Ouve-se dizer que a educação serve para preparar as pessoas para a vida. Dá-se todavia o caso de as pessoas terem vida desde que são pessoas; não dizemos ‘Lá vem o Joaquim com a sua vida.’ Preparar uma pessoa para a vida é por isso como preparar um crocodilo para ser carteira. Se é esta a função da educação, é escusada: um crocodilo será carteira independentemente das suas inclinações; e uma pessoa terá vida quer queira quer não.
Num sentido menos genérico a palavra ‘vida’ é usada como sinónimo de ‘profissão.’ Nesse sentido parece haver muitos tipos de vida; e parece haver diferenças relevantes entre esses vários tipos de vida. Há casos em que as diferenças parecem evidentes: a vida de um gangster será provavelmente diferente da vida de um anestesista. Mas a única razão por que a diferença parece tão evidente é porque temos tendência para imaginar que da profissão de uma pessoa se segue a sua vida num sentido normal.
Nem sempre porém isto acontece: não há razão para um gangster não poder ter uma vida igual à de outra pessoa qualquer; todos os dias ouvimos vizinhos jurar que pensavam que os piores gangsters eram anestesistas. Não há razão também para que dois anestesistas indistinguíveis à vista desarmada não tenham vidas completamente diferentes. Duas pessoas com a mesma profissão podem ter vidas muito diferentes; e duas pessoas com profissões diferentes vidas muito iguais.
É verdade que, quando falamos das nossas vidas, falamos às vezes da nossa profissão; mas nem sempre o fazemos; nem sempre parece relevante. Existe por isso um terceiro sentido da palavra ‘vida’, a que chamámos atrás o sentido normal do termo. No sentido normal do termo a vida de uma pessoa não é nem o facto de ela estar viva, nem necessariamente a profissão dessa pessoa.
Há assim duas dificuldades principais na ideia de que a educação serve para preparar as pessoas para a vida. A primeira é que não existe nenhuma preparação possível, ou pelo menos necessária, para a vida em sentido lato; a segunda é a de que, para a vida no sentido restrito de ‘profissão’, havendo naturalmente preparações possíveis, essas preparações não asseguram vidas idênticas no sentido normal.
Que se quer dizer então quando se diz que a educação deve preparar as pessoas para a vida? Os industriais do ramo confessam objectivos genéricos como ‘ser cidadãos empenhados num mundo em constante mutação’; este objectivo é compatível com a vida de um gangster, e aliás de um anestesista. Mas se a vida não é uma profissão, e se a educação não serve para preparar para a vida, o que será e para que serve a educação? Saber para que serve a educação é um dos maiores mistérios da educação.