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O presidente do sindicato do Ministério Público, António Ventinhas, condena “alguma confusão” promovida pelo poder político no processo Manuel Vicente; alerta contra um eventual retrocesso do Ministério Público aos tempos de Pinto Monteiro; e olha com reserva para algumas declarações de Rui Rio sobre o poder judicial. Uma entrevista para ler numa das semanas mais quentes para o Ministério Público.
Tendo em conta que em Portugal existe o princípio de separação de poderes entre o poder político e o poder judicial, como está a ver as supostas negociações que têm sido noticiadas entre o Governo português e o presidente angolano João Lourenço para a transferência do processo de Manuel Vicente?
No que diz respeito às negociações, não depende do Governo português qualquer tipo de transferência de processos. Os processos neste momento estão na esfera judicial. Portanto, o Governo não tem qualquer possibilidade de atuação nessa matéria. Como é público, houve uma separação de processos, logo há que ser dado destino a esse processo [de Manuel Vicente] no âmbito da tramitação judicial que se encontra em curso. Portanto, à justiça o que é da justiça e à política o que é da política.
O Governo tem cumprido de forma exemplar o princípio de separação de poderes?
O que posso dizer é que não conheço interferências diretas na tramitação do processo. Ou seja, não conheço nenhuma atuação do Governo que tenha alterado o curso dos processos. Até porque o processo, independentemente das manifestações públicas de alguns altos dirigentes angolanos ou até de várias pessoas do espetro nacional que defenderam ativamente a remessa do processo para Angola invocando questões de Estado, o processo tem seguido os trâmites normais. Por vezes aqui o plano político e o económico confundem-se e depois há quem os queira confundir com o plano judicial. São planos diferentes…
O Governo não tem promovido essa confusão?
Algumas vezes. Digamos que há aqui situações em que parece haver alguma confusão. Mas o primeiro-ministro já veio clarificar e dizer que é uma matéria do foro judicial.
Foi o próprio primeiro-ministro, já depois de uma decisão do Tribunal de Instrução Criminal de enviar os autos para julgamento, que declarou publicamente que tinha pedido um parecer ao Conselho Consultivo da PGR sobre a questão da imunidade diplomática de Manuel Vicente. Viu o pedido de parecer como uma pressão sobre o poder judicial?
É curioso também por que razão é publicitado o pedido e não é revelado o resultado do parecer — o que demonstra que há alguma atuação política por detrás dos pedidos e das divulgações ou não divulgações. Tudo isso tem uma leitura política subjacente…
O Governo não gostou do parecer?
Não sei, porque não conheço o teor do parecer. Sei é que ele não é público. E aí cada um terá de tirar as suas ilações.
O parecer devia ser publicitado pelo primeiro-ministro?
Sim. Poderia esclarecer algumas das questões que se colocam. É uma matéria com interesse público.
Na resposta à última carta rogatória — não cumprida, uma vez mais — as autoridades angolanas abrem a porta para a possibilidade de julgarem Manuel Vicente daqui a cinco anos, período após o qual cessará a amnistia que o protege. Como vê essa possibilidade?
Não conheço os termos exatos da lei da amnistia em Angola, mas em Portugal, quando se é amnistiado, essa decisão perdura. Mesmo que passem cinco anos, os crimes não voltam a reavivar-se. Isto pode não suceder em relação à imunidade, mas em relação à amnistia o crime continua a estar amnistiado, logo não poderá ser julgado.
Vamos supor que não existia nenhuma amnistia nem nenhuma imunidade. Acredita que a justiça angolana era capaz de julgar Manuel Vicente?
Acredito que sim. Não tenho razões à partida para desconfiar da justiça angolana. Se o Estado português entendesse que a justiça angolana não era credível, não devia sequer ter feito uma cooperação judiciária internacional. Portanto, eu acho que, à partida, temos de entender que a justiça angolana é um parceiro credível e que se rege de acordo com princípios comummente aceites, como os da separação de poderes e do respeito pelo Estado de direito. Não devemos aqui ter qualquer complexo de superioridade ou de passar atestados de inferioridade a outros países. Penso que Angola faria o julgamento. O resultado do julgamento seria outra questão.
Seja como for, toda a pressão que Angola colocou ao mais alto nível sobre Portugal parece já estar a surtir efeito: Manuel Vicente não foi declarado contumaz nem tem mandados de captura internacional para ser notificado da acusação. Isso já deveria ter acontecido?
