Foi uma decisão a direção do CDS, validada depois pelo grupo parlamentar, mas há militantes de base que não queriam ver o CDS a apresentar uma moção de censura contra o Governo na Assembleia da República. “Este não é o momento para ofensivas ou chicanas políticas, nem o momento para taticismo, é o momento para procurar soluções depois do luto e da dor”, diz ao Observador Pedro Borges de Lemos, advogado e membro da concelhia política do CDS de Lisboa, que encabeça uma corrente informal de opinião dentro do partido. Outras correntes internas, como a Tendência Esperança em Movimento de Abel Matos Santos, a única formalizada, contudo, são a favor da moção.
Depois dos incêndios de junho em Pedrógão Grande, que provocou 65 mortes, e depois de a tragédia se ter repetido este fim de semana no centro e norte do país, com mais 43 mortos registados até agora, o CDS entendeu que, ao fim de “quatro meses remetidos ao silêncio, unidos na dor e no luto nacional”, era agora altura de “dar voz à indignação” de todos. Na apresentação do texto da moção de censura, esta quinta-feira, o líder parlamentar Nuno Magalhães acrescentou que a moção serviria para obrigar os partidos da esquerda a avaliar se “houve ou não falhas graves”, recusando tratar-se de um movimento político “calculista”.
Não foi, contudo, esse o entendimento dos partidos da esquerda, que acusaram logo o CDS de “aproveitamento político” ou de protagonizar um gesto “grotesco”, nas palavras de Catarina Martins, por apresentarem a moção no primeiro dia de luto nacional. Esse é também o entendimento do militante democrata-cristão Pedro Borges de Lemos, que critica não só o timing como o propósito.
São, resumidamente, três as razões para estar contra: 1) as moções de censura devem servir apenas para fazer cair um Governo e, se o Governo cair, não é um governo em gestão que vai encontrar as soluções necessárias para a floresta; 2) se o CDS já sabia à partida que os partidos de esquerda iam votar contra a moção, segurando o Governo, então “pôs-se a jeito para ser acusado de oportunismo político”; 3) uma moção de censura chumbada dá argumentos ao Governo para ter uma “narrativa de vitimização” e prejudica “os consenso necessários e os pactos de regime” que têm de ser feitos sobre esta matéria.
Questionado pelo Observador, o advogado e comentador político sublinha que “o Governo esteve muito mal e deve ser responsabilizado porque falhou como nenhum outro”, mas, na sua opinião, o CDS tem outras vias de ação ao seu dispor, inclusive através do seu grupo parlamentar, para “continuar a fazer uma oposição construtiva e pacificadora com vista a encontrar soluções” para o problema dos incêndios e da floresta.
Ou seja, a apresentação de uma moção de censura no Parlamento serve apenas para “o CDS tomar a dianteira e mostrar que lidera a oposição” ao Governo, numa tática para ganhar balanço em relação ao PSD. Para Pedro Borges de Lemos isso não é necessariamente mau, “é positivo”, mas “não pode toldar a visão humanista e democrata-cristã do CDS, que nesta fase tem de pôr a prioridade nas indemnizações e no apoio às vítimas”. Trata-se, diz, de uma questão de responsabilidade política.
Para este militante democrata-cristão, que encabeça o recém-criado movimento interno CDS XXI (que não está no entanto formalizado dentro do partido), o CDS não devia ter avançado para a moção de censura para “sinalizar a indignação” porque uma moção de censura é “um instrumento jurídico-constitucional usado quando um partido quer que um Governo termine”. E a única coisa que o CDS sinaliza com isto é que “não oferece condições de diálogo”.
Tendência alternativa a Cristas é a favor da moção
Além de Pedro Borges de Lemos, também o presidente da comissão política concelhia do CDS de Ovar e conselheiro nacional do CDS, Fernando Camelo de Almeida, partilha da mesma opinião. “O facto de ter responsabilidades políticas num partido, não me inibe de dizer o que penso, sem me preocupar em agradar a dirigentes do meu partido e com plena consciência de que tinha mais a ganhar em fugir ao tema como outros fazem ou em dizer ámen como faz a maioria. Gosto muito de política, desde que feita com seriedade, com responsabilidade e com coerência”, escreveu no Facebook, dizendo-se “desiludido” com a forma como “se faz política”, referindo-se à “crispação” provocada pelo anúncio da moção de censura do CDS.
O movimento CDS XXI não é, contudo, um movimento formal de alternativa à direção de Assunção Cristas. Atualmente, a única oposição interna formalizada é a tendência Esperança em Movimento, subscrita por cerca de 400 militantes centristas, que está de acordo com a presidente do partido neste tema. “A moção de censura é adequada face à manifesta incompetência revelada pelo Governo em proteger os cidadãos e os seus bens”, diz Abel Matos Santos ao Observador.
E explica: “O CDS é um partido humanista de inspiração cristã, que radica a sua ação na democracia cristã, e não concebemos um Governo que se demita das suas mais básicas funções e que se demora a assumir responsabilidades”.
Também Filipe Lobo d’Ávila, que saiu do congresso do CDS há dois anos como a única voz formal de oposição interna, depois de ter apresentado uma moção de estratégia global contra a de Cristas que teve 23% dos votos, não podia estar mais de acordo com a decisão do partido. “Não encontro razão mais forte para censurar um Governo do que esta. Depois da enorme tragédia que assistimos e das declarações que ontem mesmo ouvimos da parte do primeiro-ministro, está bem Assunção Cristas e está bem o CDS ao censurar este Governo”, escreveu no Facebook na terça-feira. Ao Observador, o dirigente centrista reforça que está de acordo “no timing e no motivo”.