Mike Carey, famoso argumentista de comics que já trabalhou em Batman, X-Men e Fantastic Four, estará em Lisboa no Fórum Fantástico 2017, justamente no período em que a série Lucifer (uma adaptação quase livre da sua aclamada série de banda desenhada) estreia a terceira temporada.

Para além do convidado especial da 11ª edição do Fórum Fantástico (FF), que decorrerá na Biblioteca Orlando Ribeiro com entrada gratuita de 29 de setembro a 1 de outubro, em simultâneo com a 4ª edição da Euro SteamCon Portugal, a convenção portuguesa de cultura steampunk.

Para além de diversos painéis dedicados à literatura, arte, cinema e televisão, a surpresa de encerramento fica a cargo de Filipe Homem Fonseca e Nuno Duarte, que farão regressar o programa de televisão Orelhas de Spock, numa sessão inédita e ao vivo no FF 2017.

Em entrevista, os organizadores do Fórum, Rogério Ribeiro e João Morales, falaram-nos sobre a persistência e o futuro do evento e deram a conhecer os principais destaques desta edição.

Ilustração do cartaz do Fórum Fantástico 2017 da autoria de Luís Melo

São já 11 edições do Fórum Fantástico. Quando organizaste a primeira edição estavam à espera de mais de uma década depois o evento ainda existir?
Rogério Ribeiro: Se tivesse pensado muito no que estava a fazer, se calhar não me tinha metido a organizar algo assim (risos). Agora a sério, não, não pensei. O importante na altura [2005] era que existisse um evento que fosse agregador de quem se interessa pelo género fantástico, dos criadores aos fãs e académicos. Pode parecer impossível nesta fase, onde os eventos nascem como cogumelos e se começam a atropelar, mas o Fórum Fantástico nasceu num cenário de quase inexistência de locais de apresentação e debate deste tipo de obras, quando a “cultura popular” não tinha ainda atingido o mainstream (céus, como detesto este chavão tão repisado nos últimos anos!). Portanto foi essa a ambição, mais do que planos de grande duração.

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Mas também tenho de referir que a constante motivação e apoio demonstrados pela Junta de Freguesia do Lumiar e pela BLX – Bibliotecas de Lisboa, nomeadamente a Biblioteca Orlando Ribeiro, têm sido importantes incentivos para o evento voltar ano após ano.

O que começou como um encontro de literatura fantástica estendeu-se para além das fronteiras do meio. Isto foi algo planeado ou orgânico?
RR
: Isso sempre foi planeado, contando que se tornaria orgânico, a la Fernando Pessoa – o estranha e o entranha (risos). Mas ajudou bastante quando começámos, eu e a Safaa Dib, que o enfrentássemos de forma organizada. E daí o sucesso dos apoios que obtivemos na génese do evento, da Fundação Gulbenkian a várias Embaixadas, serviços culturais e editoras.

João Morales: O FF não é um encontro de Literatura (basta olhar para o programa), talvez essa tenha sido a forma de captar inicialmente maior atenção, mas a ideia é, há muito, abranger diferentes expressões artísticas, técnicas, áreas do saber… o conceito de Fantástico é suficientemente abrangente para não se limitar à palavra escrita.

Rogério Ribeiro e João Morales, organizadores do Fórum Fantástico

O público do Fórum Fantástico é estanque, ou existe espaço de crescimento para além do grupo fiel de pessoas que seguem o evento (e o género e os seus sub-géneros)? Ou será a extensão para outros meios (como a BD, o cinema e os videojogos) e um contributo para que mais gente tenha contacto com a literatura fantástica?
JM
: Pessoalmente, não sou grande defensor das “caixinhas” – a malta da BD, a gente do Cinema, os da música, os da literatura, etc, etc. O fundamental é encontrar fios condutores, temas transversais, questões e tópicos, mais do que suportes.

Três exemplos: quando há três anos assinalámos os 30 anos de um ciclo de cinema histórico, de Ficção Científica, organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Cinemateca Portuguesa (com a presença do Rui Vieira Nery, em representação da Fundação) juntando-lhe uma outra homenagem, ao Marquês de Fronteira, que morrera dias antes do Fórum (e tinha organizado encontros de História Alternativa, muitos anos antes); a apresentação regular de sessões relacionadas com roupas ou adereços de temáticas várias, sempre dentro do âmbito de uma visão alargado do conceito de Fantástico; a sessão que promovemos em 2016 com Miguel Real e Miguel Vale de Almeida, sobre os seus livros O Último Europeu e Euronovela (respetivamente), bem como a sessão que dedicamos esta ano às questões da Inteligência Artificial e robótica são bons exemplos de articulação com a realidade. Uma realidade fantástica, admitamos…