Não conheço o processo em concreto, nem as notificações, nem o que existe no processo. No âmbito do processo separado é que eventualmente se colocarão aqui essas questões e as diligências posteriores. A justiça portuguesa só pode ser uma verdadeira justiça se cumprir a lei independentemente do cidadão que esteja em causa. Independentemente do país de que seja, seja português ou estrangeiro. Se não o fizer, negará a sua própria essência, que é de aplicar a lei e os princípios gerais de um Estado de direito.
O mandato de Joana Marques Vidal
Defende que o procurador-geral deve fazer apenas um mandato de seis anos. Porquê?
No âmbito da revisão estatutária, defendemos a limitação de mandato de todos os cargos hierárquicos do Ministério Público. Ainda para mais, o cargo de procurador-geral está demasiado ligado ao poder executivo. Ou seja, a forma de nomeação emana do poder executivo, que propõe um nome ao Presidente da República. Há o risco de uma excessiva vinculação ao poder executivo e de uma gestão política do seu mandato. Razão pela qual o sindicato, inclusivamente, tem defendido que se altere a forma de designação do PGR.
Como comenta o facto de nem o primeiro-ministro António Costa nem a ministra Francisca Van Dunem, após terem sinalizado que Joana Marques Vidal não seria reconduzida como procuradora-geral, terem elogiado o seu mandato?
Penso que no seu devido tempo efetuarão essa avaliação — que, no meu entender, é muito positiva.
Quais as razões que levam a fazer esse balanço muito positivo?
Porque se abriu aqui um novo campo, designadamente em termos de uma nova dinâmica da investigação criminal do Ministério Público. Começou a combater-se a criminalidade económica e financeira e começou a admitir-se desde logo que existe criminalidade económica e financeira de Estado em Portugal. Chegou a dizer-se que não havia corrupção em Portugal — que a corrupção em Portugal era a “corrupção do cafezinho”. Não tinha relevância. E quem parte desta base não poderá ter grande energia para a combater porque logo à partida nega a inexistência do fenómeno. O que verificamos a partir das investigações do DCIAP é que a corrupção em Portugal vai muito para além disso — verifica-se ao mais alto nível. Nas investigações que foram efetuadas, que ainda estão por demonstrar em sede de julgamento, existem indícios fortes para levar à acusação e à aplicação de medidas de coação gravosas. Portanto, é notório que há aqui uma mudança grande de paradigma, em termos de combate à corrupção em Portugal.
Como interpreta o silêncio do Governo em relação a essa situação?
Ainda não fizeram a sua avaliação. O que, na minha opinião, está correto. O que está incorreto foi ter-se anunciado desde logo, fora de tempo, a não renovação do mandato da procuradora-geral. Um tema extremamente delicado como este não deveria ter sido lançado desta forma…
Ainda por cima, na altura em que a ministra Francisca Van Dunem o fez, logo a seguir a uma declaração do Presidente da República de Angola.
O que depois dá origem às mais variadas suspeitas, existam ou não. Mas o que é certo é que a proximidade temporal de outros eventos pode dar origem às mais variadas especulações e até por isso não deveriam ter sido feitas essas declarações.
Temos visto muitas figuras do Partido Socialista ou próximas do Governo, a tecerem críticas a Joana Marques Vidal por alegadamente não ter combatido de forma eficaz as supostas violações do segredo de justiça. Como interpreta esse enfoque nas alegadas violações do segredo de justiça em detrimento de um elogio ao combate à corrupção?
A violação do segredo de justiça é crime. Deve ser combatido, deve ser investigado e deve ser punido. Essa é a minha posição de base.
Na Operação Fizz, o procurador Orlando Figueira foi acusado de violação do segredo de justiça.
Agora, muitas das vezes o que se pretende, além disso, é lançar umas cortinas de fumo para alguns processos mais complicados onde estavam a ser investigados crimes gravíssimos que envolviam altas figuras do Estado e que mostravam um Estado completamente corrupto e um sistema político e financeiro com ligações muito complicadas que arruinaram muitas pessoas neste país. Isso é que não pode acontecer, porque tenta-se desvalorizar o combate à corrupção e valorizar o segredo de justiça. Tem sido uma estratégia utilizada por muitos arguidos.
