Na quinta-feira passada, as ruas do centro de Lisboa ficaram cheias. Quem teve o azar de ter de voltar à cidade nessa noite, terá visto como foi. Não, não havia uma manifestação contra a austeridade, o Benfica não ganhou outro campeonato, e não era noite de santo popular. Era aquela coisa da “Vogue Fashion Night Out”. Havia gente a fazer coisas “engraçadas” nas montras, música de dança a explodir da porta das boutiques, descontos e algumas celebridades a passar.

Jovens e velhos encheram as ruas, muitos deles vestidos à “moda”, para verem e serem vistos, à procura dos tais descontos. Não havia muita oportunidade para “ver e ser visto”, porém, porque todos estavam comprimidos uns contra os outros.

A “fashion” — ou, como insistem em dizer por estas bandas, a “féshion” — tem esta capacidade incrível de trazer as pessoas à rua e pô-las a gastar dinheiro. O seu poder parece superior ao da religião, da política ou do futebol.

Vestir-se é o que faz o ser humano (as outras espécies têm de se contentar com penas e peles de várias cores). A maneira como nos vestimos ajuda os outros a descodificar-nos rapidamente, e hoje em dia, quem é que tem tempo para julgar os outros com mais do que uma olhadela rápida? (veja também: “útil para caricaturistas”) Mas a “fashion”, o consumo e uso de artigos só porque estão na moda (sem necessariamente ficarem bem nem ajudarem a pessoa a exprimir quem é, além de exprimir que é escravo da moda), é uma coisa estranha hoje em dia, quando estamos sempre a auto-congratular-nos por sermos mais cínicos e sabidos do que os nossos antepassados.

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Gozamos com as pessoas do passado e as suas modas ridículas, as saias de tamanhos extremos, os corpetes que tiravam o fôlego, as braguilhas, os sapatos de matar, as caras pintadas de óxido de chumbo, as perucas arranha-céus ou as testas depiladas. Pode-se argumentar que muitas delas tinham uma desculpa para serem ridículas, já que utilizavam a moda para caírem nas boas graças do monarca ou para serem aceites numa sociedade fanaticamente hierárquica.

Hoje, faz sentido dizer “olhem! ando vestido à moda!!!” se quisermos fazer parte do mundo fanaticamente hierárquico dos fashionistas, mas visto que dizer “ando vestido à moda!!!” é praticamente a mesma coisa que  dizer “sou ovelha!!”, acho incrível que os que não ambicionam fazer parte desse mundo frívolo, insistam em chamar atenção para a sua “ovelhice” (hey, i tried). Especialmente porque em todo lado há anúncios e posters motivacionais a dizer-nos “não sejas ovelha! sê tu próprio!!”. Este sentimento é também muito da moda, paradoxalmente. Que mundo confuso que este deve ser para um miúdo de doze anos!

Muitas, mesmo muitas, pessoas cobrem-se da cabeça aos pés com logótipos e marcas. Outros lutam para caber dentro de calças de cintura baixa, das que só servem para sete supermodelos pré-adolescentes no mundo inteiro. Há quem se arrisque nos sapatos plataforma-salto-agulha: lindos para estar em pé, mas que obrigam as senhoras a andarem nas ruas como uma horda de duendes maus a esgueirar-se atrás das pessoas. Ou quem adopte os vestidos de poliéster e estampados de padrões feios que dão o aspecto de se estar vestido com uma toalha de mesa. Ou ainda quem tente os cabelos tão esticados que até parece que passaram por um duche de óleo. Etc., etc., etc. São biliões de pessoas sujeitas à escravidão de que “a cor desta época é ‘diarreia pegada a um pau’”, independentemente de a ‘diarreia pegada a um pau’ lhes ficar bem ou lhes dar a aparência de terem morrido há uns meses.

