Começou com um pedido de audição urgente do ministro das Finanças para agora passar a debate de atualidade, marcado já para a próxima segunda-feira, com o PSD a querer confrontar o Governo com a decisão de retirar da lista de negra de offshores o Uruguai, a ilha de Man e a ilha de Jersey. Isto porque esta quinta-feira, depois de o líder parlamentar do partido confrontar o próprio primeiro-ministro com este caso e de o Bloco de Esquerda ter pedido informações, o Parlamento recebeu uma resposta do Governo com pareceres da Autoridade Tributária sobre a exclusão destes paraísos fiscais da tal lista negra, mas considera que a informação ou é antiga ou está incompleta ou é contraditória com a decisão do Governo ou está mesmo ausente.

Na quinta-feira, logo depois determinar o debate quinzenal, os partidos receberam uma resposta pedida há duas semanas ao Ministério das Finanças, pelo Bloco de Esquerda, sobre a retirada dos três paraísos fiscais da lista negra. O gabinete de Mário Centeno respondeu com considerações políticas sobre “as acusações graves e infundadas” do PSD. Mas também afirmou que “a responsabilidade da decisão é do Governo”, ainda que os trabalhos que a sustentam “tenham sido realizados com a participação da Autoridade Tributária“.

Somando tudo, o Governo “decidiu trilhar o caminho do combate à fraude e evasão fiscal através da troca efetiva de informações com os outros países”. Além disso anexou à resposta pareceres da Autoridade Tributária sobre dois casos: Uruguai e ilha Jersey. E Man? Não há informação disponibilizada nas respostas ao PSD.

E aqui começam as desconfianças dos sociais-democratas, com Luís Montenegro a falar — numa conferência de imprensa esta sexta-feira — na “suspeita de não haver justificação para retirar estes territórios da lista negra e contribuir para que vários milhões de euros não tenham controlo direto e obrigatório da Autoridade Tributária (AT), só com uma razão muito sustentada podia ser viável”.

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Dos pareceres a que o Observador teve acesso resultam três conclusões:

  1. Sobre Man não é apresentado parecer;
  2. Sobre o Uruguai, o parecer que é disponibilizado é de dezembro de 2014, foi pedido pelo anterior Governo e não por este, e não é positivo. E isto porque a conclusão da AT, na altura, foi que o pedido deve ser “dirigido ao membro do Governo pela área das Finanças” e que nele tem de ser confirmado que se preenchem todos os quatro critérios (ver mais em baixo quais são) para a exclusão da lista;
  3. Sobre Jersey, o parecer dá conta do incumprimento de um dos critérios que são exigidos por Portugal para a revisão da lista negra. Segundo a Autoridade Tributária, os quatro critérios têm de ser ponderados de forma global e, logo de seguida, refere que o critério da troca e informações financeiras ainda está por demonstrar por parte daquele paraíso fiscal. “Jersey comprometeu-se a trocar automaticamente informações relativas a contas financeiras sendo que o primeiro momento de troca de informações deverá ocorrer em setembro de 2017“. Ainda assim, a AT considerou “adequada a ponderação de conveniência de revisão e atualização” da lista negra portuguesa, excluindo Jersey.

Com base na documentação que foi recebida pelo Parlamento, Luís Montenegro diz que “é evidente que os critérios da lei não foram cumpridos” e, por isso, o PSD marcou para já um debate de atualidade — onde é o Governo que define quem o representará no Parlamento –, quando tinha começado por querer explorar a questão da contradição entre governantes nesta matéria numa audição com Centeno. E isto porque o PSD diz que o ministro das Finanças falou na existência de pareceres da Autoridade Tributária, para a tomada desta decisão, enquanto o seu secretário de Estado diz que isso não aconteceu formalmente. Os documentos agora remetidos pelas Finanças ao Parlamento mostram um parecer de 2014, pedido pelo anterior Governo, um que não é conclusivo sobre a exclusão de Jersey, e outro nem é apresentado.

Offshores. Existe contradição entre Centeno e Rocha Andrade?

De acordo com a informação disponibilizada pelas Finanças ao Parlamento, o Governo mostra aquilo que o secretário de Estado Rocha Andrade já tinha afirmado no início deste ano: a lista negra de offshores considerada por Portugal “é bastante mais extensa do que as listas impostas pela generalidade dos países da União Europeia.

Em Portugal, a lista é constituída por 87 países, “mais um número indeterminado de ilhas no Pacífico”. Lituânia e Grécia são os países que se seguem, cada um com 57 territórios na lista negra de offshores, a Croácia tem 50, a Bulgária 49, Letónia tem 45, Polónia 31, Bélgica 26, Eslovénia tem 19 e Finlândia considera 15 países e jurisdições classificadas como offshores. Existem também 16 estados-membros sem lista de países, territórios e regiões com regimes de tributação claramente mais favoráveis.

Para sair dessa lista de territórios que estão sob normas fiscais anti-abuso, a legislação portuguesa exige que estes quatro critérios não se verifiquem:

  1. A inexistência de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC ou, existindo, que a taxa aplicável seja inferior a 60% da taxa do imposto;
  2. Se as regras para determinar a matéria coletável sobre a qual incide o IRS não obedecerem aos padrões internacionalmente aceites ou praticados pelos países da OCDE;
  3. A existência de regimes especiais ou de benefícios fiscais mais favoráveis do que na legislação nacional;
  4. Quando a legislação do território não permita a troca de informação relevante para efeitos fiscais, como por exemplo informação contabilística, fiscal ou bancária.

O último ponto é aquele que o atual Governo mais tem valorizado para rever a lista de offshores, com Rocha Andrade a defender que esses acordos de trocas de informação entre o país e o território em causa sejam privilegiados. O Ministério das Finanças faz ainda saber que são “diversos os pedidos de jurisdições para saírem” da lista negra.

Para sustentar as sua decisão, o Governo explica que juntou não só os pareceres que existem da Autoridade Tributária como também “os desenvolvimentos da OCDE neste domínio” e estabeleceu os seus critérios:

  • Excluir da lista negra as jurisdições que tenham um instrumento de troca de informações com Portugal, que tenham sido avaliados pelo Fórum Global da OCDE como “compliant” (compatível) ou “largely compliant” (muito compatível) e que não tenham, junto da Autoridade Tributária, registo de “obstáculos significativos e não justificados à luz do standard internacional à prestação de informações.
  • Também incluiu uma proposta no Orçamento para 2017 que considera como offshores “todos os países com baixa tributação”, constem ou não na lista negra.

O assunto está a centrar atenção do Parlamento e não foi só o PSD a levantar questões. O CDS pede mesmo que o Governo volte atrás numa decisão que o líder parlamentar do partido, Nuno Magalhães, classificou esta sexta-feira de “decisão meramente política, discricionária sem fundamento técnico e ilegal”.

O Bloco de Esquerda também somou pressão sobre o Governo que apoia com este assunto. Não só já tinha pedido os pareceres da Autoridade Tributária que sustentaram a decisão de excluir os três territórios da lista negra de offshores, como quer agora ouvir no Parlamento a Autoridade Tributária sobre os critérios que devem presidir à decisão. Mas o Bloco, ao contrário do PSD e CDS, não considera que a informação que recebeu do Governo mostre que existiram ilegalidades na decisão do Governo. Na conferência de imprensa desta sexta-feira, de acordo com a Lusa, Mariana Mortágua argumentou que a “decisão é política”. O problema levantado pelo BE é quanto à existência de um entendimento diferente sobre se os critérios para a exclusão de países da lista negra devem ser vinculativos ou não.