As áreas STEM têm dado e vão dar que falar nos próximos anos. A formação futura dos nossos alunos deve passar por áreas STEM. Os novos trabalhos com algum interesse e futuro serão, essencialmente, os que resultarão dos curricula assentes no desenvolvimento das áreas STEM – Science, Technology, Engineering and Mathematics – e trazem, associados, inúmeros e incontáveis desafios. Que desafios?

Primeiro Desafio: O primeiro de todos os desafios é que talvez tenham de ser os mais velhos a preparar e ensinar, ou formar, os mais novos. Mas como fazer isto se os mais velhos poderão estar velhos demais para entrar nas tecnologias mais recentes e, sobretudo, sem grande capacidade para olhar as tecnologias se integradas com ciência, engenharia e matemática (talvez esta última a mais simples de integrar a um nível elementar).

Ou, como fazer isto considerando STE2M – Science, Technology, Engineering, Mathematics and Management – onde o último M será o de Management, uma vez que dificilmente se conseguirá antever um futuro na ciência, na engenharia ou na tecnologia sem apoio matemático, claro, mas igualmente sem apoio de management? Há um custo benefício associado a tudo, como há a liderança de uma equipa, para irmos das questões mais financeiras (lato senso) para as questões mais próximas dos soft skills (também lato senso), no sentido de justificar este último M.

Se encarássemos a tecnologia apenas como ciência da técnica e simplificássemos muito as coisas poderíamos dizer que seríamos capazes de tudo isto e muito mais. Ou não. Até porque as coisas não são assim tão simples.

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Segundo Desafio: o mundo convencionou usar o ano 2020 como o ano horizonte para cumprir muitos dos objetivos a que se propõe. O número é redondo, é catchy, é sexy. Dá para, inclusive, termos um Portugal 2020 (que servirá para tudo como para nada). Dá para, igualmente, termos um STE2M 2020, i.e., uma programação curricular integrada para 2020. Como dá para termos todos e mais alguns projetos 2020. E termos o mundo 2020.

Ou seja e por partes. Dois grandes desafios: como conseguir que os mais velhos formem os mais novos com uma lógica STE2M e como conseguir cumpri-lo, obviamente de forma parcial, até 2020.

Em primeiro lugar e para responder a estes desafios é necessário trazer para a equação a gestão (management). Ou seja, não é possível, não nos parece possível, atacar curricularmente o STEM sem que seja STE2M. Porquê? Porque a própria equação curricular precisa de aspetos de integração de processos (que, bem vistas as coisas, poderão estar do lado da engenharia como do lado da gestão), questões financeiras e uma boa dose de soft skills – sublinha-se o que já se disse acima mas do lado das respostas.

Em segundo lugar deve pegar-se numa lógica profissional qualquer com futuro, à data de hoje, como a de data scientists e procurar ver como se chega a esse “produto final” e que condimentos serão necessários. Sendo uma das profissões mais requeridas nos próximos anos, pense-se então como conceber estruturas curriculares que integrem de forma harmoniosa ciência, tecnologia, engenharia, matemática e management, Difícil? Dificílimo.

Entre nós, Portugal, a aproximação curricular à gestão e engenharia industrial é, talvez, a mais próxima que temos, no mercado, capaz de integrar as duas componentes, engenharia e gestão, construídas sobre fortes componentes quantitativas (matemática) e usando tecnologias e ciência. Mas é preciso mais. Muito mais.

Ou seja, as formações de gestão e engenharia industrial seriam as que mais interessantemente integrariam a lógica curricular STE2M, revelando várias vertentes do perfil curricular dito com “um certo” futuro.

Para serem data scientists os gestores e engenheiros industriais precisam de algumas componentes mais: trabalho de dados, crunching de dados, gerir e manejar volumes de dados, variedade de dados, enfrentar fontes diferentes e estruturas diversas de dados. Enfim, precisariam de saber trabalhar doses maciças de dados, tornando-os visualmente atrativos e sempre próximos da decisão. Adicionalmente, sendo capazes de os compreender, para o que precisariam dos fundamentais financeiros, e de os negociar e vender, para o que seriam necessários soft skills. Possível com a formação atual? Claro que não porque estão ausentes as componentes referentes ao trabalho dos dados. Porém, estão lá doses importantes de quantificação, de management, de processos, de ciência e de tecnologia em termos de formação. Não estão, ainda, o trabalho de dados para tirar proveito de um patamar totalmente novo e que cria alguma rutura com o passado recente.

Dir-me-ão, claro, que é mais fácil trabalhar do outro lado, i.e., apenas do lado dos dados. Sim, responderei. Mas apenas e só para uma primeira fase e querendo passar uma vida a trabalhar dados mas não a ser capaz de crescer para os gerir ou decidir sobre eles. A estes, os que vão diretamente para os dados, faltarão todas as componentes de engenharia, de gestão, de ciência e até a compreensão de certas tecnologias. Como lhes faltará management. Mais fácil sair de uma engenharia e gestão para os dados do que dos dados para a engenharia e gestão. Portanto, minha opinião, o short cut não será assim tão simples.

