O que geralmente se diz sobre a saúde do mercado imobiliário é impreciso, tendo em conta a realidade que vivemos. Agora que atravessamos o melhor momento de sempre no setor, pessoas fora do ramo perguntam-nos, recorrentemente, se nos aproximamos de uma nova “bolha imobiliária”.

A resposta é simples: no presente, não. E para sustentar esta ideia, é importante desmistificar e perceber o que é isso da “bolha”. De uma forma simples, este é um acontecimento repentino, desencadeado por uma crise de confiança ou pela queda abrupta da procura, que tem consequências negativas ao nível do preço de um determinado produto. E estas bolhas não são exclusivas do imobiliário; se os mesmos fatores se derem noutro tipo de mercado, o mesmo fenómeno poderá acontecer. Para que a bolha aconteça são necessários dois ingredientes: elevada dívida (preferencialmente de cobrança duvidosa) e um choque na oferta (isto é, uma queda abrupta da procura para a elevada oferta existente).

Mas o que torna a “bolha do imobiliário” tão famosa é a sua dimensão: trata-se de um mercado que transaciona bens imóveis e mais caros do que a maioria dos outros mercados que movimentam bens móveis e mais líquidos. Assim, o seu impacto é geralmente maior, com a agravante de que grande parte destes ativos estão registados nos balanços dos bancos – o que pode afetar a solidez dos mercados financeiros.

A crise do subprime deveu-se, em traços gerais – e ignorando esquemas financeiros fraudulentos – a dois grandes fatores: por um lado, à excessiva dívida de cobrança duvidosa que gerou uma enorme crise de confiança, contagiando outros mercados demasiado expostos e alavancados; por outro, à oferta exagerada de apartamentos, aparentemente sem procura real em condições normais de mercado.

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Voltando ao momento presente e ao mercado português, olhemos para os mesmos dois ingredientes para analisar com clareza a situação. Existe demasiada dívida? Existe demasiada oferta?

O mercado de investimento em imobiliário comercial em Portugal tem sido bastante procurado por investidores estrangeiros institucionais, que geralmente usam alavancagem para aumentar rentabilidade e não por falta de liquidez. Isto é, de facto, uma das principais razões para o sucesso do nosso mercado nos últimos anos. O que todos sentem – investidores, consultores e proprietários – é que existe demasiada procura e escassez de produto.

No caso do mercado residencial – o segmento que é o grande alvo desta desconfiança –, convém analisar a procura e oferta com alguns dados que suportam a sustentabilidade do setor.

Do lado da procura, sabemos que os investidores internacionais têm absorvido boa parte do produto mais caro e prime nos centros das cidades de Lisboa e Porto. Mas em termos de financiamento, ainda registamos níveis bastante abaixo do período pré-Lehman: cerca de 5,5 mil milhões de euros em crédito hipotecário registado em 2016 em comparação com cerca de 25,2 mil milhões registados em 2006, segundo dados do INE.

Do lado da oferta, segundo a mesma entidade, verificamos que o número de fogos concluídos em 2016 foi cerca de 10% do registado em 2006. Estes factos conjugados resultam num número de transacções de imóveis residenciais em 2016 ainda bastante abaixo do registado em 2006: 142 mil em comparação com os 220 mil vendidos no período pré-crise.

Para além dos números, se olharmos com atenção para o centro das cidades de Lisboa e Porto, vemos um cenário bastante diferente dos anos 80/90 (ou mesmo do que se passou em Espanha recentemente): a maioria dos projetos de habitação é de reabilitação (com 20 a 30 apartamentos por projeto e planos de negócio bem delineados e pensados), bem diferente das centenas de apartamentos que se erguiam nos arredores das cidades a confiar no crédito fácil e barato. Mais importante do que isto: boa parte dos apartamentos são adquiridos sem recurso a financiamento (excepto para se fazer cumprir a estrutura de pagamentos faseada de acordo com o desenvolvimento do projeto) e adquiridos em planta.

Em suma, temos condições bastante diferentes – eu diria até inversas – das que originaram a última crise imobiliária: temos procura bastante elevada (seja ela interna ou externa) e, por agora, a oferta adequada ou reduzida (o que causa pressão no preço para aumentar).

Lisboa e Porto, bem como outras cidades mais secundárias no panorama global mas com bastante potencial imobiliário e turístico, ainda têm bastantes oportunidades de desenvolvimento. Importa, isso sim, reverter as décadas de descuido imobiliário e as leis lesivas para os proprietários, que tiveram consequências nefastas no tecido urbanístico e no desenvolvimento das nossas cidades.

O futuro do imobiliário em Portugal é, por isso, promissor. E se hoje estamos no centro do mapa mundial, é preciso por de lado o ceticismo e viver o presente, que é histórico e não deve ser desperdiçado.

André Vaz é consultor de investimento da consultora JLL Portugal.