O alojamento local é uma realidade incontornável no panorama económico nacional. Representa 42 % das dormidas turísticas e responde, de forma direta, por mais de 55.000 postos de trabalho, a par de muitos outros de forma indireta. A sua emergência legislativa, em 2009, e o seu aperfeiçoamento em 2014, responderam a uma realidade pré-existente, não regulada e paralela, a qual frustrava a qualidade da oferta e não pagava impostos, bem como a uma evolução do perfil do turista, mais autónomo e atento a novas fórmulas de satisfação das suas necessidades.

Portugal soube responder e avançar. Fê-lo criando um regime inovador, mobilizador da iniciativa, plural no acesso, democrático na redistribuição do provento, de molde a sinalizar potenciais interessados da oportunidade que se perfilava e do interesse público em que tal viesse a ter lugar. Deu resultado. O alojamento local é um êxito, um dos maiores êxitos do país nos últimos anos e um contributo notável para a recuperação económica que Portugal empreendeu. Um contributo de mais de 10000 micro e pequenas empresas e de 45000 empresários em nome individual, mas também um contributo de todos os portugueses, que sabem acolher, tratar bem e fazer com que os turistas tenham experiências inolvidáveis no nosso país. Um contributo de todos.

Os benefícios, múltiplos, não se esgotam nos grandes números do turismo, no contributo para o PIB ou da sua importância no emprego. Se de uma visão mais larga nos socorrermos, avulta o papel primacial do alojamento local como força motriz da reabilitação de cascos urbanos envelhecidos, marcados pela desqualificação do território e olimpicamente ignorados pelos poderes públicos, os quais impotentes, batiam em retirada e entregavam-nos às mãos de fenómenos de exclusão social. O melhor que fizeram, sempre aquém, foram anúncios faustosos a respeito da última geração de políticas de reabilitação urbana, tão pedintes de dinheiros público quão pobres e desoladores nos resultados.

Pelo contrário, hoje são espaços vivos, cujos contextos de competitividade foram recuperados, e, por isso, suscitam o interesse de todos, mesmo daqueles que por mote próprio migraram para as periferias, pois apenas anteviam nesses territórios em declínio projetos de vida menores. Projetos de vida sem escolas, sem espaços verdes, sem estacionamento, casas exíguas, malhas urbanas inseguras e desqualificadas, património em decadência, incompatíveis no nosso imaginário com um certo perfil e estatuto que se criou, o qual resistia aos centros e os encarava como falhos de modernidade. Lisboa e Porto são bem o retrato desta metamorfose, a qual jamais teria ocorrido não fora o advento do alojamento local.

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Também as zonas estivais beneficiaram largamente do alojamento local. O Algarve, exemplo maior, regista mais de 40000 alojamentos locais, na sua maioria imóveis que se encontravam no mercado paralelo, sem garantia de qualidade ou obrigações para com os visitantes, fazendo, desse modo, empobrecer a oferta turística; esta figura – o alojamento local – levou a oferta turística a cidades, vilas e aldeias que antes mal conheciam a emergência do turismo e que, em muitos casos, lutam contra a interioridade, a desertificação e o êxodo rural, perante um Estado omisso e incapaz de inverter essas tendências assustadoras. Foi sempre, o alojamento local, fonte de mais emprego e prosperidade.

Ao longo destes anos são incontáveis as histórias de sucesso, muitas vezes de quem criou o seu próprio emprego e, desse modo, redirecionou o seu projeto de vida. E que, pelo seu empenho, ajudou a criar e a manter o emprego de outros. E que confiou que tinha feito a escolha certa.

As propostas do Programa “Mais Habitação” relativas ao alojamento local, a serem aplicadas, equivalem à pena de morte do alojamento local. Dependendo dos casos, imediata ou a prazo, mas a sua destruição inapelável, com exceção do interior. E, paradoxalmente, estas medidas proveem de quem se vangloria pelos números económicos do país, quando eles são muito explicados pelo extraordinário crescimento do turismo na última década, e, em particular, com o peso que o alojamento local neste último assumiu. Pode-se dizer, sem reservas, que se o alojamento local por todo o país encerrasse, fatalmente Portugal atravessaria um período de recessão, tal a importância de que se reveste.

Avaliando as mesmas, não se consegue discernir estudo, precaução de rigor ou interpretação de dados, menos ainda um olhar atento e compreensivo para as dezenas de milhares de pessoas que avistaram uma oportunidade de criar o seu próprio emprego ou de complementar o seu rendimento mensal.

Não! Apenas preconceito e a tentativa pública, reforçada em sucessivas declarações de responsáveis governativos, de culpabilizar o alojamento local, responsabilizando-o por todos os males, desde alegados fenómenos tão indesejáveis como a mutilação do património identitário de bairros tradicionais, o inexorável processo de gentrificação, a erradicação do mercado de arrendamento, a deterioração das relações de vizinhança, enfim, de todos dos males e mais alguns, mesmo aqueles cuja esforço intelectual mais persistente falha em estabelecer qualquer relação com o alojamento local. O alojamento local é hoje bode expiatório, e é sacrificado para camuflar a total ausência de políticas públicas com vista a providenciar habitação a custos controlados às famílias portuguesas.

Atente-se a que, já em 2018, aquando da última revisão do regime jurídico do alojamento local, se previu que as autarquias, pela sua proximidade e melhor conhecimento das realidades locais, pudessem elaborar regulamentos que estabelecessem limitações ao alojamento local, deste modo arbitrando a sua existência e peso com outros interesses relevantes, nomeadamente os do mercado de arrendamento habitacional. Lisboa, por exemplo, assim o fez.

Estamos perante uma campanha difamatória e injusta que se traduz em medidas punitivas, a saber:

  • Imposição de prazo de validade dos registos até 2030, sem garantia de renovação;
  • Alteração das regras de oposição do condomínio, o que vai causar enorme instabilidade e a cessação de registos de alojamento local sem qualquer fundamento;
  • Proibição da transmissibilidade dos registos e suspensão de novos registos, mesmo em áreas geográficas onde as autarquias locais o desejassem, e onde manifestamente não se pode arguir excesso de alojamento local, afastando-as do processo decisório;
  • Criação de uma contribuição extraordinária sobre o alojamento local, a qual irá incidir sobre 35% da base tributável.

Estas medidas implicam a destruição do sector, o qual trará graves prejuízos ao emprego e à economia, minam a confiança dos investidores e são um passo atrás na melhoria da oferta turística e no combate à economia paralela.

É urgente evitar este desenlace penalizador para o país. Regular sim, destruir jamais!

PS: Este texto dá corpo a uma petição à Assembleia da República, a qual pode ser assinada aqui.