Numa altura em que as manifestações de vitalidade da sociedade civil se sucedem um pouco por todo o país e em que o Governo da “geringonça” proclama nervosamente que os contratos de associação são um assunto encerrado, vale inequivocamente a pena voltar ao tema. No actual contexto, importa nomeadamente enquadrar e recentrar a discussão no essencial: a defesa dos interesses dos alunos e da liberdade das famílias contra o despotismo iluminado e a cegueira ideológica e corporativa de quem puxa os cordelinhos a partir da 5 de Outubro.

É apropriado falar de despotismo iluminado já que, no imaginário dos revolucionários laicistas, o modelo e referência para a educação continua a ser a hecatombe provocada pelo Marquês de Pombal com a perseguição aos jesuítas e a estatização transversal do ensino. É verdade que os tempos são outros e que muitos aspectos não são, por isso, comparáveis, mas a grande ambição continua a ser a imposição por via centralizada de um projecto imbuído do mais profundo racionalismo dogmático, desrespeitador da autonomia das famílias e das tradições e modos de vida realmente existentes nas comunidades locais e, claro, virulentamente anti-católico.

Antes de ser um objectivo corporativo ao serviço dos interesses instalados no sector, a estatização da educação é um desígnio ideológico da mesma cartilha – como bem assinala Helena Matos – que impôs ao país as desastrosas reformas educativas de Pombal e de Afonso Costa. O enquadramento histórico pode pelo menos permitir alimentar a esperança de que não sejam Mário Nogueira, a sinistra secretária de Estado da Educação Alexandra Leitão e os restantes radicais da “geringonça” a ter sucesso onde Pombal e Afonso Costa, em última instância, fracassaram (não obstante os profundos danos que causaram ao país).

Por isso se ignora sem pudor o trabalho e a experiência acumulada ao longo de décadas pelas comunidades educativas e se desprezam e desrespeitam as preferências das comunidades locais relativamente à melhor forma de organizar a prestação do serviço público de educação. A questão principal não é legal nem de custo (ainda que nesses planos haja também argumentos amplamente favoráveis aos contratos de associação se a alternativa for – como é – a monopolização estatal), mas de negar a possibilidade de escolha.
A estatização e centralização são – como sempre foram – ferramentas imprescindíveis para os revolucionários radicais. Garantir a implementação sem contestação nem concorrência da cartilha ideológica dos revolucionários é a prioridade máxima e por isso a propriedade dos prestadores de serviço público de educação se sobrepõem à qualidade na prestação desse mesmo serviço e ao interesse dos alunos.

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O que está em causa é, portanto, bastante mais abrangente do que os meros contratos de associação. Ainda que estes possam e devam ser defendidos no actual contexto, seria importante aproveitar a oportunidade para alargar o âmbito da discussão sobre a liberdade de educação. Esteve neste aspecto muito bem Assunção Cristas ao questionar por que há de ser sempre a escola não estatal a sacrificada, sem que se atenda aos resultados obtidos, à qualidade do ensino, à livre escolha das famílias e ao próprio interesse dos alunos – que deveria, afinal, ser a preocupação central nas políticas de educação.

A recente consciencialização de importantes segmentos da população para o que está em causa e a notável mobilização da sociedade civil a que temos assistido contra a cegueira ideológica e corporativa das políticas de educação da “geringonça” só produzirão frutos duradouros se forem orientadas para uma reflexão mais abrangente sobre a educação em Portugal. Experiências tão diferentes como a sueca e a inglesa apontam possíveis caminhos de reforma que deveriam ser mais estudados e considerados entre nós. Mais do que a defesa dos contratos de associação existentes, é a promoção da liberdade de educação que precisa de ser colocada no topo da agenda política. Só com passos decisivos no sentido de uma maior liberdade de educação e abertura à concorrência será possível evitar que a cegueira ideológica e corporativa leve a que más escolas continuem abertas enquanto outras reconhecidamente melhores são encerradas.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa