A duas semanas das eleições presidenciais, apenas seis sondagens foram publicadas. Marcelo parece caminhar para uma vitória na primeira volta, mas com flutuações nas intenções de voto na ordem dos 15 pontos percentuais faz sentido ser cauteloso nas previsões.
Na falta de mais laranjas para espremer, podemos olhar para trás. Tanto o enredo como os protagonistas (ou parte deles) mudam a cada cinco anos. Contudo, mais do que em qualquer outra eleição portuguesa, as presidenciais apresentam padrões muito estáveis nos últimos 30 anos. Em 2011 passei uns meses na hemeroteca a compilar sondagens para eleições presidenciais publicadas nos últimos 100 dias antes de cada eleição. Resumo aqui os principais resultados desse estudo (versão completa aqui).
Nem todas iguais nem todas diferentes
O padrão mais saliente quando olhamos para eleições passadas tem a ver com a recandidatura do presidente em funções. Em eleições com incumbente (Soares em 1991, Sampaio em 2001 e Cavaco em 2011) a abstenção foi em média 14.9 pontos percentuais acima dos valores observados nas eleições anteriores. Na reeleição de Mário Soares em 1991, mais de um milhão de eleitores que tinha votado cinco anos antes ficou em casa. Intimamente ligado a isto está o grau de competitividade das eleições. As margens de vitória entre o candidato vencedor e o principal opositor são sistematicamente maiores em anos de reeleição. Este fenómeno tem sido muito estudado nos Estados Unidos, onde a taxa de reeleição dos membros do Congresso ronda os 90%.
Existem dois tipos de explicações para esta tendência. Por um lado, o incumbente goza de todas as vantagens inerentes a ocupar um cargo político: acesso a recursos, exposição mediática e experiencia política. Por outro lado, parte da vantagem do incumbente é também explicada pela qualidade dos restantes candidatos (medida em termos de experiencia política e notoriedade). Candidatos com maior potencial tendem a poupar os cartuxos para eleições sem incumbente. Não existem estudos em Portugal sobre este tema, mas muito possivelmente ambas as explicações se aplicam.
O que é que isto tem a ver com as sondagens? Tudo e mais alguma coisa. O comportamento dos estudos pré-eleitorais é altamente influenciado pela dinâmica das campanhas. Eleições mais competitivas atraem maior atenção por parte dos meios de comunicação e os candidatos gastam muito mais dinheiro. Praticamente o dobro: 1.324 mil euros face a 667 em sufrágios com incumbente (preços de 1986).
Estas diferenças reflectem-se no comportamento das sondagens. Mas vamos por partes. Com vista a comparar os estudos publicados com os resultados das eleições uso uma medida de desvios chamada Erro 3 de Mosteller: a média dos desvios absolutos entre as estimativas de intenção de voto publicadas numa sondagem e os resultados da eleição. Um valor de 5 diz-nos que, em média, as estimativas de intenção de voto se desviaram 5 pontos percentuais (p.p.) face aos resultados da eleição. Dito isto, o Erro 3 médio das sondagens presidenciais publicadas entre 1986 e 2011 foi de 4,38 p.p. Descontando o erro amostral de 3-3,5 p.p. inerente a estes estudos, podemos dizer que o desempenho das sondagens tem sido bastante aceitável.
É importante notar que aplicando esta medida a todas as sondagens publicadas nos últimos 100 dias antes da ida as urnas, dois fenómenos distintos podem explicar os desvios: erros na medição das intenções de voto ou uma alteração nas preferências do eleitorado entre o momento em que a sondagem é conduzida e a ida as urnas. A forma mais simples de controlar a possibilidade de mudanças na opinião pública passa por olhar para as últimas sondagens divulgadas (o que desde 1991 acontece a 3-4 dias da eleição). Quando nos concentramos nas ultimas sondagens publicadas por cada instituto desde 1991, o erro médio das sondagens presidenciais fica-se nos 3,1 p.p. Ligeiramente acima do observado em eleições legislativas, mas longe de ser um disparate.
Contudo, as sondagens publicadas ao longo das campanhas eleitorais revelam algo mais interessante: a tendência para as intenções de voto serem mais estáveis em eleições sem incumbente. Os estudos conduzidos em sufrágios de reeleição (1991, 2001 e 2011) desviaram-se em média 4,75 p.p. Já em eleições sem incumbente o desvio médio foi de 3,24 p.p.
