Jorge Gomes tornou-se nas últimas horas no rosto das piores notícias. Às 13 horas, no momento de mais uma atualização de informações, o próprio lamentava ser sempre portador de notícias ainda piores que as anteriores. Entre quase a meia-noite e a hora de almoço deste domingo, por sete vezes o secretário de Estado da Administração Interna veio dar notícias sobre a situação dramática em Pedrógão Grande:

23h45 — 19 mortos
01h12 — Ativa o Plano Distrital de Emergência da Proteção Civil
05h11 – 25 mortos
07h50 – 39 mortos
08h37 – 43 mortos
10h23 – 58 mortos
13h – 62 mortos (horas depois o primeiro-ministro corrigia: 61 pessoas que perderam a vida no incêndio)

Pelo meio, rosto consternado, voz embargada, lágrimas contidas, um abraço emocionado partilhado com o Presidente da República, muito desalento. Na tragédia nacional com maior número de vítimas mortais, ele foi o rosto do Governo. Tanto que os elogios socialistas foram sobretudo para a presença de Jorge Gomes. Caso da sua colega no Governo, a secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Marques e também do secretário de Estados dos Assuntos Parlamentares:

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Ou do seu ex-colega deputado, Eurico Brilhante Dias, como se pode ler também num post público no seu perfil no Facebook. No PS, mais difícil é recolher um elogio a Constança Urbano de Sousa, a ministra da Administração Interna (e superiora hierárquica de Jorge Gomes), que no primeiro briefing que fez — apenas no domingo à hora de almoço, já ao lado do primeiro-ministro — não foi capaz de dizer o nomes das três aldeias que anunciava terem também sido evacuadas. Atrapalhou-se.

A ascensão no PS

Entre conhecer António Costa e chegar a governante num Executivo seu, Jorge Gomes levou dez anos. Não tem muitos mais de carreira política, pelo menos visível. Aos 54 anos, o empresário chegou a Governador Civil de Bragança, estava o PS no Governo e era António Costa ministro da Administração Interna. Mas só aí é que se conheceram.

Até aí, a sua carreira tinha passado pelo mundo empresarial, sobretudo ligado à informática, mas a sua dinâmica na liderança de associações empresariais dava-lhe dimensão. Numa entrevista, com data de 2011, disponível online na página “Nordeste com carinho”, Jorge Gomes mostrava a sua influência em Bragança, onde sempre viveu: “Na cidade ainda hoje ninguém me é estranho quase, ninguém é desconhecido e isto é… é impossível sair de cá”.

Frequentou a Escola Comercial e Industrial: “Bragança era uma cidade bastante interessante, eu deixei de estudar muito cedo, não cheguei a concluir o último ano comercial mas mantive sempre muito contacto com a vida académica porque tinha lá os meus amigos e convivia muito com eles”, contou nessa mesma entrevista. Jorge Gomes acabou por estabelecer uma empresa, a Nordinfor, que vende computadores e também faz assistência técnica na área da informática, tanto a particulares como a pequenas e médias empresas.

Não que fosse totalmente alheio ao meio político, onde chegou a ser dirigente distrital e até presidente da Federação do PS de Bragança — mas o seu percurso nesse campo não dava muito nas vistas, ainda que tivesse tentado por várias vezes evidenciar-se. Era na política que tinha alguns dos seus melhores amigos. Na entrevista já citada destaca três pessoas que o marcaram ao longo da vida. A primeira é o pai, “que partiu muito cedo“; depois, um professor que teve; e, por fim, “um grande amigo”, Armando Vara. Dele, disse que têm “uma afinidade muito forte” , destacando o seu trabalho por Bragança, por onde foi eleito deputado entre 1985 e 1999.

Há um grande amigo a quem presto solidariedade e que foi uma pessoa que também me marcou bastante, o Armando Vara, de quem sou bastante amigo e com quem criei uma afinidade muito forte e que acho que foi uma pessoa muito importante para o nosso distrito.

