Foi muitas vezes observado que os cônjuges acabam por se parecer entre si; e que os donos se parecem com os cães. As observações não são naturalmente observações de genética, e não implicam nenhuma explicação biológica que valha a pena tomar a sério. Os cônjuges pertencem quase sempre a famílias diferentes, e os cães são passeados por outras espécies, com quem o comércio genético é desencorajado e aliás tecnicamente difícil.

Estas semelhanças são melhor explicadas como resultado do hábito de ver duas pessoas, ou uma pessoa e um cão, frequentemente juntos ao longo do tempo. A parecença entre dois cônjuges não é exactamente como a parecença entre dois gémeos, ou entre dois irmãos, ou entre duas ervilhas:  é antes como a parecença entre a pirâmide de Quéops e a esfinge de Gizé, ou um bife e um ovo estrelado; é uma parecença entre duas coisas que nos habituámos sempre a ver juntas.  Ninguém confunde as características da pirâmide com as de uma esfinge; ou as de um bife com as de um ovo. E no entanto existe uma espécie de adequação entre os dois objectos que lembra os casamentos mais duradoiros, ou os animais domésticos mais felizes. O ovo lembra-me um bife como um dono me lembra o cão, ou uma pirâmide me lembra a esfinge.

Observações recentes registaram todavia um outro fenómeno de semelhança mais difícil de perceber. Não nos sentimos tentados a explicá-lo pela biologia, pelo hábito, ou sequer pelos costumes. Trata-se do modo como vemos frequentemente pessoas parecidas andar aos pares. Por exemplo, nas ruas das cidades e nos transportes públicos encontramos pessoas sozinhas; mas encontramos também muitas pessoas aos pares, sobretudo novas e do mesmo sexo: e essas pessoas geralmente são parecidas: vestem-se da mesma maneira, têm a mesma altura, falam da mesma maneira, entram e saem com deliberação nas mesmas paragens. Serão amigas?

Igualmente singular é que raras vezes vejamos pares de pessoas diferentes. Na realidade, quando vemos pessoas diferentes juntas não prestamos qualquer atenção às características que possam ter em comum: só reparamos nas diferenças. Não chamamos par a duas pessoas diferentes, por exemplo numa viagem de elevador; o que aliás contribui para reforçar a ideia generalizada de que às pessoas aos pares convém ser parecidas entre si.

“Quem se junta,” afirma um conhecido provérbio brasileiro, “se parece.” Como é que explicamos no entanto que as pessoas se juntem? Não é biologia; e não ficarão parecidas porque à força de as ver juntas nos habituamos a ver parecenças; e também não há costume conhecido que consista em as pessoas ficarem parecidas ao juntarem-se. Seriam já parecidas antes de se juntarem? Ocorre uma explicação metafísica: é possível que as pessoas que vemos sozinhas nos transportes públicos andem à procura de alguém parecido para poderem finalmente andar aos pares nos transportes públicos.

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