Por estes dias, inusitadamente, deu à luz um polémico projeto-lei da autoria do PS sobre alojamento local. O que visa regular o projeto? O sucesso estrondoso do alojamento local, o qual decorre de legislação aprovada em 2014 e que quadruplicou os registos, os quais se situam perto das 35 mil unidades. Doravante, crisma o texto, o exercício da atividade ficará submetido à autorização dos proprietários das restantes frações do prédio. Sejam dois, cinco ou cinquenta.

Alguma destas propostas tem estudo? Não, tem palpite, o que basta para veicular todos os toscos preconceitos a respeito da atividade, sem menor precaução de rigor ou interpretação de dados. Aliás, os dados conhecidos — matéria insuficientemente investigada — dão conta de que quatro por cento dos lisboetas menciona o barulho como desvantagem da presença de turistas na cidade de Lisboa. Num repente, o alojamento local assume a paternidade de ter erradicado o mercado de imóveis para arrendamento de longa duração, de tumultuosas relações de vizinhança, da mutilação do património identitário de bairros tradicionais e do aparentemente irreversível processo de gentrificação.

Não eram esses os bairros, escassos por sinal, enclausurados na malha histórica urbana de Lisboa e Porto a que, ainda recentemente, ninguém se candidatava a viver por mais acessíveis que fossem? Ora porque não tinham estacionamento, escolas, espaços verdes, ou estavam démodé. Não estavam esses bairros em inelutável processo de degradação urbana e social — marcados pelo envelhecimento e a definhar às mãos de fenómenos de exclusão social –, e batida em retirada das populações e dos serviços públicos? Não tem sido o alojamento local largamente responsável pela magna tarefa de reabilitar o património das nossas cidades e, desse modo, devolver os seus contextos de competitividade? O alojamento local fez mais pela reabilitação urbana do que qualquer política pública concebida com esse fim, sempre com anúncios grandiloquentes, metas ambiciosas, verbas tão avultadas quanto desoladores os resultados.

Ora, como o intento inconfessável – pois politicamente desconfortável — é aniquilar o alojamento local sem o arcar, que solução mais talentosa do que servi-lo de bandeja às mãos de proprietários escrupulosos e solícitos que, por não desempenharem a atividade, nada têm a lucrar com a manutenção da mesma? O resultado não carece de vaticínio. Se a coisa se der, assistiremos a uma interminável fúria, a qual, assembleia de condóminos atrás de assembleia de condóminos, vituperará o alojamento local como uma praga responsável pelos mais minúsculos e desinteressantes infortúnios e barbaridades, num hino triste à tolerância zero.

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O que sobra? Sobram os prédios de um só proprietário, em regra o grande proprietário. Esta é a face mais negra deste projeto. Quem subsiste a esta razia inclemente enriquece. Porquê? A mesma procura, menos oferta. O mercado concentra-se em menos e melhor remunerados, e daí prosseguirá a via de aquisição de prédios na íntegra — a preços mais em conta –, por quem tenha mais músculo financeiro, corroendo a democratização de acesso, aspeto extraordinariamente saudável da figura. Os remediados, sim, a grande massa anónima do alojamento local — cujo suplemento de rendimento transformou as suas vidas e das suas famílias — é crucificada no altar dos grandes grupos, grandes proprietários e dos hoteleiros.

Nada me move contra estes, todavia, não os concebo mais ricos em detrimento dos demais sem justificação. Ou já olvidamos que o alojamento local é um fortíssimo instrumento de repartição dos proventos do turismo? E de qualificação de oferta também? E, sobretudo, que radica na evolução do perfil do turista, hoje mais autónomo, menos subordinado a modelos tradicionais de programação de viagens e ávido de soluções de alojamento menos conservadoras?

Trinta por cento do alojamento registado em Portugal é alojamento local. É insubstituível por décadas. Matá-lo é vibrar um bruto golpe na economia, essa que todos sabemos na base do que cresce. Rever o regime? Sim, mas cum grano salis, numa lógica integrada e global, moldada por incentivos e jamais ancorada na vontade de voltar ao tempo pré- alojamento local.

E, por exemplo, o Algarve? O Algarve — esquecido e longínquo — fez-se à força do alojamento local. Ilegal, sim, nem enquadramento existia. Sem obrigações fiscais, de segurança, de higiene, ou outras? Sim. Não se elevavam sempre, e bem, as vozes que censuravam a economia paralela da região, cujos números de habitações no mercado do aluguer se estimam em mais de 200 mil camas? Vamos restituí-los — a franja que se registou — à clandestinidade após a cilada que o Estado lhes armou e que conduziu a que milhares deles se tenham legalizado e feito progredir a oferta da região? Infelizmente, até hoje, ninguém tinha descoberto o proprietário algarvio — espécie muito prolífica e longe da extinção (vide Quarteira, Armação de Pêra, Praia da Rocha) –, menos ainda os seus direitos. Nem ninguém, entre tantos que hoje esboçam esta cruzada, jamais alugou casa no Algarve!

As (in)ações sobre novas dinâmicas económicas atestam uma visão datada de Portugal, completamente antagónica aos powerpoints com que o governo quer posicionar o país no estrangeiro. O PS não é, desafortunadamente, mais do que um gestor de condomínio: vezes demais acorre a todos os focos de descontentamento, fundados ou não, concebendo as soluções mais tacanhas e salomónicas. Estabilidade para quem empreende não há: o ano passado agravaram–se os impostos sobre o alojamento local, este ano propõe-se legislação que a ser aplicada só pode conduzir ao desaparecimento de cerca de 80 por cento da oferta, e lá para outubro, aquando do orçamento, estaremos seguramente a rever o regime fiscal. Afinal de contas, que estratégia é esta?

Ao que isto conduz, para finalizar:

  1. Menos turistas, menor receita fiscal, menos emprego;
  2. Beneficia os grandes grupos económicos e os grandes proprietários, em prejuízo dos pequenos proprietários;
  3. Não resolve o problema da habitação das grandes cidades;
  4. Empurra largos segmentos, Algarve exemplo maior, para a economia paralela;
  5. Trava a fundo a reabilitação urbana.

Deputado PSD, membro do grupo de Trabalho do Turismo – Comissão de Economia e Inovação