Em terceiro e último lugar, como passar os conhecimentos que importam aos homens do futuro? E aqui entra muito do que pode ser um mundo novo para um velho professor. Podemos não usar sequer um quadro de sala de aula com umas canetas que, por vezes, apagam mal (para já não falar num quadro de giz). Podemos não usar sequer uma folha de papel ou livros impressos. Podemos não ter formatos de sala de aula mais ou menos convencionais. Podemos imaginar até muito do que se faz hoje como decrépito. Ou quase tudo. Os alunos responderão aos exames todos num PC ou num device qualquer. As calculadoras convencionais deixarão de existir para haver calculadoras integradas no dispositivo de resposta. As contas provavelmente serão apenas indicadas e o sistema (uma aplicação) resolvê-las-á. Ou seremos nós apologistas do fim dos exames? Difícil antever, muito difícil, na minha perspetiva. Por muitas e variadas razões, que aqui não vêm ao caso, mas que poderão dar origem a outro escrito.

Tudo o que se disse e mais tudo o que se possa pensar e fica sempre, sempre a faltar muito. Como se interage com os alunos? Como se revoluciona pedagogicamente o ensino de forma a torná-lo interessante? Com que tecnologias? Quais as experiências a proporcionar? Bom, tudo isto sem que seja um teatro e uma brincadeira porque as formações terão de continuar a ser sérias, com impactos verdadeiros na transformação das pessoas e para que essas mesmas pessoas sintam que estão, elas mesmas, a passar por experiências novas, que aportem valor e as façam crescer.

Voltando ao início. Três respostas que, na verdade, não respondem às questões que, recorde-se, assentavam em como conseguir que os mais velhos formem os mais novos com uma lógica STE2M e como conseguir cumpri-lo (pelo menos parcialmente) até 2020.
É certo que a vertente tecnológica assumirá uma dimensão ímpar nos próximos anos. Teremos de tirar partido dela. É certo que teremos mesmo de incluir partes quantitativas e management. E teremos, se estivermos mais para o lado da ciência, de incluir conhecimento fundamental. É certo que não se pode prescindir, em certas áreas, do conhecimento de engenharia e das tecnologias e processos que as engenharias trazem. Isto parece absolutamente certo. Mas como dar seguimento a um curricula STEM ou STE2M? E a uma experiência STEM ou STE2M, em particular quando se está do lado da gestão?

Penso que há uns básicos que devemos considerar como certos e talvez mesmo irrevogáveis. E que assentam em princípios que diria universais.

Um. Não estamos ao nível do final dos anos noventa e princípios do milénio em que muitos pensavam que o mundo se transformaria num ecrã. Que deixaríamos de comer bifes com batatas fritas, que não haveria last mile porque não haveria tangíveis. Onde quase se era levado a acreditar, erradamente, que tudo se passaria quase exclusivamente num ambiente online. Pura ficção, pura mentira. Não, o mundo não se transformou nem se transformará num ecrã e não será (jamais) um ecrã ou um seu sucedâneo. Este é o primeiro ponto que, qualquer que seja a transformação, tem de se defender. Porquê? Porque, na base, o homem continuará a ser homem. Física e espiritualmente.

Dois. Na linha do ponto anterior, deve pugnar-se para que o homem queira continuar a ser homem e não queira, não compactue, com a mirabolante sensação de que será eterno. Porque não será. Felizmente o homem não se irá transformar num deus maquinal depois da sua morte cerebral e física – as células são finitas. Uns chips podem ajudar a andar, um tag pode ajudar a guardar memória, umas próteses podem substituir a visão e a audição, um propulsor (solar?) pode substituir um coração, ritmando as batidas cardíacas… No entanto, e a coisa vai confirmar-se mesmo, porque a realidade falará mais alto, talvez possamos viver uma vida de até 125 anos. E é isso que hoje nos é “permitido” viver. E só. Presumo que, mesmo observando este limite com algum misto de esperança e outro tanto de medo, as condições não serão, efetivamente, as melhores. Ou seja, melhor morrer antes, bem antes desse patamar. Haverá aqui muitos discordantes, bem sei, sobretudo os que acham que têm poderes eternos, não obstante a sua pequena finitude. Paciência.

Três. Isto leva-nos ao terceiro e último ponto. Vivamos 50, 100 ou mesmo 200 anos, seremos finitos neste mundo. Teremos aspetos sociológicos e antropológicos conhecidos. Seremos seres sociais e relacionais. E, só depois, bem depois, seremos seres STE2M, seja lá isso o que for. Até lá, continuaremos a experimentar como fazer melhor para com os nossos alunos. Quais as formas de melhor ensinar? Quais as formas de melhor aprender? Quais as formas de melhor preparar para o futuro e integrar conhecimentos? Quais os curricula integrados mais interessantes? Conhecendo tudo…tudo perderia a graça. E até mesmo a vida deixaria de fazer sentido. Que dizer da ciência, da tecnologia, da engenharia, da matemática e da gestão se tudo se conhecesse? Que seria se os mais velhos já soubessem e soubessem sempre como ensinar os mais novos e se tudo acabasse em 2020? Diria, no mínimo, que tudo teria uma enorme falta de graça.

Professor Catedrático, NOVA SBE – Nova School of Business and Economics