O lema de Rui Rio até podia ser o da união, mas o que se assistiu entre o fim da tarde e a noite deste segundo dia de Congresso do PSD foi tudo menos união. Muitas das distritais que se empenharam em apoiar Rui Rio na corrida interna, e que conseguiram virar o jogo a favor do atual líder, não viram o esforço recompensado no momento da elaboração das listas. É o caso de Viseu, Algarve, Santarém ou Setúbal, que ficaram “sem quase nada” — e agora estão “zangadas” e “magoadas”. “Isto é inédito, não se dignaram a ouvir as distritais e conseguiram deixar fora do mapa aqueles que mais o apoiaram [a Rio]”, diz ao Observador um dirigente distrital. Nem ao grupo parlamentar, que já estava chateado, Rio deu um bombom: até os deputados que o apoiaram, como Emídio Guerreiro, Cristóvão Norte ou Carlos Peixoto, ficaram sem nada.

Resultado: haverá sete listas ao Conselho Nacional opostas à lista de Rio e Santana. Uma delas é encabeçada pelo líder da distrital de Setúbal, Bruno Vitorino; e a habitual lista de Sérgio Azevedo e Carlos Reis, de Lisboa, terá desta vez o apoio de algumas das concelhias mais fortes do partido, como Trofa, Gaia, Lousada, Penafiel, Matosinhos, Odivelas, Barcelos ou Figueira da Foz — podendo ter um resultado “surpreendente”.

E tudo em nome da união entre a ala vencedora e a vencida. A maratona negocial intensificou-se na sexta-feira à noite e prolongou-se pela madrugada de sábado: Rio e Santana Lopes chegaram a acordo para as listas conjuntas aos principais órgãos nacionais (Conselho Nacional, Conselho de Jurisdição e Mesa do Congresso), com Santana a encabeçar a lista para o Conselho Nacional. A Santana segue-se Paulo Rangel, depois Arlindo Cunha e depois José Matos Rosa (ex-secretário-geral de Passos), e por aí fora até completar os 70 membros que são eleitos para aquele órgão plenário do partido. A lógica foi de proporcionalidade face aos resultados das diretas: 54% de Rio e 46% de Santana. Mas nos corredores do Congresso, o que se sentiu foi tudo menos união. “Que estranha forma de unir o partido é esta em que não se ouvem as estruturas”, diz ao Observador o líder da distrital de Setúbal, Bruno Vitorino, que acabou por lançar uma lista própria ao Conselho Nacional.

Os “donos do partido” e os seus amigos da elite

De acordo com o dirigente distrital, a forma como a equipa de Rio e a equipa de Santana se organizaram para distribuir a representatividade nas listas assemelha-se a uma lógica de donos disto tudo.

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Parece que os donos do partido se juntaram, dividiram o partido ao meio e escolheram os amigos”, o resto ficou de fora, diz.

“Isto não é normal, nunca aconteceu. O líder não pode ficar refém das estruturas, mas o partido não pode ser só elites e amigos do líder”, acrescenta.

Desilusão semelhante sentiu Pedro Alves, líder da distrital de Viseu e apelidado por muitos como um dos “grandes derrotados da noite”. Ao distrito de Viseu foi oferecido apenas um lugar no Conselho Nacional, que a distrital não aceitou. E estava longe de ser esta a expectativa que Pedro Alves tinha quando chegou ao Congresso deste fim de semana: diz Pedro Alves ao Observador, sublinhando que Rio estabeleceu, no discurso de abertura, o combate à desertificação do interior como uma das suas prioridades. Por isso, esperava que esse sinal político tivesse “respaldo” na representatividade das listas. Mas não.

“Telefonei a todos os autarcas e dirigentes do distrito, e ninguém quis aceitar, porque um lugar na lista não é dar um sinal político de prioridade para o interior”, diz Pedro Alves, pedindo à direção de Rio “mais respeito pelos militantes”. Nas diretas que elegeram Rui Rio, Viseu teve o segundo melhor resultado em termos de apoio a Rui Rio. E agora ficou sem nada.

Situação semelhante aconteceu no Algarve e em Santarém. O deputado Cristóvão Norte, de Faro, “virou o Algarve todo para apoiar Rui Rio”, conseguiu esse apoio, e no final, ficou sem nada. Santarém, cujo líder distrital, Nuno Serra, apoiava Santana, perdeu para Rui Rio — mas essa proeza de nada lhes valeu também. “Ao olhar para estas listas, Santarém ficou completamente fora do mapa, perdeu tudo o que tinha com a direção de Passos”, diz ao Observador uma fonte, lembrando que de nada valeu Santarém ter dado vitória a Rio nas diretas de janeiro.

Pormenor adicional: Rio deixou de fora das listas praticamente todas as figuras do grupo parlamentar, que já estavam aborrecidas por causa da escolha de Fernando Negrão para a nova direção da bancada. “Podia ter dado um sinal de união aí, mas não deu a mão a ninguém, nem aos deputados que mais o apoiaram”, ouve o Observador de uma fonte, que lembra que na próxima quinta-feira, quando a bancada votar no novo líder parlamentar, Fernando Negrão pode mesmo ter mais votos em branco do que a favor.

O ambiente nas estruturas do partido durante a noite de sábado era de “descontentamento generalizado”. O Observador confirmou que no domingo, à hora das votações, vão estar em jogo oito listas ao Conselho Nacional — órgão máximo entre Congressos. Além da lista da unidade, e da lista do líder da distrital de Setúbal, há ainda a habitual lista de Carlos Reis e Sérgio Azevedo, que pode ter um resultado maior do que o habitual; a lista de Joaquim Biancard da Cruz, ex-candidato à Câmara de Sobral de Monte Agraço, e a lista de João Costa, que foi candidato à concelhia de Leiria. Ao Conselho Nacional de Jurisdição, concorrem quatro listas.

Há dois anos, em 2016, a lista de Pedro Passos Coelho ao Conselho Nacional do PSD, encabeçada por Marques Guedes, conseguiu eleger 33 dos 70 lugares deste órgão, quase o dobro do alcançado em 2014 (quando teve como primeiro nome Miguel Relvas e apenas conseguiu eleger 18 conselheiros).