Marcelo Rebelo de Sousa usou uma expressão cifrada sobre a moção de censura no discurso violento que fez esta terça-feira à noite em Oliveira Hospital sobre os fogos, em que forçou a demissão da ministra da Administração Interna. O Presidente da República disse que, se a Assembleia da República aprovasse a moção do CDS, e o Governo caísse, evitava-se um “equívoco”. Ou seja, evitava-se, de alguma forma que António Costa continuasse um Executivo que suscitava dúvidas na sua solidez, na opinião do Presidente. Para Marcelo, esse “equívoco” seria a dimensão de apoio do PCP para o novo ciclo governamental depois das autárquicas.
Para o Presidente da República, a moção de censura vai acabar com quaisquer dúvidas que houvesse quanto ao empenho do PCP em relação à solução governativa. Para Rebelo de Sousa, a continuação do Governo sem se perceber a solidez do apoio parlamentar, é um “equívoco”. O PCP perdeu um terço das suas câmaras e Marcelo terá informações sobre uma eventual hesitação dos comunistas, apesar das declarações públicas sobre a manutenção da solução governativa em vésperas de aprovação do Orçamento do Estado.
Também lê o sentimento das ruas e o posicionamento mais agressivo da CGTP e dos sindicatos nos últimos tempos. Para o Governo cair, seria necessário que um dos dois partidos da “geringonça” apoiasse a censura do CDS acompanhada pelo PSD. Com estas palavras, o Presidente parece pressentir que o PCP seria o que estaria mais próximo de ter uma posição dessas. Uma abstenção não faria cair o Governo, mas era um sinal político. Mas os comunista reagiram imediatamente ao discurso, com um breve comunicado ainda na noite de terça-feira a dizer não ia entrar em manobras com objetivos partidário. Ou seja, não estaria com a moção de censura.
A dimensão da tragédia traduz dramaticamente os problemas da floresta acumulados por décadas de política de direita de governos PSD, CDS e PS. A dimensão da tragédia exige a adopção de medidas imediatas e políticas de fundo que dêem resposta a esses problemas e não que eles sejam utilizados como pretexto para manobras parlamentares que visam apenas objetivos políticos e partidários”, escreveu o PCP em comunicado.
Tomando uma posição que contribuísse para a queda do Governo, acabava-se esse “equívoco”. Era o PCP a assumir que estava fora, mas os comunistas deram a resposta contrária de imediato. Mas assim, com uma votação contra a moção de censura, o PCP ficaria mais amarrado ainda a António Costa — tal como o Bloco de Esquerda. Para Marcelo, o chumbo da moção reforça o mandato do Governo. Mas já está dito em público que tem as suas dúvidas quanto à firmeza do apoio da esquerda. O PCP será recebido pelo Presidente em Belém esta noite, depois do CDS.
A frase completa de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a moção de censura é esta:
Pode e deve dizer que, se na Assembleia da República há quem questione a atual capacidade do Governo para realizar estas mudanças, que são indispensáveis e inadiáveis, então que, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer ou não manter em funções este Governo, condição essencial para, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco, e de resposta positiva, reforçar o mandato para as reformas inadiáveis.”
O Presidente da República passou a bola para o Parlamento quanto à continuidade do Governo, sem fazer qualquer advertência aos partidos sobre a estabilidade política, consequências económicas de uma dissolução da Assembleia ou seja, não tentou segurar António Costa. O que os partidos decidirem, assim será. Mas Marcelo diz que está vigilante e é de levar em conta que, a acrescentar a todas as críticas que fez a António Costa, também declarou que mantém todos os seus poderes.
Notícia corrigida às 12h56 do dia 19 de outubro, no que respeita à abstenção do PCP. Uma moção de censura para ser aprovada tem de o ser pela maioria dos deputados em efetividade de funções.