Em relação ao facto de haver figuras do PS que também invocam esses argumentos, deixo aqui um desafio: procure-se um mandato de um procurador-geral onde não existam violações do segredo de justiça. Tenho sérias dúvidas que consigam encontrar algum. O crime de violação de segredo de justiça é difícil de investigar, como todos sabemos.
Ajuste de contas do PS e o perfil do novo PGR
O PS está num ajuste de contas com o Ministério Público por causa do processo Sócrates?
Se se trata de uma revanche, de um ajuste de contas, não sei. Não tenho ainda elementos para poder afirmar isso. Agora, sabemos que há posições públicas a favor de algumas pessoas que são arguidos em processos importantes.
Qual deve ser o perfil do próximo PGR?
Tem de ser um perfil que siga o trabalho e o trilho que está a ser efetuado pela dra. Joana Marques Vidal. Tem de ser uma pessoa que conheça bem o Ministério Público, que pretenda também trilhar o caminho que tem vindo agora a ser seguido de combate à corrupção, uma pessoa com perfil de liderança que saiba escolher as pessoas certas para colocar nos lugares certos. O que é muito importante, porque ninguém pensa que numa estrutura como o Ministério Público uma pessoa sozinha consegue efetuar todo o trabalho. Um dos méritos da dra. Joana Marques Vidal foi ter escolhido o Dr. Amadeu Guerra para dirigir o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). E portanto, no fundo, alguém dentro desse perfil seria o indicado.
A nomeação de um magistrado com o perfil do dr. Fernando Pinto Monteiro representaria um retrocesso no trabalho que o Ministério Público tem vindo a fazer nos últimos seis anos?
Relativamente ao dr. Pinto Monteiro, eu já me pronunciei ainda antes de ter tomado posse. Dei uma entrevista pouco depois de ter ganho as eleições e a minha avaliação foi extremamente negativa. Aliás, pertencia a uma direção na altura em que tivemos fortes problemas com o dr. Pinto Monteiro e um dos pontos de discórdia era designadamente a forma como estava o DCIAP a ser gerido e a forma como funcionava. O DCIAP mudou, os resultados são diferentes, não sei se teríamos razão ou não, mas que os resultados são diferentes, são. E, portanto, penso que a última coisa que interessaria ao Ministério Público seria voltar aos tempos do dr. Pinto Monteiro. Entendemos que deverá haver uma continuidade do trabalho e o próprio dr. Pinto Monteiro não se enquadra dentro do perfil que tracei agora.
É precisamente esse o debate que está a ocorrer: deve ser um perfil de continuidade, como acaba de defender, ou um perfil de retrocesso — recuando a um tempo em que a luta contra a corrupção era vista como a luta contra a “corrupção de café”, como dizia o dr. Pinto Monteiro. Faz sentido esse debate?
Esse debate não faz sentido. Não há nenhum português, com exceção de alguns que estejam implicados na prática de ilícitos, que defendam o regresso a outros tempos em que o Ministério Público funcionava pior. Nunca aceitaríamos uma situação em que fosse colocado alguém que fosse o braço armado ou manipulado pelo poder político ou que pretendesse inverter o caminho de combate à corrupção. Aliás, neste estado de coisas nem acho que os portugueses compreendessem uma situação dessas. E vou lançar esta questão: penso que o próprio Governo com isto [declarações sobre a não renovação do mandado da PGR] também ficou muito mais fragilizado na sua decisão. Porque o próximo procurador-geral, provavelmente, será a pessoa mais escrutinada de sempre, o nome mais escrutinado de sempre. Terá de ser o nome mais consensual, alguém que não deixe qualquer margem para dúvidas da sua isenção, de garantir o trabalho de combate contra a corrupção e de não dependência do poder político, em especial deste Governo, uma vez que até se levantam estas suspeições. Portanto, penso que o Governo, se quiser ter uma atuação que não o comprometa politicamente, que não traga resultados negativos do ponto de vista político, tentará arranjar uma pessoa com um perfil que não suscite dúvidas a ninguém. Que seja uma nomeação quase consensual. Mas isso não é fácil.
O pensamento negativo de Rui Rio sobre a Justiça
Receia que o novo líder do PSD, que quer colocar a justiça (e a comunicação social) na ordem, juntamente com setores do PS que são também muito críticos da atuação da justiça nos últimos anos, possa levar à escolha de um PGR que implique esse retrocesso?
