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Paulo Cunha/LUSA

Paulo Cunha/LUSA

A 24.ª hora de Paulo Portas. Será a última?

Ao fim de 23 campanhas eleitorais, Portas vai ser o número dois. Nos bastidores, fazem-se contas ao mínimo de deputados e desenham-se estratégias para o líder não desaparecer. Sobreviverá?

CDS e PSD dão esta quarta-feira (mais um) tiro de partida para as legislativas: em Lisboa, Paulo Portas e Pedro Passos Coelho lançam as linhas orientadoras do programa da coligação. A batalha adivinha-se particularmente difícil, mas nisto Paulo Portas é veterano. Feitas as contas, é já a 24.ª vez que o líder do CDS parte para a guerra. Só numa delas – nas legislativas de 2005 – chegou a tropeçar e a cair. Mas a interrupção durou pouco e dois anos depois estava de volta.

Presidente do CDS desde 1998, Paulo Portas prepara-se agora para o seu maior desafio: uma campanha em coligação, onde é o número dois, e depois de quatro anos de desgaste no Governo. Sobreviverá à prova?

Em 2011, o CDS conseguiu eleger 24 deputados. A proeza vai ser difícil de repetir e, nos bastidores já se ouve falar uma meta para as próximas eleições: 18.

Nas hostes do partido poucos são os que o dizem abertamente, mas todos sabem que, em caso de desaire eleitoral, a 24.ª hora de Paulo Portas pode mesmo vir a ser a última. “Põem sempre essa questão quando se aproxima um novo ciclo eleitoral, mas cá dentro isso não está minimamente a ser discutido: estamos muito contentes com o líder que temos”, diz ao Observador a deputada centrista Cecília Meireles, que está encarregue de dirigir a campanha eleitoral, do lado do CDS.

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Longe dos microfones, já se fazem contas. E as contas acabam invariavelmente num número, 18, que se está a transformar na linha vermelha do partido. 18 deputados, leia-se, que comparam com a maior conquista eleitoral da história das 23 campanhas de Paulo Portas: em 2011, o CDS conseguiu eleger um total de 24 deputados e este ano a equipa de Portas sabe que a meta é irrepetível. Admite-se uma queda, mas de preferência não para menos do que 18 deputados. Se correr mal, a campainha toca.

Bandeiras na gaveta (ou a meia haste)

Mas prognósticos só no fim do jogo, porque antes há toda uma batalha pela frente. Ainda não se conhece o programa, ou tão pouco o nome através do qual a coligação se vai apresentar a votos, mas o desenho da campanha está já em marcha, ao ritmo marcado por José Matos Rosa, do lado do PSD, e Cecília Meireles, do lado do CDS. Ao Observador, a deputada centrista afirma que a campanha vai ser feita nos moldes das ultimas europeias, numa base do “espírito de união entre os dois”, com os dois parceiros lado a lado.

A pergunta para um milhão de euros é, agora, se Paulo Portas aguenta uma campanha assim: na sombra de Passos, na dobra dos comícios, obrigado a afinar discursos, e quem sabe fora dos debates televisivos – que por norma só contam com os rostos que se candidatam a chefiar um Governo. E repete-se a pergunta: a 24.ª campanha será a do desaparecimento de Portas?

Sem respostas, os centristas antevêem uma campanha dura, onde as duas vozes vão ter de se unir numa só, mas arriscam desvios. Poderá haver “nichos”, dizem, temas mais falados por um do que pelo outro, na medida em que cada um quererá manter a sua identidade. “São visões diversas para uma causa comum”, resume Cecília Meireles. Por isso assegura que a maior parte das bandeiras centristas se vão manter, numa lógica de coerência com a identidade ideológica do partido. O tema dos impostos, por exemplo, que sempre foi caro ao CDS, “não vai deixar de estar em cima da mesa”, garante a diretora de campanha centrista, ainda que deva aparecer numa lógica de “ética social na austeridade”. “Pequenas e médias empresas, empreendedorismo, proteção dos mais frágeis, igualdade de oportunidades”, tudo temas que o CDS chama a si e garante que não vai largar.

