Dilma Roussef nunca foi uma Presidente inspirada nem inspiradora. Nunca possuiu aquilo a que chamam “carisma” e isso facilitou, entre muitos outros factores, a forma expedita como o Congresso brasileiro (deputados e senadores) organizou a sua destituição depois de ela ter já caído muito nas sondagens. Dito isso, as suas presidências sem rasgo devem-se, fundamentalmente, aos sucessivos cálculos errados do antigo Presidente Lula. Foi ele quem chamou Dilma, que só aderira ao PT em 2001, primeiro para ministra da Energia — com a presidência da Petrobrás! — e, depois, para substituir José Dirceu na Casa Civil como “primeira-ministra”, em 2005, por causa do vergonhoso escândalo do Mensalão com o qual se consumara a conversão da esquerda populista à corrupção inerente ao sistema da “presidência de coalisão”.

Aí terá começado o erro maior de Lula, que foi o de colocar Dilma na presidência em 2010, sem outra razão conhecida que não fosse para Lula retomar a presidência quatro anos mais tarde. O mapa das presidenciais de 2014, como mostrei na altura, espelha a divisão do país, praticamente a meio, entre o populismo estatista e os seus adversários. A necessidade de gigantescas “pedaladas fiscais” em que Dilma se encontrou para fazer frente às manifestações maciças de 2013 contra o governo e para garantir a sua reeleição abriram caminho, por sua vez, ao desmoronamento do edifício estatal populista, dando azo ao colapso económico e, por fim, à destituição da Presidente, a fim de recompor a base partidária da “coalisão” presidencial, à qual o antigo vice irá presidir segundo a Constituição. A “presidência de coalisão” não é mais do que o resultado do sistema político-eleitoral e do voto proporcional, ambos legítimos, mas que, numa sociedade como a brasileira, levou à pulverização da representação partidária, o que faz aliás com que o grande PT nunca tenha atingido 20% sequer do voto popular!

Nada ocorreu, pois, que não se pudesse esperar das políticas de perpetuação do PT à frente de uma “coalisão” paga, nos últimos anos, com a gigantesca corrupção dessa mesma Petrobrás cuja privatização iniciada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) foi a primeira coisa a reverter pelo governo do PT e pela sua ministra da Energia em 2003… Agora, se houve “golpe”, ninguém viu um militar na rua e muito menos manifestantes encarcerados: “Se houve golpe, como invocou Dilma, foi muito invulgar: nove membros do Senado eram antigos ministros do governo dela e seis destes votaram contra a Presidente…”

A própria Dilma argumentou na sua defesa que qualquer governo com os pés na terra estava obrigado a conter a despesa estatal a fim de inverter a curva negativa da economia, ou seja, adoptar “uma política impopular”, como de resto ela fez depois de ser reeleita, entregando a pasta das Finanças a um alegado “neo-liberal”… O PT, porém, já não aceitou essa primeira derrota que compensaria a vitória eleitoral e a “coalisão” deixou de funcionar. Dilma sabia isso mas já não tinha meios para aplicar essa “política impopular” desde 2013, daí a queda da economia a pique e, pouco depois, a do PT.

Agora que Dilma foi afastada e que a “coalisão” se refez sem o PT, a Presidente e os seus defensores não se cansam de repetir o mantra do programa “Bolsa Família”, que contribuiu de facto para diminuir o abismo das desigualdades sociais: se em Portugal nos queixamos com um coeficiente de Gini de 0.34, o que não dirão os brasileiros mais pobres com o coeficiente de 0.53 em 2012? A narrativa do “Bolsa Família” está, porém, muito mal contada mas tem sido sucessivamente corrigida pelo seu promotor inicial, o actual senador Cristóvam Buarque, antigo ministro dos governos PT, que promoveu em 1995 o “Bolsa Escola” implantado em 2001 na presidência de FHC, e que agora votou contra Dilma no Senado! Mais: a investigação recente mostra não só os falhanços do programa no plano escolar, como a relativa escassez do investimento estatal (pouco mais de 1% do PIB) para resgatar 50 milhões de pessoas da miséria ao mesmo tempo que o PT garantia assim o apoio eleitoral dessas famílias nos estados mais pobres do país!

Resta saber se o futuro governo Temer terá tempo e apoio para aplicar uma política contra o populismo em dois anos e quatro meses até às presidenciais de 2018. Entretanto, haverá eleições municipais muito em breve. Ignora-se como sairá o PT desta situação para a qual nunca esteve preparado. Partidos com raízes marxistas e uma retórica como a do PT vêm em princípio para ficar e só saem de má vontade. É previsível, contudo, que tenha maus resultados e que se aprofundem as divergências internas. As generosas alianças que Lula agora propõe nada têm de novo. A profunda divisão ideológica que se gerou na sociedade, a exemplo do que se passa hoje numa boa parte dos regimes democráticos, é todavia mais mediática do que popular e é contida pelo cruzamento entre os resultados económicos e os eleitorais. A cura de oposição imposta ao PT não mudará o Brasil nem os partidos que agora subiram ao poder, mas constitui um importante elemento de sobriedade política que tanta falta faz!

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