Ouvido pelo Observador, o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira, reconhece que no caso dos dois regimes especiais, “o Estado recebe receita extraordinária hoje, perdendo receita ordinária amanhã. Ou porque pode vir a reembolsar imposto e pagar juros — no caso do PERES –, ou porque se reduz lucro tributável e imposto a pagar no futuro — no caso da reavaliação de ativos”.

Nos dois regimes, o “Estado arrecada imposto “de hoje”, porventura descurando o aumento da despesa (imposto e juros pagos em caso de decaimento) e a receita tributária cessante (decorrente da reavaliação) “de amanhã”. Estas medidas refletem, assim, também preocupação com a angariação da receita fiscal e ajudam naturalmente a compor o nível do défice orçamental”, assinala ainda Rogério Fernandes Ferreira.

Rocha Andrade responde no Parlamento

Fernando Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, vai estar esta terça-feira na Comissão de Orçamento e Finanças para explicar os resultados e consequências para o Estado da adesão das grandes empresas a regimes especiais de pagamento de impostos. A iniciativa é do CDS, cuja líder — Assunção Cristas — denunciou já no Parlamento o que chamou de “borla fiscal” aos grandes contribuintes, a propósito do caso da EDP.

A EDP teve uma “borla fiscal” de 174 milhões?

Também o grupo parlamentar do PSD questionou o ministro das Finanças sobre as medidas extraordinárias que aumentaram a receita com impostos, perguntando qual é a previsão de perda de receita em IRC a partir de 2019 (por referência ao exercício de 2018), atribuível ao disposto neste regime de reavaliação dos ativos?

A adesão ao PERES permite poupar em juros e custas no caso de dívidas fiscais que estão em litígio, reduzindo provisões ou contingências para estes contenciosos, no imediato, com a vantagem de as empresas poderem manter os processos contra o fisco e serem reembolsados no caso de vencerem. Em 2016, o fisco arrecadou 511 milhões de euros por via deste programa. O PERES vai continuar a dar receita, mas será diluída ao longo dos vários anos em que durarem o pagamento em prestações dos montantes em falta.

Para Fernandes Ferreira, tendo as empresas tesouraria (capacidade financeira), a opção de pagamento das dívidas fiscais deveria sempre ser ponderada.

Em suma, pagando a alegada dívida fiscal, o contribuinte poderá obter o reembolso desse montante, acrescido de juros indemnizatórios de 4% ao ano, no caso de a contestação ser bem sucedida e a liquidação do imposto venha a ser anulada, para além de, no caso de decisão desfavorável travar a contagem dos juros de mora até à decisão e pagamento definitivo”.

No caso da reavaliação de ativos, as empresas aderentes pagam mais nos primeiros três anos, uma taxa de 14%, sobre a diferença de valor apurada, potenciando a receita do Estado com impostos nesses anos. Em 2016, este regime gerou receitas de 107 milhões de euros, dividida por 134 empresas. Mas a partir de 2018, estes contribuintes vão sentir um alívio fiscal, que irá ter efeitos na cobrança de IRC, ainda que diluídos ao longo de oito anos.

A adesão gera no imediato ativos por impostos diferidos que ficaram registados nas contas de 2016 e que beneficiaram os resultados líquidos de grandes empresas, como a EDP.

PERES e reavaliação de ativos. EDP “financiou” Estado em mais de 100 milhões no ano passado

As vantagens de aderir terão de ser avaliadas, caso a caso, mas existe uma “vantagem transversal ao tecido empresarial que é a aproximação da contabilidade à realidade económica das empresas”, defende o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira. Mas a reavaliação, reconhece, “tem o condão de permitir que o aumento das depreciações ou amortizações dela resultantes seja dedutível ao lucro contabilístico a partir do exercício de 2018”.

Até 15 de dezembro de 2016, as empresas ponderaram se a reavaliação lhe seria benéfica, uma vez que lhes permitiria baixar o lucro tributável a partir de 2018, pagando, em contrapartida, agora, imposto, a título de tributações autónomas (daí a importância de terem liquidez).”

Grupo EDP. Principal contribuinte agora, beneficiária no futuro

O caso da elétrica, a maior empresa portuguesa e também a que regista mais lucros, foi o primeiro a dar nas vistas. A adesão ao PERES permitiu poupar quase 19 milhões de euros e os ganhos fiscais futuros, gerados pela reavaliação extraordinária de impostos, foram contabilizados em 174 milhões de euros.

Mais recentemente, os centristas questionaram o ministro da Economia, Caldeira Cabral, sobre os ganhos fiscais do grupo EDP. E revelaram que também a EDP Renováveis aderiu à reavaliação extraordinária com um ganho de 9,8 milhões de euros, o que eleva para 184 milhões de euros o benefício líquido para o grupo EDP resultante da adesão a este regime.

Na audição com o ministro da Economia, na semana passada, o CDS questionou ainda outra vantagem, sentida ao nível da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético. A CESE paga pela EDP deixa de fora o efeito da valorização do ativo da empresa, continuando a ser calculada em função do valor dos ativos antes em 2015.

No total, o grupo EDP será um dos principais contribuintes e beneficiários dos dois regimes. No ano passado, pagou mais 120 milhões de euros em impostos — entre o PERES e a reavaliação de ativos da EDP e da subsidiária renováveis. E contabilizou vantagens fiscais da ordem dos 200 milhões de euros, considerando o efeito líquido da reavaliação de ativos nas duas empresas, cerca de 184 milhões de euros, mais os 19,6 milhões de poupança em juros e custas judiciais, graças ao PERES.

Mas a elétrica está longe de ser uma exceção nas grandes empresas. Houve várias a aproveitar os dois regimes. Para além das cinco empresas do índice PSI 20, que integra as maiores cotadas da bolsa — EDP, Galp, Jerónimo Martins Navigator (ex-Portucel) e Corticeira Amorim, aderiram ao PERES outros grandes contribuintes, alguns até com capital público como a Caixa Geral de Depósitos ou a agência Lusa.

PERES. Empresas da bolsa pagaram 72 milhões e evitaram juros e custas de 35,5 milhões

Pelo menos 13 grandes empresas aproveitaram

De acordo com os relatórios consultados pelo Observador, pelo menos 13 grandes empresas usaram os dois regimes. Para além das cinco empresas referidas do índice PSI, aderiram ainda ao PERES, a Caixa Geral de Depósitos, a Cimpor e o grupo de comunicação social Cofina. Os valores das dívidas pagas ao fisco em 2016 alcançaram cerca de 190 milhões de euros, tendo na maioria dos casos os contribuintes empresariais optado por manter os processos de impugnação ou contestação dos valores reclamados.

Lisgráfica e a Martifer foram outras empresas que aderiram ao PERES, mas que estão a pagar os montantes reclamados em prestações, pelo que o impacto da sua adesão para as contas do Estado no ano passado, será menos significativo.

No caso da reavaliação de ativos, a consulta às contas do ano passado revela que sete grandes empresas recorreram a este regime — as já referidas EDP e EDP Renováveis, a Navigator, os CTT, a Nos (operadora da Sonae e de Isabel dos Santos), a Altri e a F. Ramada — empresas industriais ligadas ao empresário Paulo Fernandes que também é acionista da Cofina. Em 2016, entregaram mais de 80 milhões ao fisco, mas nem todas especificam qual o efeito líquido ao nível da poupança futura de impostos, mas o alívio no imposto a pagar a partir de 2018 será superior a 200 milhões de euros.