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Arquivo DN

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Eanes, o Presidente do 25 de Novembro

Eanes foi um enigma, foi o militar de cara fechada, foi o "Presidente de todos os portugueses", foi o inimigo de Soares e Sá Carneiro. Tudo visto e revisto, o país deve-lhe muito. Ensaio de Rui Ramos.

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Há quarenta e dois anos, acabou em Lisboa o poder da chamada “esquerda militar” que, ligada ao PCP e à extrema-esquerda, protagonizou em Portugal, em 1975, a última revolução socialista da Europa. Mas o confronto do 25 de Novembro, vencido pelos “moderados” do Movimento das Forças Armadas, não significou só isso. O 25 de Novembro definiu o regime democrático durante os anos seguintes e, acima de tudo, fez emergir aquele que viria a ser o primeiro Presidente da República democraticamente eleito e o último presidente do Conselho da Revolução.

Um enigma

O general António Ramalho Eanes é talvez a figura mais enigmática da nossa história recente. Como é que um jovem tenente-coronel (tinha 41 anos) de quem muito pouca gente ouvira falar no Verão de 1975, se converteu no candidato dos maiores partidos à Presidência da República em 1976? Como é que um candidato apoiado pelo PS, pelo PSD e pelo CDS contra o PCP, foi, nos anos seguintes, veementemente contestado pelos líderes do PS, do PSD e do CDS, e quase só acatado pelo PCP? Como é que um Presidente da República que afirmou ter um projecto de sociedade igual ao do PSD e do CDS, se converteu na última grande esperança de Álvaro Cunhal para aumentar a influência política do PCP? Muito disto tem a ver com o 25 de Novembro e com o papel de Eanes nesse momento.

O pacto de transição democrática em Portugal

A 25 de Novembro de 1975, as várias facções político-militares que então disputavam o poder em Portugal procuravam sobretudo alterar a correlação de forças. Tal como no caso do confronto de 11 de Março, ninguém quis admitir a iniciativa e todos clamaram estar apenas a defender-se. Houve dramas nas ruas, como durante o cerco dos comandos à Polícia Militar a 26 de Novembro, mas tudo o que foi verdadeiramente importante decorreu de facto nos corredores e gabinetes de palácios e quartéis, em reuniões ou ao telefone. Ninguém alguma vez contou tudo o que se passou, porque de facto ninguém estava a par de tudo o que se passava. Quarenta anos depois, as teorias da conspiração persistem. Tanto no 11 de Março como no 25 de Novembro, os vencidos viram-se arrumados como “contra-revolucionários” e “inimigos do 25 de Abril”. No 11 de Março, os derrotados tinham sido os chamados “spinolistas”, próximos do PS e do PPD; no 25 de Novembro, foram os oficiais da “esquerda militar” (segundo a designação de Álvaro Cunhal), alinhados com o PCP e a extrema-esquerda.

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No dia 25 de Novembro, Eanes dirigiu as operações em Lisboa contra a “esquerda militar”, a partir do quartel dos Comandos na Amadora. O risco era grande. Ninguém, ao princípio, tinha demasiada certeza sobre de que lado estaria o Presidente da República, o general Costa Gomes. A “esquerda militar”, com os seus paraquedistas, fuzileiros e restantes unidades do Comando Operacional do Continente (COPCON), parecia dispor mesmo de força, para além da que lhe poderia dar, na rua, o PCP e a extrema-esquerda.

Mesmo quando Costa Gomes tomou o partido dos “moderados”, ou quando Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante do COPCON, se entregou no Palácio de Belém, ou ainda quando Álvaro Cunhal, finalmente, decidiu não continuar a medir forças — mesmo nesse momento, muito poderia ter corrido mal. Depois de mais de um ano de revolução, havia em todos os lados demasiada gente armada. Teria bastado uma unidade militar ou umas centenas de militantes decidirem resistir até ao fim, para que a vitória dos “moderados” tivesse sido manchada de sangue. Os vencedores do 25 de Novembro evitaram baixas, e foi essa, talvez, a sua maior vitória: ninguém, depois, pôde deslegitimar o seu triunfo como tendo sido obtido à custa de uma tragédia. Em vez disso, foi como que uma passagem de poder razoavelmente ordeira.