"Antes era mais fácil transmitir ilusões. Agora a gestão racional da campanha obriga-nos a pôr no frigorífico algumas ideias"
João Rebelo

Em todo o caso, os tempos são outros e dentro do partido não há ilusões de que o discurso da campanha eleitoral de 2015 vá ser igual ao da campanha de 2011, ou muito menos das anteriores. “Desta vez os partidos não vão poder estar a prometer mundos e fundos, as pessoas já perceberam que essas promessas são impossíveis”, diz ao Observador o deputado João Rebelo, que acredita que, tanto à direita como à esquerda, os discursos das campanhas vão ser feitos “numa maior base de verdade e sustentação nos números”.

Daí que o dirigente centrista admite que algumas bandeiras caiam – ou pelo menos que fiquem a meia haste. É o caso da reforma do Estado ou da diminuição de impostos, diz. “A gestão racional da campanha obriga-nos a ter de pôr no frigorífico, não digo na gaveta, mas no frigorífico, um conjunto de ideias e valores. Têm de ficar à espera de melhores dias”, sublinha o deputado.

Segundo o Expresso, já está confirmado que Portas e Passos vão percorrer o país juntos, para aparecerem lado a lado na grande maioria das ações de campanha. Mas, sim, haverá momentos pontuais onde os líderes poderão ter agendas autónomas. E será nesses momentos que Portas terá mais espaço para piscar o olho ao seu eleitorado mais fiel. “Cada um vai ter o seu nicho, é natural que cada um fale mais de umas coisas do que de outras”, atira o deputado João Rebelo, que esteve ao lado de Portas nas várias campanhas, nomeadamente na da estreia, em 1998.

"É natural que Portas tente dar uma abordagem mais social, mais democrata-cristã, à campanha, e que Passos adopte a vertente mais económica, do caminho da responsabilidade"
Bagão Félix

Fora do habitat do líder, a realidade é vista de forma mais crua: “Estão os dois condenados a mostrar cumplicidade e união. Se não o conseguirem em casamento, ao menos que o façam em união de facto”, decreta o ex-ministro Bagão Félix, reforçando a sua preocupação por os dois partidos ainda não terem dado um nome ao “filho” e lembrando que, nos tempos da Aliança Democrática em 1979/80, não se falava em PSD+CDS: “O nome AD estava profundamente enraizado”.

O silêncio de Portas vai até onde?

Mas o risco de saídas do tom ou de desafinações continua a pairar e, por isso, a palavra de ordem tem sido cautela. Não só para os liderados, que evitam falar num eventual cenário de sucessão a Paulo Portas por parecer uma assunção de derrota, mas também para o líder, que se tem mantido mais cauteloso nas suas intervenções públicas, ao longo dos últimos anos.

Os dois últimos sinais de tremor na coligação foram prova disso mesmo: o corte nas pensões para 2016, assumido por Maria Luís Albuquerque e depois desdito pelo ministro centrista Mota Soares, que levou Portas a cingir-se ao argumento combinado de que nada está decidido e que o desejável é um consenso alargado ao PS sobre a matéria; e a chamada crise da sms. Relembre-se esta: Passos dizia na sua biografia autorizada que Portas tinha dado conta da sua demissão por mensagem no verão quente de 2013 e, no Parlamento, acabaria por falar dele como “líder do principal partido da oposição”.

Portas levou meio dia a reagir à alfinetada. Mas respondeu – e inovou: primeiro, criando uma espécie de novo órgão estatutário do partido, o do gabinete do Presidente do CDS, que até esse dia nunca tinha emitido qualquer comunicado assim assinado; depois, quando apanhado pelos jornalistas, gozou com o assunto (para não dizer com o próprio Passos) – “Apresenta-se ao serviço o líder do principal partido da oposição. Se tiverem perguntas podem enviar um sms, eu respondo-vos por sms ou por carta”.

A resposta não chegou para convencer todos. Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS e um dos mais acérrimos críticos de Portas, chegou a dizer ao Observador que Passos tinha ganho por 2-1.

