Considero fantástica a forma como a Magna Carta tem inspirado o debate em Portugal durante este ano de 2015. Desde as Conferências do Estoril, organizadas pelo Prof. João Carlos Espada, ao debate promovido pelo Observador em Janeiro – e aqui agradeço em particular ao David Dinis -, 2015 foi um ano realmente notável quanto a iniciativas para celebrar os 800 anos do legado da Magna Carta, em Portugal – o nosso mais antigo aliado.

De 7 a 12 de Dezembro na Torre do Tombo em Lisboa haverá uma exposição sobre este tema, onde estará patente ao público a Magna Carta da Catedral de Hereford (um dos únicos quatro originais remanescentes da Magna Carta de 1217 e a primeira versão a ser chamada de Magna Carta ou de Grande Carta) e o único exemplar remanescente do Decreto do Rei João de 1215 a comunicar a promulgação da Magna Carta. Será assim concluida em Portugal a digressão mundial da Magna Carta organizada para comemorar os seus 800 anos.

Têm-me perguntado a razão de Portugal ter sido um dos países escolhidos para esta digressão. Na verdade, tendo em consideração a nossa histórica Aliança Luso Britânica, entendemos que seria uma excelente forma de comemorar e reforçar esta relação que perdura há séculos e que, estou certa, continuará por muitos mais. Fico extremamente satisfeita por termos conseguido a colaboração do Arquivo Nacional da Torre do Tombo para podermos expôr a Magna Carta, lado a lado com o Tratado de Windsor, que estará também patente ao público durante este periodo. Este acordo diplomático de defesa mútua e de comércio entre Portugal e Inglaterra, assinado em 1386, é o mais antigo tratado diplomático bilateral em vigor no mundo e o alicerce principal da nossa antiga aliança.

Apesar das diferenças entre os nossos sistemas jurídicos – o britânico, baseado na Magna Carta, um sistema de direito comum; e o português baseado no direito civil francês (por sua vez baseado no direito romano) – partilhamos uma das mais longas alianças da história, que remonta quase ao tempo da primeira Magna Carta. E como demonstram os vários outros documentos que estarão também em exposição, Portugal partilhava objectivos semelhantes em termos de reforma administrativa, em particular desde o reinado de D. Afonso II.

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A primeira Magna Carta foi selada a 15 de Junho de 1215 pelo Rei João em Runnymede. O Rei João e os barões encontraram-se neste local para porem termo a um período de guerra civil. O texto foi renegociado em quatro ocasiões na década seguinte e apenas três cláusulas restam da versão original.

Então porque continua a Magna Carta a relevante nos dias de hoje?

Em primeiro lugar, por causa do seu conteúdo. A Magna Carta é vista como a primeira declaração geral de direitos, graças a uma das três cláusulas que permanecem, a chamada “Golden Passage”:
“Garante-se que nenhum homem livre deva ser capturado, preso, privado dos seus direitos ou bens, proscrito, exilado ou privado da sua posição por qualquer forma ou maneira, senão por sentença legítima dos seus pares ou pela lei do país. A ninguém deverá ser negado o acesso a uma justiça célere.”

Os barões em Runnymede estavam preocupados apenas com os seus próprios direitos, não com os direitos do cidadão comum. Mas estas palavras estabeleceram um princípio fundamental: o de que ninguém estava acima da lei, nem mesmo o rei. Algumas clásulas da Magna Carta continuam a fazer parte da legislação britânica e são ainda hoje citadas em processos judiciais. Deram origem às liberdades e aos direitos individuais, ao processo equitativo, ao primado do direito – e continuam a ser relevantes hoje.

Em segundo lugar, porque a Carta Magna é um ícone. É o documento mais importante do direito comum. Tem sido, desde sempre, invocada como símbolo de direitos humanos e democracia. É talvez o mais poderoso símbolo do primado do direito.

O primado do direito protege-nos do exercício arbitrário do poder e garante a confiança nas decisões tomadas pelo poder judiciário ou pelo sistema jurídico. Gera confiança no ambiente de negócios. O comércio prospera com a consolidação deste primado.

Estamos muito gratos à Catedral de Hereford – depositária desta Magna Carta há 798 anos -, à Torre do Tombo pelo seu envolvimento entusiástico, e ainda à British Airways, por tornarem esta exposição uma realidade.

Espero que muitos portugueses – e não só – tenham a possibilidade de visitar esta exposição pública e gratuita, de ver em primeira mão estes documentos históricos e de perceber o porquê da sua influência ter resistido ao passar dos séculos.

Embaixadora Britânica em Portugal