Os portugueses aprenderam-lhe o nome nos dias seguintes ao 25 de Novembro, quando o viram de camuflado, óculos escuros e uma cara fechada, em que um sorriso parecia sempre esforçado. Ficaria como a sua imagem de marca.

A relutância em combater não tinha apenas a ver com qualquer humanismo, mas também com a dependência em que os oficiais do Movimento das Forças Armadas e os vários partidos políticos estavam uns dos outros, mesmo quando se dividiam e confrontavam. Toda a gente queria mandar no Estado e impor a sua visão do mundo, e estava para isso disposta a perseguir e a prender. Mas pouca gente queria arriscar uma guerra civil. O PCP sabia que estava num país da NATO, onde não podia contar com a ajuda soviética para ocupar um país que, no Verão de 1975, se mostrara, a norte, violentamente anti-comunista. Os “moderados” sabiam que uma repressão efectiva do PCP implicaria um autoritarismo em que seriam talvez ultrapassados pelos mais conservadores. Não se podiam, portanto, dispensar totalmente uns aos outros. Por isso, em Dezembro de 1975, o PCP foi condenado por todos como “golpista”, mas permaneceu no VI Governo Provisório.

Eanes correspondia bem à conveniência de estabelecer contactos entre correntes diferentes e até opostas. No 25 de Novembro, fez a ponte entre os “moderados”, basicamente os oficiais do “Grupo dos Nove” (os nove membros do Conselho da Revolução que no Verão de 1975 haviam contestado o governo de Vasco Gonçalves), então à volta de Costa Gomes, e a chamada “direita militar”, em que cabiam os spinolistas e a maioria da oficialidade conservadora. Mas era também amigo pessoal de Otelo Saraiva de Carvalho, o comandante do COPCON.

Os portugueses aprenderam-lhe o nome nos dias seguintes ao 25 de Novembro, quando o viram de camuflado, óculos escuros e uma cara fechada, em que um sorriso parecia sempre esforçado. Ficaria como a sua imagem de marca. Graduado em general e nomeado chefe do Estado-Maior do Exército, Eanes dirigiu, nos meses seguintes, o desmantelamento do militarismo revolucionário do PREC. Com Eanes desapareceu o exército dos plenários, das moções, das arengas inflamadas, das votações de braço no ar, das barbas e cabelos compridos. Foi Eanes quem libertou o país dos bandos fardados que mandavam em tudo no Verão de 1975. Satisfez desse modo a primeira condição para a reconstituição de um Estado de Direito e para uma real evolução democrática em Portugal.

As razões pela qual foi escolhido para candidato a Presidente da República foram exactamente as mesmas pelas quais foi incumbido do comando operacional a 25 de Novembro. Era um homem-charneira, capaz de falar com gente variada. Era também um militar sem as insondáveis habilidades de Costa Gomes, nem os fumos bonapartistas de Spínola, ou a irresponsabilidade dos jovens oficiais revolucionários de 1975. Era ainda um homem disciplinado, de vida regular e sóbria, em quem se podia confiar para manter a dignidade condizente com a função presidencial. Em 1976, segundo um testemunho no recente livro de Isabel Tavares (Ramalho Eanes, o Último General), retirava do ordenado de chefe do Estado-Maior do Exército, para seu uso pessoal, apenas o equivalente ao ordenado de tenente-coronel, e guardava o resto num envelope para pagar despesas oficiais.

Eanes era um homem disciplinado, de vida regular e sóbria, em quem se podia confiar para manter a dignidade condizente com a função presidencial

Arquivo T&Q

Pareceu assim o personagem mais adequado para continuar os equilíbrios políticos atingidos depois do 25 de Novembro. Porque o 25 de Novembro representou um grande compromisso, uma espécie de pacto de transição democrática. É sabido que a Espanha transitou para a democracia através de um pacto entre os franquistas e os seus opositores, e contrasta-se geralmente esse processo com a democratização em Portugal. Em Portugal, a democracia teria chegado através de uma revolução, em ruptura com a ditadura salazarista. Mas a democracia portuguesa não se constituiu apenas em ruptura com o salazarismo. Constituiu-se também contra a situação revolucionária criada em 1974-1975. Ora, a saída dessa situação revolucionaria em Portugal consistiu também num pacto de transição, entre aqueles que queriam um regime de tipo europeu ocidental, e aqueles que, em 1975, haviam tentado iniciar o caminho para uma ditadura de tipo soviético.