Paulo Portas deu apenas um grande entrevista desde que, em 2013, esteve para se demitir e acabou a tomar posse como vice-primeiro-ministro. Foi na altura da saída da troika e o pretexto era apenas esse.

A ‘vitória’ não é, no entanto consensual. Bagão Félix assume a defesa deste Portas “ponderado”. E arrisca uma teoria: “Foi precisamente por causa do episódio da demissão ‘irrevogável’ que [Portas] passou a ter mais cautela. Daí que quando se deu a crise do sms ele já não tenha reagido diretamente – deve ter pensado ‘já não me apanham mais noutra destas'”. Ainda assim, Bagão Félix acredita que o anúncio da demissão “irrevogável” em julho de 2013 não tenha sido uma gafe, mas sim “um estado de espírito verdadeiro – ele estava mesmo desesperado”.

Manchou, feriu, “mas passa”. “Só demora mais a passar porque, primeiro, Portas é de direita (e à esquerda perdoam-se mais facilmente essas coisas) e, depois, porque estamos a falar de Paulo Portas, que tem um feitio muito peculiar que suscita os dois contrários: ou se adora ou se odeia”, arrisca o ex-ministro de uma coligação passada. Dentro do partido, de resto, parece unânime a ideia de que a crise governamental de 2013 não só não matou Portas, como o tornou mais forte. “Saiu a ganhar o CDS, a estabilidade governativa e o país”, sintetiza o deputado João Rebelo, recuperando uma frase feita em que os centristas realmente acreditam – sobretudo aqueles que, nos dias da crise, forçaram o líder a recuar no “irrevogável”.

"O "irrevogável" feriu, mas como o partido vê Portas como a chave disto tudo, passou rapidamente"
José Ribeiro e Castro

Uma coisa é certa: Depois da demissão e recondução, Portas optou pelo silêncio, não se justificou publicamente e manteve-se resguardado. Entre sucessivas saídas de Portugal enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, foram raríssimas as entrevistas que deu nestes quatro anos enquanto governante, menos ainda nos dois últimos quando subiu a vice-primeiro-ministro. Depois de uma grande entrevista à RTP logo em dezembro de 2011, recém-empossado, e outra ao Expresso, também enquanto MNE, Paulo Portas deu apenas uma entrevista à Rádio Renascença (a Rádio Maria, como se diz no CDS) – em cima da saída da troika e só para vincar a etapa cumprida: tinha acabado a “espiral depressiva” das avaliações com a troika.

Pouco antes, Portas teve ainda que acalmar o partido. Foi quando se começou a temer que saísse da liderança antes das legislativas, sob qualquer pretexto (como o de rumar à Comissão Europeia). No discurso que fez no congresso, em fevereiro de 2014, Portas deixou um singelo sinal de que a missão – leia-se, o Governo – era para levar até ao fim. Problema adiado.

A demissão de 2005: Um erro…irrepetível

Prestes a terminar uma etapa, ninguém admite em on que, em caso de derrota nas eleições, Portas saia de cena. Todos dizem que é um não assunto e, a falar dele, desdobram-se em elogios para serenar os ânimos. “A liderança é tão forte que essa não é questão que se ponha, o partido está completamente ao lado do seu líder”, diz o dirigente centrista Diogo Feio ao Observador. “O CDS está muito contente com o seu líder e quer que ele continue”, reforça Cecília Meireles. “A sua liderança ainda vai a meio, a outra metade é para governar com ventos mais favoráveis”, conclui o deputado Telmo Correia. Esta é a orientação.

Mas a verdade é que as águas têm sido agitadas, e a força vem de dentro. Assunção Cristas disse em maio, em entrevista ao Observador que estava “ao serviço do partido para o que for necessário”, inclusive para a liderança. Antes, o ministro da Economia, Pires de Lima, já tinha admitido ao Expresso que “só nos regimes menos democráticos é que os líderes se perpetuam independentemente dos resultados”, fazendo depender uma eventual saída de Portas dos resultados eleitorais. Ainda que nenhum queira falar na hipótese de uma sucessão no curto prazo, a verdade é que, mais uma vez, o elefante entrou e ficou à espera na sala.