Candidatou-se por duas vezes à Câmara de Bragança, em 2001 e em 2009, e das duas vezes obteve um resultado sem qualquer expressão contra Jorge Nunes, do PSD: em 2001, Jorge Gomes teve 28,9% dos votos, contra 61,9% — recolheu metade dos votos que o engenheiro do PSD. E oito anos depois nada mudou: metade dos votos na mesma, com 48,2% para o PSD e 27,6% para o PS de Jorge Gomes.

Paralelamente, foi assumindo cargos de direção, como por exemplo o que teve na Associação Comercial Industrial de Bragança ou no Núcleo Empresarial da Região de Bragança. Desde que António Costa chegou ao poder no PS, em 2014, a ascensão do ex-governador civil de Bragança (cargo em que ficou até 2011) ao topo socialista foi meteórica. Em Bragança, Costa tinha uma federação tomada por um segurista, Mota Andrade, e arranjou forma de secar essa frente.

Aliás, entre 2011 e 2014, Jorge Gomes tinha chegado a presidente da Federação, sucedendo a Mota Andrade, de quem era amigo. E quando Costa formalizou a sua candidatura ao PS, desafiando a liderança de António José Seguro, até chegou a criticá-lo: “Não é certo, não é correto, não é o momento, não está aberto nenhum processo de candidatura no PS”. Entretanto, mudou de ideias e tomou um lado, o de António Costa.

As polémicas

A recompensa não tardaria a chegar. Quando chegou às legislativas de 2015, pela primeira vez desde 1983 Bragança teve um cabeça de lista pelo PS que não era o presidente da Federação. Entretanto, Mota Andrade já tinha sido reeleito, numa prova de força do segurismo contra o costismo, nas eleições internas de 2014, mas acabou por ver Jorge Gomes a ser o escolhido pelo candidato a primeiro-ministro que venceu as primárias do partido. Muitos dos antigos camaradas de distrital de Jorge Gomes veem nele uma peça “usada por Costa”. O antigo empresário ficara do lado de António Costa num distrito difícil e agora era o seu escolhido para avançar por Bragança para a Assembleia da República.

Antes disso já tinha sido escolhido também para integrar o secretariado nacional do líder socialista eleito em 2014, ficando com o pelouro da organização. Num ano, com a proximidade e influência que ganhou junto de António Costa, o empresário passou da retaguarda de uma distrital do interior mais do que profundo para a primeira linha do partido. Um ano depois disto, aos 64 anos, foi nomeado secretário de Estado da Administração Interna e pediu para sair do secretariado, para poder concentrar-se na sua função governativa.

Ficou com competências na área da Autoridade Nacional de Proteção Civil e da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e também sobre as duas polícias (ainda que estas tenham ficado na dependência direta da ministra), em áreas como a Proteção Civil, Proteção Florestal, Prevenção e Segurança Rodoviárias, Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo da Costa Portuguesa ou autorizações de residência.

O Presidente da República chegou sábado à noite e deu um abraço emocionado ao secretário de Estado

Mas se o seu protagonismo destas últimas horas tem sido destacado pela positiva, nem sempre tem sido assim. Ainda no início deste mês chocou os bombeiros. Jaime Marta Soares, da Liga Portuguesa dos Bombeiros, veio mesmo dizer que o clima era “tenso” entre bombeiros e o responsável político, e pediu ao secretário de Estado que se retractasse. Em causa estavam declarações de Jorge Gomes no Parlamento, que disse que os bombeiros eram “amadores” e “não profissionais”.

Além disso, a Federação dos Bombeiros do Distrito de Aveiro ainda o veio corrigir quanto à despesa anual do Estado com os bombeiros. O governante calculou uma remuneração diária dos bombeiros na ordem dos 45 euros, 1350 euros por mês, mas os bombeiros de Aveiro explicaram que “o valor de 45 euros por dia é por cada 24 horas de disponibilidade do bombeiro para o combate no âmbito do dispositivo. Para auferir 1.350 euros mensais, o bombeiro teria que trabalhar 720 horas por mês”.