Um relatório do presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) alerta que o corpo de juízes desembargadores daquele tribunal encontra-se em situação de “rutura coletiva e individual”, devido a vários fatores, incluindo as sucessivas alterações legislativas.
O relatório sobre o estado do Tribunal da Relação de Lisboa foi elaborado para o Conselho Superior da Magistratura (CSM), tendo sido dado conhecimento do documento à ministra da Justiça, segundo indica uma nota enviada esta terça-feira à Lusa pelo gabinete do presidente do TRL, Orlando Santos Nascimento.
Como causas próximas da situação que afeta as condições gerais de funcionamento do TRL, Orlando Nascimento aponta, entre outros fatores, o elevado número de processos (muito acima do número máximo aconselhável), a concentração tendencial da impugnação das decisões de primeira instância num único recurso (aumentando o tempo de decisão de cada recurso), a extinção do tribunal coletivo na primeira instância cível, fazendo triplicar o número de decisões e consequentes recursos.
A litigância social acrescida em matérias cujos processo têm grande longevidade (insolvências individuais, processos relativos a recuperação de empresas, família e menores), a falta de suportes informáticos (que implica atrasos e necessidade de longas horas de escrita por parte dos desembargadores) e problemas relacionados com o percurso profissional do juiz são outros fatores que, segundo Orlando Nascimento, afetam a ação do TRL.
Quanto aos fatores relativos à específicas condições de funcionamento do TRL, o mesmo responsável lembra que, para além da criminalidade grave específica da sua área de competência territorial, o TRL recebe um elevado número de processos de âmbito nacional (criminal e cível) determinados pela localização dos serviços do Estado Central e da sede das grandes empresas em Lisboa.
O presidente do TRL observa ainda que se está agora perante um “novo paradigma de matérias” ligadas ao setor financeiro e à regulação e supervisão, com curtos prazos de prescrição, que exigem mais tempo de trabalho na busca de soluções e tempo de decisão.
Lembra ainda que, além de receber processos com conexão internacional e outros que provêm de tribunais de âmbito nacional (Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão e Tribunal da Propriedade Intelectual), é na cidade de Lisboa que estão localizadas as grandes sociedades de advocacia, com advogados especializados em matérias geradoras de litigância em massa, ao mesmo tempo que existe uma legislação processual permissiva que não estabelece limites materiais a essa litigância.
O relatório, datado de abril e agora divulgado, revela que o TRL dispõe de apenas 125 juízes desembargadores, incluindo o presidente e três juízes militares, sendo 60 nas seções cíveis, 49 nas seções criminais, incluindo o vice-presidente, e 15 na seção social.
Os juízes em efetividade de funções não atingem o mínimo do quadro (133 a 153), existindo um diferencial númerico negativo de oito, prevendo-se, com segurança e certeza, que esse diferencial negativo venha a aumentar em 2017, em virtude da jubilação e acesso ao Supremo Tribunal de Justiça”, lê-se no relatório.
Isto, em conjugação com outros fatores “relevantes”, leva o presidente do TRL a declarar que a situação “é insustentável”, pelo que alerta o CSM – órgão de gestão e disciplina dos magistrados judiciais – para o “perigo real de uma rutura coletiva e individual a curto prazo”.
“No ano de 2016, a distribuição atingiu por juiz desembargador, nas seções cíveis, 135 processos, dos quais 92 são apelações, nas seções Criminais 106 processos, dos quais 100 são recursos penais. Segundo, na seção Social 79 processos, dos quais 69 são apelações”, precisa Orlando Nascimento. O relatório avança que no primeiro trimestre deste ano já foram distribuídos nas seções Cíveis 2.186 processos, nas secções Criminais 1.188 e na seção Social 260, num total de 3.634 processos, o que constitui um aumento face a igual período do ano anterior.
O relatório alerta ainda o CSM e a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, para a dimensão média dos processos que dão entrada no TRL (em 2016 foram distribuídos 1909 processos com três ou mais volumes de processado), para o facto de existirem 16 juizes desembargadores em comissão de serviço (com lugar no TRL, mas sem previsão objetiva de regresso em 2017) e para o estado de estagnação do estatuto da classe, com implicações na motivação do corpo de juízes desembargadores.
O documento estima que a, partir do próximo movimento, o TRL contará com apenas 117 juízes, o “número mais baixo de sempre”, e que pediram já a jubilação três desembargadores, pelo que, após as férias de verão, o TRL reiniciará a sua atividade com 114 juízes.
Sem o mínimo de 145 juízes efetivos no TRL corremos o risco de exaurir os restantes juízes, chegando por essa via a uma situação de difícil reversão”, adverte Orlando Nascimento.
Segundo o mesmo responsável, uma das “soluções de emergência” poderá passar pela criaçãao de uma “bolsa de juízes” para os Tribunais da Relação, à semelhança do que já existe para a primeira instância, que permita acorrer às perturbações do trabalho.