Grab them by the pussy” é a expressão que pode marcar a história da corrida à Casa Branca. A frase utilizada por Donald Trump em 2005 – e que serviu para descrever a forma como o magnata gosta de lidar com as mulheres bonitas, “agarrando-as pela ***” – levou o candidato a vice-presidente de Donald Trump a dizer: “Não perdoo os seus comentários e não posso defendê-los”. Mike Pence é claro: “Como marido e pai, senti-me ofendido pelas palavras e atos descritos por Donald Trump no vídeo de 11 anos divulgado ontem.” Pence continua, por agora, a apoiar Donald Trump, ou pelo menos a não mostrar publicamente — como fizeram muitos outros republicanos — que quer que ele desista.

“Fico agradado pelo facto de ele ter expressado remorso e ter pedido desculpas ao povo americano”, escreveu ainda.

Mas Mike Pence deu outros sinais de que as coisas não estão assim tão esclarecidas e apaziguadas. O governador do Indiana era esperado num evento este sábado, no Wisconsin, ao lado de Paul Ryan. O speaker da Câmara dos Representantes, o mais alto cargo político dos Estados Unidos, ia participar este sábado num comício ao lado de Donald Trump. Mas a divulgação do vídeo de 2005 com as palavras do candidato republicano levaram Ryan a desconvidar Trump. O magnata disse então que seria Mike Pence a ir no seu lugar. Mas não foi. O candidato a vice-presidente pelos republicanos decidiu cancelar a ação de campanha.

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Uma fonte próxima de Mike Pence, citada pelo Politico, afirma que o governador está de pedra e cal na corrida e que deixa nas mãos de Trump, no debate marcado para a madrugada de domingo (2h00 hora portuguesa), a defesa das suas palavras. Diz a mesma fonte que Pence falou ao telefone com Trump mais do que uma vez, depois de se ter recusado a participar na ação de campanha no Wisconsin. Foram conversas cordiais, referiu a fonte.

Uma das pergunta que todos fazem é como vai conseguir Mike Pence, um homem profundamente religioso, lidar com este tipo de afirmações feitas pelo “seu” candidato. No comunicado libertado esta tarde, Pence escreve ainda: “Rezamos pela sua família e ansiamos pela oportunidade que ele terá para mostrar o que vai no seu coração, quando se apresentar perante o país amanhã à noite”.

Uma avalanche de republicanos pede que Trump saia

A lista já é bastante longa e os nomes são sonantes. Ao final da tarde deste sábado já se contavam mais de vinte republicanos que apoiavam a candidatura de Trump e que vieram pedir que o magnata se retire. Um a um, vários republicanos foram manifestando o seu desagrado com as palavras de Donald Trump agora divulgadas. E querem que ele abandone a corrida à Casa Branca, dando lugar a Mike Pence.

O ex-candidato à Casa Branca e senador John McCain é um dos que já veio retirar oficialmente o apoio a Donald Trump. “Eu queria apoiar o candidato que o nosso partido elegeu, mas o comportamento de Donald Trump esta semana, que terminou com os comentários humilhantes que teceu sobre as mulheres e as suas declarações de agressões sexuais, tornaram impossível continuar a oferecer apoio condicional à sua candidatura”, afirmou McCain, citado pelo The New York Times.

Mas não foi o único. Além de McCain foram vários os republicanos que manifestaram publicamente que retiravam o apoio a Donald Trump. E que pediram para que se afaste.

Kelly Ayotte, senadora do New Hampshire:

Carly Fiorina, que concorreu nas primárias do Partido Republicano, diz que pediu a Trump para dar lugar a Mike Pence:

Martha Roby, congressista eleita pelo Alabama:

A lista continua a engrossar. O senador do Nevada, Joe Heck e o congressista Cresent Hardy pedem para Trump abandonar. Também no Twitter, o senador republicano Mike Crapo manifestou opinião semelhante: “Não nos equivoquemos. Precisamos de uma liderança na Casa Branca. Peço a Donald Trump que se retire de forma a permitir ao Partido Republicano avançar com um candidato conservador como Mike Pence, que pode derrotar Hillary Clinton”. Pedidos semelhantes foram feitos por Mike Lee, senador pelo Utah, e por Mark Kirk, do Illinois.

E mesmo os que não pediram a saída imediata de Trump, escreveram duras palavras contra o candidato. “Estou enojado pelo que ouvi hoje. As mulheres devem ser defendidas e admiradas, não objetificadas. Espero que o senhor Trump trate desta situação com a seriedade que ela merece que que trabalhe para demonstrar ao país que ele respeita mais as mulheres do que aquela gravação sugere”, disse Paul Ryan.

As críticas não vêm exclusivamente de opositores a Trump. Reince Priebus, presidente do Comité Nacional Republicano e a primeira figura de relevo dentro da estrutura do partido a abrir os braços a Donald Trump, afirmou: “Nenhuma mulher deve ser descrita naqueles termos ou ser referida daquela maneira. Nunca.”.

A palavra que pode tirar Trump da corrida

Mas pode ser de facto possível que Trump saia da corrida a exatamente um mês das eleições para a Casa Branca? O New York Times explica que há uma palavrinha nos estatutos do Partido Republicano que pode fazer a diferença. E essa palavra é “otherwise”. Dizem o seguinte, as regras do partido: “The Republican National Committee is hereby authorized and empowered to fill any and all vacancies which may occur by reason of death, declination, or otherwise of the Republican candidate for President of the United States”.