Na sua 4ª edição a Euro SteamCon Portugal junta-se ao Fórum Fantástico, no local e na data. É um “casamento” de eventos que irá subsistir ou foi uma fortuita coincidência de calendário?
RR
: A EuroSteamCon é um evento pelo qual tenho bastante carinho, e ao qual estive ligado à organização nas suas primeiras duas edições, juntamente com a fabulosa Clockwork Portugal. Mas por vicissitudes várias, esse evento estava desativado! Ora, quando começámos a planear o FF2017 rapidamente foi decidido que o vaporpunk (prefiro este termo!) seria um dos tópicos desta edição, mas mais do que inserir algumas atividades no programa, achei que seria uma ótima oportunidade para “ressuscitar” a ESC. Em conversa com a ativa Liga Steampunk de Lisboa, percebi que andavam a discutir a mesma intenção, portanto foi um pulinho até unirmos esforços. E como não pode haver ESC sem Almanaque Steampunk, tivemos a sorte da Editorial Divergência aceitar o desafio de nos apoiar também nesse aspeto. Poderão então contar este ano com jogos, palestras, workshops, dança, uma feira de artesanato, um concurso de cosplay, e muitos mais, com inspiração vaporpunk!

O esforço de trazer pelo menos um convidado internacional ao Fórum Fantástico tem-se cumprido. Este ano temos Mike Carey. O que podemos contar com a presença de um dos mais aclamados argumentistas de comics da actualidade?
RR
: O Mike Carey é realmente um convidado que andávamos a querer trazer há algum tempo. A publicação do romance A Rapariga que Sabia Demais, pela Núvem de Tinta, constituiu a desculpa perfeita. Até porque a adaptação cinematográfica do livro tem sido recebida com enorme sucesso e até premiação (no entanto, em Portugal não foi exibido em sala, indo diretamente para a Netflix, o que demonstra muito do nosso panorama atual!).

Para além da larga experiência em banda desenhada, da 2000AD à Marvel e DC, o Mike Carey possui uma escrita cativante e um jeito muito próprio para o sobrenatural. E, como é dito por um dos personagens na série Unwritten, uma reconhecível veia literária geográfica, tal o detalhe que coloca, especialmente quando escreve sobre a cidade de Londres.

Mas nem só de Mike Carey viverá o FF2017. Para além da Lin Carey, que falará da colaboração com o marido (e a filha) mas também da sua série de fantasia publicada há alguns anos em Portugal, teremos como convidada a Fausta Cardoso Pereira, cujo romance Dormir com Lisboa recebeu o Prémio Antón Risco de Literatura Fantástica, sendo publicada em português na Galiza. E na sala de exposições da Biblioteca Orlando Ribeiro, uma mostra de originais de banda desenhada do Ricardo Venâncio, só para mencionar alguns entre muitos.

Ao todo, são três dias repletos de atividades paralelas, que se espalham por todos os espaços dos dois edifícios envolventes, o que representa uma expansão do formato habitual do Fórum Fantástico. E o final promete ser memorável, com um Orelhas de Spock, mítico programa de televisão de Filipe Homem Fonseca e Nuno Duarte, apresentado ao vivo.

A proximidade entre o público, organizadores e escritores/editores é uma das razões para o nicho do Fantástico se manter em atividade em torno deste Fórum. Será essa uma das razões pelas quais o evento ganhou mais um organizador a partir de um fiel espetador, como foi o caso do João Morales?
JM
: Comecei por frequentar como público e como jornalista e fui ganhando o gosto. À medida que fui conhecendo mais gente que era visita da casa e descobrindo autores, temas, estéticas, tudo isso se foi facilmente articulando com as diferentes áreas pelas quais me interesso. Como hoje uma parte importante da minha vida passa por organizar alguns eventos de âmbito cultural, alguns deles com uma vertente assumidamente didática – em escolas, bibliotecas e outras instituições – tudo isto de congregando de forma muito natural. Como já expliquei, Fantástico pode muito bem ser uma forma de chegar às questões e não um nicho estético definido. Livros como 1984, Fahrenheit 451, O Homem Duplo, ou, uns bons anitos antes, Utopia, começaram por ser olhados como obras devedoras apenas de variações do “tal” fantástico e, hoje, são – justamente – reconhecidas como as mais intensas metáforas políticas e sociais de grande parte das convulsões que ameaçam continuamente a Humanidade. Da mesma forma que Sun Tzu é divinizado em qualquer curso de Gestão.

Com a tua carreira como investigador científico e todo o tempo e empenho que isso acarreta, ainda existe energia dentro de ti para muitas mais edições de Fórum Fantástico?
RR
: Oh, por enquanto o wetware vai-se aguentando. E como acredito que a edição deste ano mostrará: o melhor está ainda para vir!

JM: Temos algumas ideias para a edição da viragem do século, em 2100… mas haverá tempo para falar sobre isso mais tarde.

Ricardo Correia, Rubber Chicken