Em Espanha, o pacto de transição de 1977-1978 manteve, durante décadas, as heranças e os símbolos do franquismo; em Portugal, o pacto de transição do 25 de Novembro manteve a herança e os símbolos do revolucionarismo, a começar pela Constituição da República na sua versão de Abril de 1976. A constituição garantia a democracia, mas ainda limitada por um poder militar revolucionário; e admitia a iniciativa privada, mas condicionada pela estatização de áreas fundamentais da economia. Era um regime esquizofrénico, em que por um lado se preparava a adesão à CEE (desde 1977), e por outro lado ainda se discutia seriamente, de acordo com a Constituição, a “socialização” da economia. É no contexto deste regime – a que Sá Carneiro chamaria a “semi-democracia” – que a presidência de Eanes tem de ser compreendida.

O Presidente de todos os portugueses

Eanes foi eleito Presidente da República em Julho de 1976, com 62% dos votos. Em segundo lugar, Otelo Saraiva de Carvalho teve 16%. Em público, a extrema-esquerda fingia inquietar-se muito com o general “fascista”. A campanha eleitoral ainda tinha passado por momentos dramáticos, como o tiroteio que recebeu Eanes em Évora, então dominada pelo PCP. Numa atitude caracteristicamente temerária, Eanes subiu imediatamente para cima do tejadilho do carro, impassível e desafiador.

Eanes apresentou-se como o Presidente de todos os portugueses

Em Novembro de 1976, Eanes patrocinou o Relatório da Comissão de Averiguação de Violências sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares. O prefácio, da responsabilidade da Presidência da República, é a mais violenta condenação oficial do PREC de 1975 e do seu “Estado de não-direito”. O PCP e a extrema-esquerda reagiram em choque. Mas Eanes era também o Presidente que fazia questão de mencionar o “socialismo” como máximo objectivo nacional. Era o Presidente que despertava esperanças em políticos persuadidos pela onda de “liberalização” que então começava a sentir-se no mundo ocidental, e que inspiraria as vitórias de Thatcher no Reino Unido (1979) e de Reagan nos EUA (1980), mas que ouvia também o coronel Melo Antunes, conselheiro da revolução com muita simpatia pelo militarismo progressista do Terceiro Mundo. Era o Presidente que impedia a reconstituição do MFA, mas também o Presidente que mantinha a relevância do Conselho da Revolução como verdadeiro tribunal constitucional.

Eanes não se conservou apenas fiel ao compromisso ideológico do 25 de Novembro, mas também ao seu compromisso institucional, consubstanciado no desempenho da Presidência da República por um chefe militar, então também Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Provavelmente, nenhum Presidente da República desde Sidónio Pais acumulou tanto poder como Eanes. Era ao mesmo tempo chefe de Estado, chefe efectivo das Forças Armadas e presidente do último órgão de soberania deixado pelo MFA, o Conselho da Revolução. Como Presidente, podia demitir e nomear governos e dissolver a Assembleia da República. Como presidente do Conselho da Revolução, podia vetar as leis aprovadas na Assembleia da República. Para alguns militares, o presidencialismo militar foi uma maneira de preservarem um destaque político a que se haviam habituado depois do 25 de Abril de 1974. Mas atraiu também muitos dos membros da nova classe política democrática.

Portugal viveu, depois de 1976, um tempo de ressaca: ressaca da revolução, mas também ressaca de um crescimento económico que perdera, desde 1974, o fulgor que tivera nos anos anteriores. Esta foi a época da maior inflação na Europa ocidental desde os anos 20, com uma crise do petróleo pelo meio. Em Portugal, a economia havia sido desestruturada pela revolução, a população aumentara com os retornados, e os desequilíbrios recorrentes impuseram duas intervenções do FMI, em 1978 e em 1983. A entrada na CEE ameaçava nunca mais passar de uma longa espera. O esquerdismo, em agonia, era então uma fonte de terrorismo (“luta armada”) — em Portugal através das FP-25. Ainda ninguém tinha a certeza de que a democracia pudesse durar.

