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FMI. “Uma geração inteira pode nunca recuperar” na Europa

Este artigo tem mais de 5 anos

Economistas do FMI alertam para o agravamento substancial na desigualdade entre jovens e mais velhos criada na Europa e dizem que isso pode levar a uma polarização nas preferências políticas.

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JIM LO SCALZO/EPA

JIM LO SCALZO/EPA

Com salários menores, menos bens, mais dívida e em maior risco de pobreza. Este é o retrato feito pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre os jovens, num artigo onde se escreve que por detrás da relativa estabilização da desigualdade na União Europeia se esconde um autêntico fosso geracional cavado durante a crise, que deixa os jovens numa posição bastante mais difícil. A Europa arrisca-se a ter “uma geração inteira que pode nunca recuperar”, disse a própria diretora-geral do FMI, em Davos, na Suíça.

Esta é a “geração dos sonhos adiados”, afirmou Christine Lagarde, perante uma plateia cheia de líderes económicos e políticos, no Fórum Económico Mundial. Com António Costa na fila da frente, a diretora-geral do FMI deixou ainda um aviso aos líderes europeus: sem medidas urgentes, esta deixará de ser uma geração de sonhos adiados e passará a ser a geração dos “sonhos enterrados”.

O cenário traçado pelo Fundo é negro. Um em cada quatro jovens estão em risco de pobreza, um em cada cinco não tem emprego, o salário destes é inferior a 60% da média, o emprego é mais precário.

Num artigo publicado esta quarta-feira, nove economistas do FMI analisaram a desigualdade e a pobreza entre gerações nos países da União Europeia e a conclusão é que os números que são conhecidos traçam uma realidade perigosa para o futuro da Europa, a vários níveis.

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Os dados globais mostram que a desigualdade de rendimentos se manteve relativamente estável ao longo da crise, mas olhando para estes números mais de perto pode observar-se um autêntico fosso geracional que tem vindo a aprofundar-se desde o início dessa crise. “O risco de pobreza entre os jovens, comparando com os que têm mais de 65 anos, era globalmente comparável, movia-se em paralelo. Mas, a partir de 2009, o risco divergiu significativamente”, explicou Irene Yackovlev, uma das autoras do artigo, ao Observador.

Enquanto que os mais idosos viram os seus rendimentos aumentar durante a crise, os mais jovens foram especialmente afetados pelas poupanças, nos programas e prestações sociais. Ao contrário, as pensões não sofreram do mesmo mal.

“Quando há problemas orçamentais e é necessário fazer poupanças, muitos países cortam nos programas e nas prestações sociais. Isto afeta mais os mais jovens. (…) Os países escolheram proteger as pensões e não as restantes prestações”, de acordo com Maximilien Queyranne, outro dos economistas do FMI responsáveis pelo artigo.

Mas não foi só a crise que provocou este problema. Segundo este economista, os jovens já não beneficiavam da mesma proteção que os mais velhos, o que já os colocava numa situação mais vulnerável. Com as mudanças na economia, o surgimento da chamada ‘gig economy’, em que o emprego é mais precário, à base sobretudo de trabalho independente, freelance, os jovens ficam numa situação em que nem sequer trabalham tempo suficiente para ter direito a prestações sociais como o subsídio de desemprego, e quando o têm é em piores condições que os demais. “Há um buraco na rede [de proteção social] e temos que o consertar”, acrescenta.

O artigo publicado esta quarta-feira vem acompanhado da habitual nota que diz que este só representa as opiniões dos próprios e não do FMI e da administração, mas foi a própria Christine Lagarde que o apresentou num painel em Davos, na Suíça, durante o Fórum Económico Mundial. E deixou um alerta para os governantes europeus — entre eles António Costa –, de que este é um problema ao qual os governos têm de dedicar a sua atenção imediatamente.

“Muitos jovens estarão mais vulneráveis aos próximos choques financeiros e estão a adiar investir no seu futuro. (…) Em vez de sonhos adiados, podemos estar a falar de sonhos enterrados”, afirmou a diretora-geral.

As consequências podem ser nefastas e duradouras para estes países. Os governos têm tendência a tomar decisões com base no eleitorado, como explicou Christine Lagarde, ela própria uma antiga ministra das Finanças no seu país natal, França, mas o eleitorado futuro são estes jovens que estão agora em pior situação em alguns casos – na Alemanha por exemplo, como apontam os autores do artigo – do que os seus pais estavam.

“A desigualdade entre gerações também provoca erosão na coesão social e polariza as preferências políticas, e pode em última análise diminuir a confiança nas instituições políticas”, afirmam os autores do estudo.

“Os jovens sentem-se marginalizados. (…) É difícil demonstrar como, mas existe esta preocupação e um sentimento de que se estão a sentir excluídos”, explicou Maximilien Queyranne.

Como resolver o problema? O exemplo de Portugal

O tratamento depende sempre do doente, e neste caso não acontece o mesmo em todos os estados. Os países têm diferentes características e, também, margens orçamentais bastante diferentes para colocar novas medidas em prática.

Ainda assim, o FMI avança com algumas sugestões de áreas onde se podem aplicar medidas que melhorem a situação atual.

Uma dessas áreas até tem Portugal como exemplo, tanto no artigo como na apresentação de Christine Lagarde em Davos, e passa pela redução das contribuições sociais e impostos para os trabalhadores com menores rendimentos. O exemplo dado relativamente a Portugal foi o da isenção de três anos no pagamento de contribuições sociais para aqueles que entram no mercado de trabalho pela primeira vez.

Enquanto o desemprego jovem continua alto (superior a 24%), esta medida vai na direção certa”, afirmou Christine Lagarde.

Algumas destas ideias, como uma medida específica para os trabalhadores de baixos rendimentos, chegaram a ser propostas pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, enquanto economista do PS no período que antecedeu as eleições legislativas, mas nunca foi encontrada uma fórmula para as colocar em prática depois de se tornar ministro das Finanças. A opção voltou a recair sobre a redução direta da carga fiscal, mais pronunciada nos escalões mais baixos, onde se pagam menos impostos (os contribuintes com menos rendimentos já não pagavam IRS).

Outra parte importante da solução, de acordo com a economista do FMI Irene Yackovleve, passa pelo investimento em educação e treino vocacional. Mesmo para países com limitações orçamentais, explicou, esta deve ser uma opção, uma vez que os fundos destinados a estes programas são tão baixos que o mais pequeno aumento já tem um grande impacto.

Outra questão importante, afirma Maximillien Queyranne, é a questão da rede de apoio social aos mais jovens. Para além de lhes trazer menos rendimento, o trabalho precário e menos frequente faz com que os mais novos não tenham acesso a prestações como o subsídio de desemprego, estando já em desvantagem face aos mais velhos, que beneficiam de uma rede mais vasta de apoio, para além, naturalmente, das pensões de reforma.

A solução neste caso pode passar por mudar os critérios de acesso a estas prestações. Ou seja, os trabalhadores mais novos poderiam ter mais facilmente acesso ao subsídio de desemprego, o que lhes permitiria maior mobilidade e reduziria o risco de pobreza. Este é um problema que afeta especialmente os trabalhadores independentes. Em Portugal, em meados de 2017 havia mais de 800 mil pessoas nesta situação.

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