Essa é uma boa pergunta. Entendemos que certos pactos da justiça entre o PS e o PSD efetuados no passado não resultaram. Não sabemos se também pretendem agora, e em que moldes, um novo pacto na justiça. Estaremos atentos a todos os acordos e todos os entendimentos que haja na justiça pelos principais partidos e daremos a nossa opinião no momento oportuno. Agora, entendemos que existe um caminho que tem vindo a ser feito pelo Ministério Público que reputamos como positivo, os resultados têm aparecido. Quanto à questão da violação do segredo de justiça, como já referi, tem de ser combatida. Portanto, se alguém conseguir arranjar forma de resolver este problema, acho que deve avançar com as propostas nesse sentido para resolver o segredo de justiça.
Está preocupado com a visão tão crítica que Rui Rio tem sobre o caminho que a justiça tem vindo a seguir?
O que gostaria de saber era até que ponto é que essa visão crítica se pode refletir ou não num desvio de trajetória substantivo. Ou seja, eu também tenho uma visão muito crítica sobre alguns pontos do sistema de justiça mas isso não implica que se altere por completo a trajetória. É uma visão crítica no sentido de o melhorar e de o aperfeiçoar? Se for nesse sentido, será positivo. Se for para alterar por completo a trajetória que está a ser seguida, entendo que não será positivo.
A dra. Joana Marques Vidal foi a melhor PGR da democracia portuguesa?
Não posso afirmar isso. Até porque, atendendo à minha idade, não tenho conhecimento direto dos primeiros procuradores-gerais. Trabalhei com o dr. Souto Moura, com o dr. Pinto Monteiro e agora com a dra. Joana Marques Vidal. E dos três, enquanto estive em exercício de funções, a dra. Joana Marques Vidal foi a que melhor desempenhou as suas funções e a que imprimiu maior dinamismo ao Ministério Público.
Que medidas destaca do Pacto de Justiça, que foi acordado e que foi muito elogiado pelo Presidente da República?
Destaco as medidas em áreas em que o Ministério Público tem uma especial atenção, designadamente menores e trabalhadores. Ao nível dos trabalhadores, são criados determinados benefícios em termos de custas. No que diz respeito aos menores, foi acordada a criação de secções especializadas nos tribunais superiores e os próprios juízos itinerantes para a província, para criar uma proximidade desses juízos à questão da família e menores. No campo da justiça económica, há muitas medidas que permitiriam atacar uma área que é um dos principais cancros no nosso sistema. Designadamente, a área das execuções, que representam dois terços das pendências. Com algumas daquelas normas conseguiríamos reduzir substancialmente as pendências.
Acredita que o poder político vai aceitar todas estas propostas na Assembleia da República?
Não tenho a esperança de que o poder político adote todas as medidas. Mas tenho a esperança de que vão adotar muitas.
Há um compromisso do PSD ou do PS sobre prazos para concretizar?
Não há qualquer compromisso. Aliás, não fizemos um pacto com os partidos, fizemos só um pacto entre nós. Portanto, não sabemos o que é que o poder político pensa sobre isto. Agora, acho que há medidas ali que têm de ser equacionadas até pelo facto de ter sido historicamente possível haver este consenso. Que é uma coisa que não é fácil.
Contudo, houve medidas que não foram acordadas, como o enriquecimento ilícito ou a colaboração premiada.
O sindicato propôs isso. Não foi possível acordar porque nem sequer houve acordo para as discutir. Portanto, foram mortas logo ao princípio. Mas não por parte do sindicato.
Acha que essas medidas podem vir a ser alvo de um novo debate?
Neste momento, o debate esmoreceu. Ficou uma perceção na opinião pública de que a colaboração premiada é algo que não se adequa ao nosso enquadramento jurídico. Também não defendíamos propriamente uma questão da colaboração premiada como existe no Brasil, por exemplo. Defendíamos um aprofundamento do direito premial, que é algo completamente diferente. Nem sequer há muita abertura para discutir a questão do aprofundamento do direito premial, apesar de ele ter vários afloramentos no direito português. Ainda agora, no Código do Mercado dos Valores Mobiliários, aprofundou-se o direito premial: quem colabore no âmbito do combate às infrações no mercado dos valores mobiliários terá direito a algumas reduções de pena — tal como já acontece ao nível do combate contra o terrorismo ou contra o tráfico de droga.
O ‘inconseguimento’ do Ministério da Justiça com o novo Estatuto
O que falta para existir um novo estatuto do Ministério Público?