Atreito, em privado, a um humor por vezes desconcertante, adoptou quase sempre, em público, um tom “moral”, com um sotaque que o ligava ao “Portugal profundo”. A classe política lisboeta foi por vezes tentada a escarnecer esse estilo.

Por tudo isto, havia muitos políticos disponíveis para admitir que uma acção política eficaz, fosse qual fosse o seu sentido, dependia de uma chefia como a que Eanes encarnava: militar, honesta, patriota. O sistema eleitoral tinha sido feito para dificultar maiorias absolutas de um só partido e as relações entre os partidos não auguravam alianças estáveis. O Presidente, de cuja confiança política dependia o governo, surgiu como o natural propiciador de acordos. Nunca faltaram, por isso, candidatos a educadores do príncipe. Eanes ouviu muita gente, estudou. Com tantos políticos a precisar dele, é natural que quase se tivesse convencido de que ele não precisava deles. Acabou mesmo, entre 1978 e 1979, por promover directamente a formação de governos: os célebres “governos de iniciativa presidencial”. Por vezes, deixou-se fascinar pela política como uma técnica de combinar e de repartir.

Atreito, em privado, a um humor por vezes desconcertante, adoptou quase sempre, em público, um tom “moral”, com um sotaque que o ligava ao “Portugal profundo” (Miguel Torga, o poeta “telúrico”, era uma das suas favoritas fontes de citações). A classe política lisboeta foi por vezes tentada a escarnecer esse estilo elevado e as suas origens provincianas. Mas Eanes, filho de um construtor civil da Beira interior, apenas representava, a esse respeito, a experiência de muitos portugueses que nos anos 50 e 60 chegaram pela primeira vez às cidades e aos liceus. No Palácio de Belém, manteve-se como um inquilino honesto, fazendo questão de pagar as contas. Recusou-se a receber aumentos de ordenado.

Para escapar a categorizações, Eanes insistiu em definir-se como “o Presidente de todos os portugueses”, numa reminiscência talvez inconsciente da aspiração do rei D. Manuel II, entre 1908 e 1910, de ser “o rei de todos os portugueses”, incluindo dos seus inimigos republicanos. Eanes foi de facto o Presidente de todos os portugueses, até pelo modo como quase toda a gente, em diferentes momentos e por razões diferentes, acabou por ser eanista ou ter acessos de eanismo. Se é talvez possível definir Eanes, não é tão fácil definir o “eanismo”. O Presidente suscitou as esperanças de todos: em 1976, o PS, no governo, pensou que teria nele o seu Carmona; em 1978, o PSD e o CDS, na oposição, esperaram que o Presidente patrocinasse uma “convergência democrática” que os levasse para o governo e lhes permitisse reverter o legado da revolução comunizante; em 1980, a esquerda, incluindo o PCP, viu-o como o último baluarte para resistir à vaga liberalizadora da Aliança Democrática, que em Dezembro de 1980 confrontou Eanes com outro general, Soares Carneiro (Eanes ganhou, com 56% dos votos, contra 40% para Soares Carneiro).

Eanes teria um efeito efeito divisivo no PS. Em 1980, Mário Soares recusou-se a apoiar a sua recandidatura e viu-se por isso forçado a suspender a sua liderança do PS

Nada era simples, como se pode constatar pela acidentada vida de um dos governos de iniciativa presidencial, o de Carlos Mota Pinto, em 1978-1979. Mota Pinto apresentou talvez o mais radical programa de reformas até então. O PCP encarou-o como a maior ameaça da “reacção” desde 1974. Mas Mota Pinto tinha sido um antigo militante do PPD, donde saíra em divergência com Sá Carneiro. A sua escolha pareceu por isso a Sá Carneiro uma manobra malévola para desestruturar o PSD. E a atitude perante o governo de Mota Pinto inspirou, de facto, a maior cisão de sempre de um partido político em Portugal, quando, em Abril de 1979, quase metade da bancada parlamentar do PSD abandonou o partido.