Num cenário de saída de Portas, o ex-presidente Ribeiro e Castro não admite recandidatar-se para a liderança. "Estou fora".

Esta história, contudo, não é nova no ‘portismo’. Em 2005, quando Portas decidiu sair do comando, fê-lo precisamente num reconhecimento de que tinha falhado a meta dos 10% dos votos que tinha traçado. “Acho que terminou o ciclo político em que presidi ao CDS/PP”, disse na altura, afirmando que “o povo português detesta a conversa das vitórias morais”. Hoje, muitos dizem que “foi um erro”. Porque abriu fissuras fortes no partido e “foi muito difícil recuperar a coesão”, diz o deputado João Rebelo. A diferença, acrescenta, é que na altura Portas “teve medo” de sair “porque não havia ninguém muito preparado” para o substituir. Coisa que hoje já não acontece.

Nessa altura foi Ribeiro e Castro que presidiu ao partido no interregno de Paulo Portas, mas agora é seguramente uma carta fora do baralho. Ao Observador, o atual deputado muito crítico da falta de debate interno e da “ausência de uma rotina de discussão de políticas” dentro do partido, afirma que não pensa recandidatar-se no caso de uma saída de Portas. “Vou-me dedicar à vida cívica”, diz. Da ala crítica de Portas, atualmente é Filipe Anacoreta Correia o rosto mais ativo, podendo ser ele o candidato desafiador do portismo no momento da sucessão.

Depois de dois anos fora, Paulo Portas não aguentou o afastamento e regressou para reconquistar a liderança do partido. Nessa altura, voltou determinado a fazer mudanças e fez da captação de novos quadros e da renovação pelo mérito as suas palavras de ordem. Pela mão levou por exemplo a atual ministra da Agricultura, Assunção Cristas, e de 2007 para cá tem-se dedicado a dar protagonismo a todos os discípulos em quem vê mérito. É o caso de Mota Soares, que além do cargo no Governo, é o homem do CDS na mediação da coligação, da deputada Cecília Meireles, a quem lhe deu a pasta da coordenação da campanha eleitoral, de João Almeida, secretário de Estado que faz a gestão da comunicação do partido, ou da própria Cristas que ficou com a responsabilidade de elaborar o programa eleitoral. Ou de Nuno Melo, o primeiro vice-presidente do partido e o mais popular entre os militantes – a seguir ao líder.

Tudo nomes que agora surgem apontados como sucessores, antevendo-se uma guerra de tronos num partido que muitas vezes foi visto como sendo “de um homem só”.

"Na impossibilidade de chegar a primeiro-ministro, Portas já atingiu tudo enquanto líder do CDS. Falta-lhe Belém, ou um cargo lá fora"
Bagão Félix

E o que vê quem assiste de fora? Bagão Félix arrisca uma preferência: Nuno Melo. Porque as “substituições de lideranças fortes deixam sempre sequelas e é preciso encontrar uma solução pacífica”. O eurodeputado é, nas palavras de Bagão, o menos polémico, o mais ambicioso, o indicado em termos de políticas, o mais combativo. “O mais parecido com Portas”.

E lembra como quando, entre 2005 e 2007, Portas esteve afastado da liderança do partido se sentiu como um peixe fora de água. “Mas o que é que eu vou fazer agora?”, dizia-lhe na altura. “A política faz parte da sua vida, é o seu habitat natural”, diz, acrescentando, no entanto, um outro fator na equação. “É que ele já atingiu tudo”. Pelo menos tudo quando a posição de presidente do CDS lhe permite. “Na impossibilidade de chegar a primeiro-ministro, já atingiu tudo. Pela frente só um cargo de Presidente da República ou um cargo de topo internacional, que eu sei que é uma área que ele gosta muito”, sublinha Bagão.

O tabu da sucessão, no entanto, não é de agora. Volta e meia lá vem ele. A “lideranças fortes”, correspondem “substituições difíceis”, reflete o antigo governante. A dada altura, compara a liderança de Paulo Portas à de Pinto da Costa, numa analogia com o futebol. “Porque se sair, ou quando sair, haverá sempre um downgrade – isso é inevitável”.

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