O aumento da derrama de IRC para as empresas que têm um lucro tributável superior a 35 milhões de euros ficou politicamente acertada com os partidos à esquerda que o reclamaram na negociação do Orçamento para o próximo ano. Mas a entrar — como PCP e Bloco têm dito que ficou acertado com o Governo — no debate da proposta do Governo na especialidade, será contra aquilo que os ministros que lidam mais de perto com cobrança fiscal, atividade económica e empresas pensam sobre a medida.
O ministro da Economia deixou claro este sábado, numa entrevista ao Jornal de Negócios e à Antena 1, o que pensa do aumento da derrama: “Vai contra esta descida da carga fiscal, claramente”. Já o ministro das Finanças, no debate que manteve com os partidos quando negociou o Orçamento, argumentava com o sinal contrário que a medida traria em termos de incentivos às empresas, isto além de ser também contrária à dinâmica de aceleração da atividade económica. Mas Mário Centeno e Manuel Caldeira Cabral podem mesmo vir a contar com este agravamento da taxa máxima derrama estadual no menu de medidas para o próximo ano, tudo por causa da negociação política do Orçamento do Estado.
À esquerda, a medida é vista como um sinal político importante a dar — de vontade em exigir um maior contributo aos que mais têm –, mesmo que a alteração signifique uma receita diminuta. A taxa de 9% incidiria apenas sobre a parte do lucro que superasse os 35 milhões de euros e o número de empresas nestas condições em Portugal é muito reduzido. Para se ter uma ideia, em 2015, apenas 0,1% das empresas é que tinham dimensão para pagar derrama estadual, ou seja, todas as outras não tinham que chegassem sequer aos 1,5 milhões de euros — que é o valor a partir do qual se aplica o adicional do IRC.
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- 3% aplica-se ao lucro tributável das empresas que exceda 1,5 milhões de euros;
- 5% para empresas com lucros entre 7,5% e 35 milhões;
- 7% para empresas com lucros que ultrapassem os 35 milhões de euros.
O ministro da Economia também admite que a medida não teria grande impacto em termos de receita para o Estado, dizendo na entrevista já citada que atingiria “um conjunto limitado de empresas”. É por isso que desdramatiza: “Se vier a ser aplicada, o impacto que terá garante que este não será um Orçamento com um aumento da carga fiscal”. Mas antes já tinha assumido que o sinal que daria seria o contrário a isso mesmo.
Mas em matéria de sinais a dar, aí deverão mesmo vencer os parceiros de esquerda, com a negociação política do Orçamento a ter deixado acordado que a derrama vai mesmo subir. O PCP, em todas as intervenções que fez nas últimas semanas no âmbito do Orçamento — quer na audição do ministro das Finanças no Parlamento, quer no debate na generalidade da proposta do Governo — fez sempre questão de escolher as palavras para dizer que que o acordo estava feito. Paulo Sá quis “registar”, perante Centeno, “o compromisso claro e inequívoco que o Governo assumiu com o PCP”. E depois novamente na última sexta-feira, o mesmo deputado (que esteve nas rondas negociais que precederam a apresentação do Orçamento) disse não estar ali “a tratar do que já foi assumido como compromisso para a especialidade que é o aumento da derrama do IRC”. O Bloco de Esquerda, por seu lado, deu este como um compromisso garantido na lista de acordos que diz ter trazido para a especialidade.
Do ministro das Finanças ouviu uma resposta suficientemente evasiva para não se comprometer diretamente, fazendo a inclusão daquela medida uma decisão não sua, mas que poder vir a ser fruto da negociação na especialidade: “O debate na especialidade vai ter essa dimensão, tendo a certeza que necessitamos de um Orçamento do Estado com equilíbrios que permitam ganhar a confiança interna e externa”. Mais nada.
Também o ministro da Economia, na entrevista de sábado, chutou o assunto para a especialidade numa negociação que, sublinhou, é “política”.
A possível concretização desta medida já fez o presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, vir classificar essa de “história mirabolante”. E vincava mesmo a ideologia que considera esta subjacente à medida: “É uma distinção ideológica em relação aos que criam riqueza. Não temos de acabar com os ricos, temos é de acabar com os pobres. Lamentavelmente, passados tantos anos do 25 de Abril de 1974 ainda há forças que continuam com este registo ideológico e aqueles que são criadores de riqueza são perseguidos e estigmatizados”.
Este fim de semana, no seu espaço de comentário na SIC-Notícias, o comentador políticos (ex-líder do PSD) Marques Mendes estimou em “cerca de 70” as empresas afetadas por uma subida deste adicional do IRC e considerou-a “um erro” que “não contribui para baixar o desemprego nem para criar mais emprego”.