Mais do que a tradução à letra, importa perceber que, à partida, só em caso de morte ou de incapacitação é que Trump podia ser substituído. Mas alguns especialistas, ouvidos pelo New York Times, dizem que pode haver uma brecha que permite aos republicanos substituir Donald Trump. Um deles é Josh Putnam, cientista político, que defende que o uso da palavra “otherwise” naquela frase, foi feita com a “intenção de permitir ao partido ter alguma latitude para substituir alguém que não estivesse incapacitado, ou morto, ou que saísse pelo seu próprio pé”.

Já o advogado e conservador Jim Bopp, ouvido pelo The Guardian, acha que tudo está blindado. “O partido apenas tem autoridade de preencher um lugar que fique vago, só aí poderia ser escolhido outro nome”, explicou.

Se Trump sair por sua vontade — e ele disse que as hipóteses de isso acontecer são “zero” — os republicanos têm de, em tempo recorde, escolher um outro candidato. Haverá uma votação entre os 168 membros do comité e depois o escolhido teria de alcançar os mesmos 1237 delegados que Trump obteve na convenção para avançar. No Twitter, Donald Trump escreveu que “nunca vai sair da corrida”. “Não vou desiludir os meus apoiantes”, acrescentou.

Mas não são apenas os prazos que são muito, muito apertados. Há ainda outro problema. É que os americanos já começaram a votar. Nos Estados Unidos dá-se a possibilidade de se votar antes do dia marcado para as eleições. Varia de Estado para Estado, mas o chamado early vote, uma forma de combater o abstencionismo, pode acontecer até 50 dias antes da data marcada, neste caso o dia 8 de novembro.

Não é preciso nenhuma justificação para o fazer. Basta ir, como fez, aliás, Barack Obama:

O pedido de desculpas que, aparentemente, não vai chegar

Foi de tal maneira gigantesca a chuva de críticas, que Trump fez algo que raramente faz: pediu desculpas e assumiu que não foi bonito o seu comportamento. O candidato presidencial apareceu rapidamente na televisão a tentar conter os danos. “Toda a gente que me conhece sabe que estas palavras não refletem aquilo que sou. Eu disse aquilo. Estava errado. Peço desculpa”.

https://www.youtube.com/watch?v=C-Rr7CO59HY&feature=youtu.be

“Eu nunca disse que sou uma pessoa perfeita, nem finjo ser alguém que não sou. Já disse e fiz coisas das quais me arrependo e as palavras hoje divulgadas, que dizem respeito a um vídeo feito há mais de uma década, são algo de que me arrependo”.

Mas Trump não quis apenas defender-se e decidiu contra-atacar, virando as atenções para as desventuras de Bill Clinton enquanto este estava na Casa Branca. “Já disse coisas muito idiotas, mas há uma grande diferença entre palavras e ações. Bill Clinton abusou, efetivamente, de mulheres e a mulher dele, Hillary, ameaçou, intimidou e envergonhou as suas vítimas [de Bill]”, afirmou Donald Trump, acrescentando que “Bill Clinton disse coisas bem piores no campo de golfe”.

Ao Wall Street Journal, Trump disse que “há zero chances” de sair da corrida. “Eu nunca, nunca desisto”, afirmou o candidato, que adianta ainda: “O apoio que estou a receber é inacreditável”. Trump considera que “as pessoas entendem” este género de comentários, porque “entendem [como é] a vida”.

O magnata esclarece ainda que tem o apoio total da mulher e da filha. “Elas compreendem perfeitamente e são-me leais.” E remata: “Vão ouvir atrás das portas dos ‘santos’ políticos e intelectuais e ouçam o que eles dizem. Pareço um bebé [ao pé deles].”

Melania Trump quebrou o silêncio em que esteve desde que a comunicação social começou a divulgar o vídeo no qual Donald Trump faz comentários sexistas e revela como trata as mulheres. A mulher do candidato republicano diz que “as palavras que o marido utilizou são inaceitáveis e ofensivas”, mas apela a que o perdoem.

“Isto não representa o homem que eu conheço. Ele tem o coração e a mente de um líder. Espero que as pessoas aceitem o seu pedido de desculpas, tal como eu fiz, e se foquem nos assuntos importantes da nossa nação e do mundo”, afirmou Melania Trump, num comunicado enviado às redações e que é citado na imprensa internacional.

Mas se a mulher de Trump o apoia, o mesmo não está a acontecer com as mulheres do Partido Republicano. Brancas, casadas, conservadoras, estão a “renegar” Trump em catadupa. E se Hillary Clinton já conseguia entrar no eleitorado feminino pelo simples facto de poder vir a ser a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da nação, com estas declarações Trump parece estar mesmo em maus lençóis junto das mulheres.

Por outro lado, há quem não arrede pé no apoio ao magnata nova-iorquino. Este sábado, à porta da Trump Tower, em Manhattan, dezenas de apoiantes gritavam por Trump. E ele veio à porta agradecer:

Vai ser um longo domingo para Donald Trump. O segundo debate com Hillary Clinton está marcado para as duas da manhã, hora portuguesa, e o magnata, que já saiu mal do primeiro frente-a-frente — Trump desceu nas sondagens — vai estar debaixo de fogo.