Eanes teria o mesmo efeito divisivo no PS. Em 1980, Mário Soares recusou-se a apoiar a sua recandidatura e viu-se por isso forçado a suspender a sua liderança do PS. De facto, Eanes esteve quase sempre em tensão e em conflito com os líderes do PS e do PSD, e portanto com todos os chefes de governo partidários durante a sua presidência (Soares em 1976-1978 e em 1983-1985, Sá Carneiro em 1980 e Francisco Pinto Balsemão em 1981-1983). Eanes acabou assim por servir de polo de consenso, mas contra ele próprio. Em 1982, os líderes dos grandes partidos entenderam-se finalmente numa revisão constitucional feita para diminuir os poderes presidenciais. Os governos passaram desde então a ser independentes da confiança política do Presidente. Em 1985, o rancor dos líderes partidários a Eanes era ainda suficientemente grande para o Presidente não ter sido convidado para a cerimónia pública da assinatura do tratado de adesão à CEE, a 12 de Junho.

O “eanismo” foi muitas coisas opostas em diferentes momentos. Em nenhum momento predominou a clareza. Em entrevista para o livro de Isabel Tavares, João Botequilho recordou como a Comissão de apoio à recandidatura de Eanes, em 1980, era “uma desorientação cheia de opiniões”. A última encarnação do eanismo esteve no Partido Renovador Democrático, que Eanes patrocinou no seu último ano de mandato presidencial, inicialmente através das intervenções públicas da sua mulher, Manuela Eanes. Entre 1985 e 1987, o PRD ilustrou bem o carácter paradoxal do eanismo. A ideia do “partido presidencial” era muito antiga. Os que aconselhavam a projecção partidária do Presidente argumentavam que tal como um partido, antes de 1982, tinha precisado do Presidente da República para governar, o Presidente da República, depois de 1982, precisava de um partido para ter influência.

Eanes foi um dos protagonistas da nossa história a quem o país mais deve, a começar pelo mais básico de tudo numa democracia: a paz e a legalidade. Na presidência, mesmo nos momentos mais tortuosos, nunca perdeu de vista essa prioridade.

O PRD apareceu como um partido decididamente moralista e provinciano. Mas este movimento de revolta ética contra os “políticos” enveredou desde cedo pelo manobrismo equívoco de que acusava a elite partidária estabelecida. Apelou sobretudo, até pelas origens de alguns dos seus dirigentes, aos eleitores do PS, cuja votação reduziu a metade nas eleições legislativas de 1985 (o PS desceu de 36% para 20% dos votos, e o PRD obteve 18% dos votos e 45 deputados). Permitiu assim a vitória de Cavaco Silva, apesar de um dos piores resultados do PSD (29%).

O impacto contraditório do eanismo não ficou por aí. Em 1985, houve no PRD quem estivesse tentado a entrar no governo com o PSD. Mas, em 1987, o PRD propôs-se formar uma nova maioria com o PS e o PCP, e substituir o PSD no governo, apesar de Cavaco Silva ter sido o único chefe de governo partidário com quem Eanes, enquanto Presidente, se dera bem. Álvaro Cunhal encarou então o eanismo como a via para fazer regressar o PCP à área do poder. Em 1986, aliás, já tinham partilhado um candidato presidencial, Salgado Zenha. Tal como dessa vez, nada correu bem. A “geringonça” entre PS, PRD e PCP inspirou a máxima repugnância ao Presidente Mário Soares, para quem Eanes era ainda o inimigo principal. Soares dissolveu a Assembleia da República e deu a Cavaco Silva a oportunidade de obter uma maioria absoluta. Anos depois, em 1995, já acabado o eanismo, Eanes apoiaria a candidatura presidencial de Cavaco Silva, tal como em 2006 e em 2011. Mas, em 2016, prefere Sampaio da Nóvoa.

O presidente de Novembro

Eanes foi muitas coisas. Foi o último de uma linhagem de Presidentes militares que vinha desde a eleição do general Carmona em 1928. Foi também, com apenas 41 anos ao começar o primeiro mandato, o mais jovem Presidente da República de sempre. Foi o Presidente da transição democrática em Portugal. Mas foi, acima de tudo, um dos protagonistas da nossa história a quem o país mais deve, a começar pelo mais básico de tudo numa democracia: a paz e a legalidade. Na presidência, mesmo nos momentos mais tortuosos, nunca perdeu de vista essa prioridade. No fundo, foi sempre o comandante do 25 de Novembro.

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