Há dois modos de opinião que correspondem às duas formas clássicas de psicose. A primeira manifesta-se naqueles para quem tudo é relativo; a segunda manifesta-se naqueles para quem tudo está ligado. É verdade que nem todas as opiniões correspondem a formas clássicas de psicose. No entanto nas opiniões manifestadas em público existe uma sobre-representação surpreendente da classe psicótica; é raro encontrar em público alguém que não ache ou que tudo é relativo, ou que tudo esteja ligado. Há casos estudados em que a mesma pessoa acha as duas coisas.
Esta intuição foi confirmada com a descoberta do padrão conhecido como a curva de Canstatt. A curva pode sucintamente ser descrita do seguinte modo: dos desenhos animados ao pôr do sol a programação de qualquer estação de televisão generalista é conduzida por esquizofrénicos; entre a hora do jantar e a hora de ir para a cama, por paranóicos; na ficção tardia de feição salaz e nas televendas, de novo por esquizofrénicos.
Às partes esquizofrénicas da curva de Canstatt correspondem aliás genericamente a ficção e as televendas. São aí ilustradas ideias como: uma proposição verdadeira para um esquilo pode ser uma proposição falsa para um rato; o que importa é no fundo o que sentimos; limpar umas cortinas é diferente de limpar uma colcha. A relação entre as minhas razões e as dos outros é como a relação entre dois programas de televisão consecutivos, duas espécies animais, ou umas cortinas e uma colcha: nada é igual, muito é compatível, tudo é relativo.
Ao anoitecer, porém, levanta vôo a ave da paranóia. O bicho é conhecido imprecisamente por informação. De facto, para quem acha que tudo está ligado não existe diferença nítida entre o que aconteceu e a sua opinião sobre o que aconteceu; entre o que aconteceu aqui e o que aconteceu ali; e entre tudo e desporto. Não admira por isso que durante a secção paranóica da curva de Canstatt um conjunto muito pequeno de pessoas, sempre as mesmas, se zangue com o que aconteceu, explique o que realmente aconteceu, ache o que lhe aconteceu a si aconteceu realmente, e fale sobre desporto.
O fenómeno é tão ubíquo que a alguns parece que o planeta foi tomado por homens da Renascença: por pessoas que são consciências morais durante o dia, observadores participantes à hora do jantar, comentadores desportivos à ceia, e filósofos pela noite dentro. A ideia é assustadora mas felizmente falsa. Na secção paranóica da curva de Canstatt encontramos pessoas quase iguais a nós: pessoas que dizem sempre o mesmo tipo de coisas. O que as distingue de nós é apenas a sua teoria filosófica. A teoria filosófica é: um bater de asas no Mediterrâneo pode causar um maremoto no mundo do futebol português.