Passei a noite nas estradas entre Nelas, Viseu e Seia. Pude testemunhar o seguinte: não havia bombeiros em aldeias totalmente envoltas em chamas. Não havia rede de telemóvel num raio de centenas de quilómetros. Ninguém conseguia contactar com ninguém, incluindo a polícia e os bombeiros. A polícia dava informações erradas às pessoas, que as poderiam levar à morte.

Os agentes da GNR, com a voz a tremer como crianças assustadas, pediam desculpa por não saberem nada. Completamente desorientados, cortavam estradas onde não era necessário, e permitiam que automobilistas entrassem em vias envoltas pelas chamas. Foi o caos total. O desespero.

A uns 10 quilómetros de Seia, na estrada 231, a polícia deixou-me avançar em direcção a um armazém de pneus a arder à beira da estrada, ao lado de uma bomba de gasolina. Atravessei a massa negra de fumo, entrei num troço de estrada a arder. O asfalto estava em chamas, com vegetação ou outro material combustível incandescente cobrindo toda a faixa de rodagem. Em frente, labaredas colossais erguiam-se no meio do caminho e avançavam na minha direcção, trazidas pelo vento. Se um pneu do carro tivesse rebentado pelo fogo no pavimento, provavelmente não teria conseguido sair dali.

Fiz meia volta, voltei à povoação de Paranhos, onde as pessoas, com as casas, armazéns e carros a arder, esperavam ajuda, em vão. À revelia das indicações que me foram dadas, dirigi-me para Nelas, e consegui chegar a Viseu. Não sei o que aconteceu àquelas pessoas em Paranhos, que ficaram encurraladas entre os vários incêndios. Nos olhos delas, daquela mulher sozinha no seu carro, com os dois cães, daquele homem meio despido, rosto empastado de suor e fuligem, com um balde na mão para tentar salvar a casa e a família, vi total abandono, total impotência, total humilhação.

Como foi possível deixarmos que isto acontecesse outra vez? Como foi possível que, depois de Pedrógão, o país não se tivesse mobilizado, com todos os seus meios, como se se tratasse de uma guerra, de uma verdadeira catástrofe? Talvez por não ter acontecido em Lisboa? Só lá estamos a salvo. Vejam se compreendem: isto não é um fait-divers de Verão. É o fim do mundo.

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