O argumento que muitas vezes se ouve é que “a indústria de moda é vibrante, e traz muitos lucros a este (qualquer) país”. Sim, traz, mas nem por isso deixa de ser uma indústria parva (veja também: a indústria das armas e a indústria dos “pedacinhos de treta feitos de plástico na China que vão de qualquer maneira acabar no lixo”, etc., etc., etc.). O número de pessoas que ganham muitíssimo bem por ditarem o que é “féshion” é disparatado. Ainda mais disparatado é o número de pessoas que as levam a sério e seguem os seus ditames à letra, alimentando as montanhas do desperdício de roupa (e de relógios, carros, telefones, etc., etc. etc.).

(traduzido do original inglês pela autora)

Here, sheepy sheepy sheepy!

Last Thursday, the streets of city centre Lisbon filled to capacity. If you were unlucky enough to have to drive into town that night, find a parking space or just walk home, you will have seen how crammed it was. No, there wasn’t a march against austerity, Benfica hadn’t won something else and there wasn’t a festa popular in sight. It was that Vogue Fashion Night Out thing. People doing “amusing” things in shop windows, dance music screaming out of shop doorways and apparently some bargains and some celebrities, fashionable ones, doing stuff, somewhere.

Young and old filled the streets, many of them dressed up “fashionably”, out to see and be seen and snap up some bargains or non-bargains. Not much seeing or being seen could be done, however, unless you were interested in seeing the armpits of people around you.

Fashion, or as you insist upon calling it, “feshion”, has this incredible power to get people into the streets and spending money, greater, it seems, than religion, politics and even football.

Dressing up is, of course, what humans do (other species make do with feathers and colour-changing skin). The way we dress helps to denote something about us to everyone else and quickly, and these days, who has time to judge anyone beyond a quick scan of the outside? (See also: “useful for caricaturists”) Fashion, though, the consumption and wearing of things just because they are fashionable, not because they look good on you or help you express who you are (beyond expressing that you are a slave to fashion) is such an odd thing in this day and age when we are always congratulating ourselves on how much more cynical and savvy we are than our ancestors.

We snigger at people in history and their ridiculous fashions, with crazy sized skirts, breath sucking bodices, codpieces, death defying shoes, ruffs, lead painted faces, wigs up to the sky, or plucked foreheads. It can be argued that many of them actually had an excuse to be ridiculous, using fashion as a way of sucking up to the monarch or being accepted in a crazily hierarchical society.

Today, it’s probably worth shouting out to the world “look everyone, I’m fashionable!” if you want to join the crazily hierarchical world of the fashionistas, but since shouting “I’m fashionable!” is tantamount to shouting “I’m a sheep!”, I find it incredible that the rest, who don’t aspire to be part of that extraordinarily vapid world, insist on sheephood. Especially when, everywhere we turn, we are also being told by adverts and motivational posters to “don’t be a sheep! be yourself!!”. Paradoxically, this is now a very fashionable sentiment. What a confusing world it must be for a twelve year old.

So very many people plaster themselves with logos and brand names. They struggle into low waisted trousers that only look good on about seven pre-adolescent supermodels in the whole the world. See also, spike-heeled platform shoes, great for standing still in, but that make them walk like a horde of evil pixies sneaking up on someone from behind. Or ugly shapeless dresses in printed polyester chiffon that look like a tablecloth draped over their heads.  Or hair so straightened it looks like they passed through an oil slick. Etc., etc., etc., etc. Billions of people still slavishly following the information that “this season’s colour is diarrhoea on a stick” whether “diarrhoea on a stick” suits them or makes them look like they died in the last twelve months.

The argument often trotted out that “oh, the fashion industry is so thriving and makes the country (any country) a lot of money” doesn’t make it a not ridiculous industry (see also: the international arms trade and the “little bits of plastic crap from China that just end up in landfill” industry, etc., etc., etc.). The number of people who make a huge living out of dictating what is fashionable is preposterous. More preposterous still are the billions of people who take them seriously and follow their diktats, fuelling a fantastical, wasteful pile of clothes (and watches and cars and phones etc., etc., etc.).