A União Europeia e o Reino Unido iniciam esta segunda-feira a segunda ronda de negociações para o Brexit. O arranque desta fase de conversações surge num momento em que a relação entre os dois blocos políticos está cada vez mais tensa.

Esta será a primeira ronda de negociações dedicada inteiramente a fixar os termos de saída do Reino Unido, uma vez que a primeira, celebrada no passado dia 19 de junho, serviu apenas para estabelecer o calendário e o método de trabalho dos negociadores, que passarão a reunir-se uma semana por mês em Bruxelas.

As prioridades nesta primeira etapa passam por acordar os direitos de que beneficiarão os cidadãos europeus no Reino Unido e os britânicos na União Europeia, resolver a situação da Irlanda do Norte, com o objetivo de evitar uma fronteira “estrita” com a República da Irlanda, e fechar o acordo sobre as obrigações financeiras do Reino Unido.

É precisamente este último ponto que mais divergências tem criado, com sucessivos avisos de parte a parte. Algumas estimativas avançadas apontam para valores na ordem dos 100 mil milhões de euros, uma fatura que o Reino Unido não está disposto a pagar. “As verbas que vi mencionadas, parecem-me extorsivas”, afirmou recentemente Boris Johnson, ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, acrescentando que os responsáveis europeus “bem podem esperar sentados” se acham que os britânicos vão pagar esses valores.

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A expressão de Boris Johnson, no original “go whistle” (expressão que traduzida à letra seria algo como “ficar a assobiar”), levou Michel Barnier, principal negociador da União Europeia para o Brexit, a responder com dureza: “Não estou a ouvir ninguém a assobiar, apenas o relógio a fazer tiquetaque”.

A troca de argumentos entre Boris Johnson e Michel Barnier surge praticamente na mesma altura em que o representante da cidade de Londres encarregue da pasta do Brexit, Jeremy Browne, enviou uma carta ao Governo britânico acusando os franceses de estarem “ativamente a perturbar e querer destruir” o centro financeiro londrino. “Eles são cristalinos sobre o seu objetivo final, que é enfraquecer o Reino Unido e promover a degradação da cidade de Londres”, escreveu Browne, numa carta que mereceu o eco de vários órgãos de comunicação social britânicos.

Operação de charme antes do divórcio?

Pouco depois das declarações de Boris Johnson, o Reino Unido admitiu publicamente e pela primeira vez que tem uma fatura para com a União Europeia. Num comunicado enviado ao Parlamento britânico, Joyce Anelay, secretária de Estado para o Brexit, reconhece que o “Reino Unido tem obrigações com a União Europeia” e, como tal, tem de adotar uma posição construtiva nas negociações.

“O Governo tem sido claro que vai trabalhar com a União Europeia para determinar um acordo justo para os direitos e deveres do Reino Unido como Estado-membro de partida, de acordo com a lei e espírito da nossa contínua parceria”, podia ler-se no comunicado entretanto divulgado.

Este pode ser um sinal de que os responsáveis britânicos estão dispostos a suavizar posições antes de entrarem numa das fases mais decisivas das negociações. Resta saber se será suficiente.

Quem arbitra o pós-Brexit?

Além das compensações a que o Reino Unido está ou não obrigado a cumprir, há outro dossier sensível que promete dividir ainda mais as duas partes: a Comissão Europeia exige que o Reino Unido continue a estar sob a jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça, um objetivo que bate de frente com as promessas de Theresa May, que definiu como prioritária a retirada do Reino Unido da jurisdição europeia.

A questão não é sequer consensual entre os tories, com várias figuras do Partido Conservador a exigirem que a primeira-ministra britânica abandone a sua linha vermelha. Ainda assim, David Davis, ministro britânico para o Brexit, tentará convencer os responsáveis europeus da necessidade de respeitar a vontade do Reino Unido.

Na véspera de viajar até Bruxelas para nova ronda de negociações, Davis teve uma tirada curiosa, quando questionado sobre o assunto: “Se o Manchester United jogasse com o Real Madrid, vocês não deixariam que o Real escolhesse o árbitro”, afirmou o responsável britânico.

Os responsáveis europeus, é certo, não estarão dispostos a ceder nesta matéria, pelo menos até que todos os casos pendentes na justiça estejam concluídos.

Britânico com mala anti-espiões

As reuniões desta segunda fase de negociações prolongar-se-ão até quinta-feira, dia em que será dada como encerrada com uma sessão plenária entre os participantes e uma conferência de imprensa, protagonizada por Michel Barnier e David Davis. Esta ronda de conversações é tida como determinante para o processo, pelo que é preciso evitar qualquer acontecimento que coloque em risco o sucesso das negociações.

Um possível ataque informático é um dos riscos acautelados pelo ministro britânico para o Brexit. De acordo com informação avançada pelo jornal britânico The Telegraph, David Davis está a transportar os seus documentos e dispositivos eletrónicos numa mala que foi equipada com tecnologia anti-espiões e que bloqueia todos os sinais sem fio.

Além disso, adianta o mesmo jornal, David Davis decidiu ainda trocar o seu relógio — um i-watch, com ligação à internet e capaz de fazer chamadas telefónicas –, como forma de evitar que espiões estrangeiros pudessem ativar remotamente o microfone ou a câmara do dispositivo e assim gravar o que era discutido nas reuniões para o Brexit.

Tony Blair aumenta a pressão sobre Theresa May

O antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair juntou-se recentemente às vozes que vão pedindo a Theresa May que repense a estratégia do Reino Unido na Europa.

Num ensaio divulgado na véspera do início da segunda fase de negociações, Blair pede à primeira-ministra britânica que mantenha em aberto a possibilidade de permanecer na União Europeia caso o sentimento dos eleitores mude durante o período de negociação do Brexit.

“A consideração racional das opções iria sensatamente incluir a opção de negociação para o Reino Unido ficar numa Europa ela própria preparada para se reformar e encontrar-nos a meio caminho”, começa por sugerir o antigo governante. “Dado o que está em causa e aquilo que diariamente estamos a descobrir sobre os custos do Brexit, como é que pode estar certo tirar deliberadamente da mesa a opção de um compromisso entre o Reino Unido e a Europa para o Reino Unido ficar?”, escreveu Blair, primeiro-ministro do país entre 1997 e 2007.

As considerações de Tony Blair surgem numa altura em que a contestação a Theresa May aumenta — ela que está politicamente fragilizada depois de ter perdido a maioria absoluta numas eleições que a própria convocou.