Em breve, Michel Temer viajará para a Índia, onde ocorrerá a oitava cúpula dos países BRICS. Ele será o primeiro presidente brasileiro na história a viajar duas vezes para a Ásia nos primeiros meses do seu mandato. Na Europa, uma das discussões mais importantes pós-Brexit é se a cidade de Frankfurt poderá competir com Londres na briga por se tornar porta de entrada para bancos chineses no Velho Continente. Nos Estados Unidos, ao mesmo tempo, o Tratado Transpacífico, tentativa de Obama de conter a influência crescente da China na Ásia, tem se tornado um dos temas-chave na campanha presidencial. O que esses desdobramentos têm em comum?

Eles são reflexo de um mundo cada vez mais centrado na Ásia, resultado de um deslocamento histórico de poder do Ocidente em direção ao continente que concentra mais da metade da população mundial. As consequências são cada vez mais visíveis na política mundial. Com a aproximação do dia em que a China ultrapassará os Estados Unidos como a maior economia mundial, o Ocidente está lentamente perdendo a notável capacidade de determinar a agenda global, algo com que estávamos tão acostumados que se tornou difícil imaginar a governança global sem a predominância ocidental. Por mais de um século, a concentração extrema de poder econômico permitiu que o Ocidente, apesar de representar uma minoria da população mundial, iniciasse, legitimasse e advogasse com eficácia políticas globais nas áreas de economia e de segurança. Para a maioria dos observadores, atores não-ocidentais raramente exerceram um papel construtivo na administração da governança global.

Consequentemente, o futuro da ordem global — não mais sob controle do Ocidente — geralmente é visto como caótico, desorientador e perigoso. Como prevê Randal Schweller, um influente acadêmico da Universidade Ohio State, a única alternativa à liderança estadunidense é a de “banalidade e confusão, de anomia e alienação, de instabilidade sem um estabilizador, de uma ordem regressiva sem um poder ordenador”. A ampla maioria dos acadêmicos de Relações Internacionais acredita que o declínio relativo do poder estadunidense terá consequências globais profundamente negativas.

No entanto, nossa compreensão sobre a criação da ordem atual, sua forma contemporânea e as previsões sobre seu futuro é limitada, pois imaginamos um “Mundo Pós-Ocidental” com base em uma perspectiva eurocêntrica. Graham Allison, da Universidade de Harvard, denomina os últimos mil anos como “o milênio no qual a Europa foi o centro politico do mundo.” Essa visão subestima dramaticamente as contribuições feitas por pensadores e culturas não-ocidentais, além dos conhecimentos, tecnologias, ideias e normas —da China e do mundo muçulmano, por exemplo — das quais o Ocidente se beneficiou para se desenvolver econômica e politicamente. Ela também desconsidera o fato de que potências não-ocidentais dominaram o mundo em termos econômicos durante um considerável período nos últimos mil anos.

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Nossa visão de mundo centrada no Ocidente nos leva não apenas a subestimar o papel exercido por atores não-ocidentais no passado e na política internacional contemporânea, mas também o papel construtivo que eles provavelmente terão no futuro. Com potências como a China provendo cada vez mais bens públicos globais, a ordem pós-ocidental não será necessariamente mais violenta ou instável do que a ordem global atual. O declínio relativo do Ocidente pode assustar analistas em Washington, Londres e Bruxelas, mas esse nervosismo não é, necessariamente, compartilhado por líderes em Pequim, Moscou, Brasília, Déli e Pretória.

De fato, em vez de confrontar diretamente instituições existentes, potências emergentes — lideradas pela China — estão discretamente elaborando os primeiros estágios do que podemos chamar de uma “ordem paralela”, que irá inicialmente complementar e, mais tarde, possivelmente desafiar as instituições internacionais existentes hoje em dia. A ordem em questão já está sendo articulada; ela inclui, entre diversas outras, instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento, liderado pelos BRICS, e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura ou AIIB, na sigla em inglês (que almejam complementar o Banco Mundial), o Universal Credit Rating Group (para complementar a Moody’s e a S&P), a China Union Pay (para complementar a Mastercard e a Visa), o CIPS (para complementar o SWIFT) e os BRICS (para complementar o G7).

Essas estruturas não estão surgindo porque a China e outros atores têm ideias fundamentalmente novas para solucionar desafios globais, ou porque querem modificar normas e regras internacionais. Pelo contrário, elas foram criadas porque os atores emergentes almejam projetar seu poder com mais eficiência, assim como os atores ocidentais fizeram antes deles. Em parte, elas surgiram em função da mobilidade limitada na ordem atual e porque as instituições vigentes são incapazes de integrar potências emergentes adequadamente. Como parte de uma estratégia precavida, os emergentes vão continuar a investir em instituições existentes, o que é um sinal de reconhecimento da força da ordem vigente, mas eles também irão buscar modificar a hierarquia do sistema para obter privilégios aos quais apenas os Estados Unidos têm acesso por ora. Evitando os extremos simplistas representados por confrontar ou aderir à ordem vigente, a criação de diversas instituições sinocêntricas permitirá que a China adote sua própria forma de multilateralismo competitivo, fazendo escolhas dentro de uma série de modelos institucionais flexíveis, de acordo com seus interesses nacionais — assim como potências ocidentais têm feito há décadas.

O medo de um caos pós-ocidental é exagerado. Em parte, o exagero ocorre porque os sistemas do passado e do presente são muito menos ocidentais do que geralmente se assume (a ordem mundial já contém muitas regras e normas que são produto de ideias ocidentais e não-ocidentais). Se, por um lado, a transição para a multipolaridade — não apenas no âmbito econômico, mas também no militar e na definição dos temas da agenda global — será desconcertante para muitos, por outro, é possível que ela traga, afinal, uma ordem muito mais democrática do que qualquer outra na história global. Isso possibilitará níveis mais elevados de diálogo genuíno, de uma difusão mais ampla de conhecimento, bem como de meios mais inovadores e eficientes de solucionar desafios globais nas próximas décadas.

Oliver Stuenkel ensina Relações Internacionais na Fundação Getulio Vargas em São Paulo, Brasil. Seu novo livro, ‘Post-Western World’, acabou de ser publicado pela Polity Press.