Já disse várias vezes, e usando aqui uma expressão muito cara a uma antiga presidente da Assembleia da República [Assunção Esteves], o Estatuto é um ‘inconseguimento’ do Ministério da Justiça porque é um processo que está sempre para ser concluído mas nunca acontece. Em que se dialoga repetidamente mas o Ministério da Justiça nunca consegue concretizar o documento. E já se arrasta desde o Governo anterior. O dr. Rui Cardoso fez o mandato a falar do estatuto, eu já terminei praticamente um mandato (cada mandato é de três anos) e o assunto continua sem ser resolvido. Nem sequer temos um projeto para efetuarmos um parecer. O Ministério da Justiça, nesta matéria, tem revelado um grande grau de ineficácia.
O facto de a ministra ser uma procuradora do Ministério Público não alimentava a expectativa de que a situação fosse desbloqueada?
Esperemos que a sra. ministra não queira fazer uma obra tão perfeita, tão perfeita que nunca chegue a terminá-la. Mas este processo tem de ter um fim.
Qual é o timing para o sindicato?
Não demos ainda um timing. Mas achamos que neste momento já começa a passar as marcas o tempo que o Ministério da Justiça tem para apresentar um documento. A ministra da Justiça comprometeu-se, em declarações que efetuou aos órgãos de comunicação social, que “no verão de 2017 seguramente o estatuto estará pronto”. Seguramente não está. E portanto já passámos o verão, já passámos o outono, vamos a caminho da primavera e continuamos sem estatuto. E nem é sem estatuto, é sem um projeto sequer de estatuto.
Quais são duas ou três medidas essenciais que o sindicato defende para o novo Estatuto do Ministério Público?
O novo estatuto passa desde logo pela harmonização da legislação com a lei da organização do sistema judiciário. A definição concreta das funções de cada pessoa no sistema hierárquico do Ministério Público. Ou seja, tem que se saber exatamente quais são as competências de cada um, quem determina o quê. Neste momento, há ‘áreas cinzentas’ e interpretações díspares das funções que levam a problemas de eficácia e coordenação. A questão da organização da carreira também é importante. Verificamos, face à lei da organização do sistema judiciário do sistema atual carreira, é que todos os magistrados mais qualificados e mais experientes abandonam a investigação criminal, designadamente nos departamentos de investigação e ação penal. Porque grande parte dos lugares de promoção são fora da área da investigação criminal. Quem quer, neste momento, ser promovido a Procurador da República, as suas áreas de promoção serão na família e menores, no trabalho, no administrativo, nos julgamentos. Existe então um desperdício contínuo.
Pensa então que deviam alargar o quadro…
Não. O que entendemos é que devia haver o cuidado de os magistrados poderem progredir continuando na investigação criminal. Ou seja, quem tivesse um determinado número de anos e tivesse uma determinada nota, poderia continuar na investigação criminal e não necessitaria de sair para melhorar a sua posição remuneratoriamente. Desde que tivesse um determinado número de anos, propunhamos 15 anos e a nota de “Muito Bom”, ou 18 anos e “Bom com distinção”. E podia continuar exatamente a fazer as mesmas funções, não se perdendo o know how e valorizando-se a investigação criminal. O sistema como está não serve.
Quais são as expectativas que tem para o congresso do Ministério Público, que começou esta sexta-feira? Qual é a grande missão deste congresso?
A grande missão e importância deste congresso é que vão estar mais de 300 congressistas, acompanhantes, jornalistas, professores universitários, deputados. Portanto, teremos um grande grupo de pessoas juntas num só espaço em que iremos debater o futuro do Ministério Público. Isso é extremamente importante no momento em que se encontra a discussão do Estatuto. O tema é centrado essencialmente em quatro grandes temas que são importantes para o Ministério Público: a autonomia e a estabilidade, a questão da organização do funcionamento do Ministério Público, a carreira e o seu desempenho no funcionamento da instituição — ou seja, até que ponto é que deve existir uma carreira bem estruturada que motive os magistrados e que coloque os magistrados nos sítios certos para que possam dinamizar o Ministério Público e aproveitar melhor os recursos. Portanto, entendo que será muito importante a definição das conclusões que saírem dali que também irão condicionar o próprio processo legislativo ou, pelo menos, serão tidas em conta no próprio processo legislativo.