Como se explica essa diferença? É possível argumentar que os institutos de sondagens fazem um melhor trabalho em anos ímpares do que em anos pares, mas parece-me improvável. O que distingue estas eleições não são as metodologias utilizadas pelos institutos mas a atenção dada pelos media, o orçamento das campanhas e o grau de competitividade, como vimos atrás.
As figuras abaixo sugerem um comportamento distinto das sondagens ao longo da campanha, em sufrágios com e sem incumbente. Não só as sondagens em sufrágios sem incumbente sao mais estáveis, mas apresentam um padrão não linear de convergência com os resultados das eleições.
A tendência observada nas eleições de 1991, 2001 e 2011 é relativamente fácil de explicar: as campanhas eleitorais nestes anos receberam muito pouca atenção e havia um candidato – o presidente em funções – que partia como claro favorito. Neste contexto, é natural que as primeiras sondagens sobrestimem as intenções de voto no incumbente. À medida que a campanha avança, no entanto, os eleitores vão ficando a conhecer os outros candidatos e essa “vantagem” inicial dilui-se. Ja em eleições sem incumbente a figura sugere que só nas ultimas duas semanas de campanha se observa um clara convergência das intenções de voto. Antes disso, cada eleição parece ter a sua própria dinâmica. Uma desbunda na primeira eleição de Soares (1986), algumas sondagens com resultados muito estáveis a mais de um mês da primeira eleição de Sampaio (1996), e um padrão mais parecido com o das eleições com incumbente na primeira candidatura vitoriosa de Cavaco Silva (2006).
Enviesamentos
Até agora temos olhado para os desvios absolutos nas intenções de voto. Outra forma de analisar o comportamento das sondagens passa por olhar para o sinal desses desvios. Neste caso, a forma de medir enviesamentos é simples: a diferença entre cada estimativa publicada e o resultado obtido por esse candidato na eleição. Uma vez que a análise inclui todas as sondagens publicadas nos últimos 100 dias, tal como atrás, os enviesamentos podem resultar de erros de estimação ou de alterações nas preferências dos eleitores.
De forma a simplificar a análise, agreguei os candidatos de acordo com os partidos políticos que oficialmente os apoiaram, e apresento os candidatos independentes de forma separada. Esta opção é questionável dada a natureza independente das candidaturas presidenciais. Contudo, é reconhecida a importância dos vínculos partidários nas decisões dos eleitores, pelo que me parece ser uma decisão ajustada. Os resultados são interessantes.
Em média, candidatos apoiados pelo PS ou pelo CDS tendem a ser sobrestimados. Já os candidatos apoiados pela CDU são subestimados em média 3,7 pontos percentuais. Entre os candidatos apoiados pelo PSD ou pelo BE não existem padrões discerníveis. No caso do PS, da CDU e do BE estes resultados coincidem com o observado em eleições legislativas, locais e europeias.
Talvez mais interessante é o comportamento das intenções de voto para candidatos independentes. Se excluirmos o caso de Lurdes Pintassilgo nas eleições atípicas de 1986, os candidatos sem apoios partidários tendem a ser altamente subestimados em eleições presidenciais: Manuel Alegre em 2006 com -4,6 p.p. e Fernando Nobre em 2011 com -6,6 p.p. Das duas, uma: ou a ausência de ancoras partidárias é um obstáculo à estimação de intenções de voto precisas, ou os candidatos independentes são particularmente ágeis a subir nas sondagens ao longo do tempo. Inclino-me mais para a primeira hipótese.
Regresso ao futuro
O que e que tudo isto nos diz sobre as eleições de 2016?
Em primeiro lugar, as flutuações nas estimativas de intenção de voto até ao final do mês passado parecem-me perfeitamente naturais; não só tendo em conta o comportamento das sondagens no passado, mas especialmente dadas as características dos candidatos presidenciais. Marcelo Rebelo de Sousa não vem de cinco anos no Palácio de Belém, mas de mais de uma década a governar audiências. Além disso, alguns dos principais opositores eram praticamente desconhecidos do eleitorado até há poucos meses.
Em segundo lugar, pelas mesmas razões descritas acima é expectável que as intenções de voto em Marcelo Rebelo de Sousa divulgadas nos últimos meses se diluam nas próximas semanas.
Em terceiro lugar, é previsível que os institutos de sondagens tenham dificuldade em captar com precisão as intenções de voto nos candidatos sem apoios dos principais partidos. Potencialmente esses desvios são no sentido da subestimação.
Investigador, Washington University in St. Louis