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Falta de pilotos já põe em causa busca e salvamento

Esquadra dos helicópteros de busca e salvamento só tem seis pilotos comandantes. Força Aérea queixa-se de cortes orçamentais. Morte de doente nos Açores põe a nu dificuldades.

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“Desde muito cedo soube que queria ser piloto. Deveria ter cerca de cinco ou seis anos e já estava determinado em seguir este sonho”. E assim foi. “Tornei-me piloto militar, fiz missões que marcaram a diferença, trabalhei com excelentes profissionais e voei de uma maneira impossível de voar no mundo civil”. Jurou servir e defender a pátria “mesmo com o sacrifício da própria vida” e cumpriu. Lamenta apenas não ter tido “algum tipo de reconhecimento” pelos “sacrifícios que tive de efetuar e continuam a ser diariamente efetuados pelos que se encontram nas esquadras de voo”. Quer manter o anonimato, mas pouco importa a sua identidade. É a voz que dá voz a muitos dos pilotos experientes que a Força Aérea perdeu.

Desde 2007 – ano em que o tempo mínimo de serviço na especialidade de piloto aviador aumentou de 8 para 12 anos – até 2010 terão saído das fileiras mais de 100 pilotos.

O abandono das fileiras dos pilotos com mais experiência tem sido uma tendência ao longo dos anos. Uns saem por abate ao quadro, outros por passagem à reserva e outros, os que estavam em regime de contrato, saem ao fim de seis anos. Incluindo estes três grupos, ao todo, desde 2007 – ano em que o tempo mínimo de serviço na especialidade de piloto aviador aumentou de oito para 12 anos – até 2010 terão saído das fileiras mais de 100 pilotos.

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E a falta de pilotos comandantes teve o seu efeito mais nefasto este sábado, quando um homem não foi salvo a tempo nos Açores porque o EH101 tinha sido desviado para a Madeira – local onde a Força Aérea mais sente falta de pilotos comandantes.

Uma das consequências é a sobrecarga de trabalho para os ficam. O piloto com quem o Observador falou e que já saiu explica que “passava bastantes dias fora de casa”. “O que custa mais é o prolongado afastamento da família e amigos”, confidencia. Por isso, por mais que gostasse do que fazia, sair não foi difícil: “Esta escolha colocou-se quando o tempo que tinha que passar fora de casa atingiu os seis meses num só ano”. “Foi uma decisão entre a carreira de piloto militar e a vida familiar. Só era possível escolher uma. Não pensei duas vezes.”

Era piloto comandante na função e capitão no posto. A juntar ao desgaste dos dias passados fora em destacamentos, alertas, missões e treinos, juntou-se a antevisão da estagnação da carreira por volta dos 40. “Estando a voar numa companhia civil, poderei efetuar toda a minha carreira dentro de um cockpit e não sentado atrás de uma secretária”.

No civil, um piloto pode ganhar entre os 3.500 e os 6.000, dependendo da companhia.

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Se tivesse continuado estaria a receber cerca de 1.900 euros. No civil, um piloto pode ganhar entre os 3.500 e os 6.000, dependendo da companhia. Além disso, sublinha, o “mundo da aviação civil é bastante mais tranquilo. Os pilotos têm uma função altamente especializada e, ao contrário da aviação militar, servem essencialmente para desempenhar funções de voo”. “Na aviação militar, pelo contrário, os pilotos são muitas vezes saturados com funções burocráticas e tarefas não relacionadas com o voo”.

Um longo caminho

Até chegarem a pilotos experientes têm de fazer um longo percurso. Primeiro entram na Academia da Força Aérea. São quatro anos de aulas teóricas, além da componente militar e física. De seguida fazem o tirocínio, a componente prática de voo. Quando acabam a Academia têm o brevê, são pilotos, mas “não estão aptos para pilotar nenhum avião que desempenha missões da Força Aérea”. Essa especialização acontece quando vão para uma esquadra onde têm horas de voo de treino.

“Num mundo ideal, o piloto chegaria à esquadra, teria imediatamente as horas de voo para ficar pronto, porque num mundo ideal não haveria desperdício”, explica ao Observador um piloto. Mas a realidade não é bem assim. “Agora o que acontece é que muitas vezes, com a escassez de recursos, a esquadra tem de gerir quando vai poder dar essas horas de formação”, ao mesmo tempo que executa missões. “O piloto pode ter de fazer um compasso de espera de semanas, ou até meses, até que peguem nele para ter a formação específica naquela aeronave”, sublinha outro dos pilotos.

Em termos operacionais, a Força Aérea tem cerca de 100 pilotos que garantem, entre outras coisas, a defesa nacional, fazem transporte, busca e salvamento, além de desempenharem tarefas de apoio à população, incluindo transporte médico, resgate de emergência e combate a calamidades. Pilotos experientes que operam nas 11 esquadras e voam em máquinas como, por exemplo, os F16 – de luta aérea ofensiva e defensiva- ou os conhecidos EH 101– helicópteros que executam várias missões de apoio tático e de busca e salvamento. Mas com a saída dos mais experientes, a Força Aérea confronta-se com um problema. Existem pilotos em número suficiente, mas não há horas de voo suficientes para os qualificar em determinadas aeronaves.

Faça chuva ou faça sol, a missão nunca fica para trás. Assim dita o Estatuto da Condição Militar, que estabelece que estejam disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por semana.

Faça chuva ou faça sol, a missão nunca fica para trás. Assim dita o Estatuto da Condição Militar, que estabelece que estejam disponíveis 24 horas por dia, 365 dias por semana, ainda que com o sacrifício dos interesses pessoais. São-lhes também impostas restrições no exercício de alguns direitos e liberdades: não podem ter partido, nem sindicato, nem tão pouco fazer greve.

Um dos pilotos com quem o Observador conversou está no ativo e passa entre quatro a seis meses fora de casa em missões de busca e salvamento. As remunerações, explica, “não têm rigorosamente nada a ver com a função. São única e exclusivamente por posto”. Subiu na hierarquia. Passou de tenente a capitão já com cortes. Leva para casa 1.800 euros líquidos (sem cortes seriam 2.300).

Mas dantes, recorda, havia uma série de “formas de compensar” estas restrições, como, por exemplo, “o sistema de saúde, a segurança, as perspetivas de carreira”, formas que tornavam a carreira atrativa. Sentem-se, por isso, desmotivados e cansados, mas vão resistindo. Ainda assim começam a pensar que “entre estar num sítio onde não me dão valor, e noutro em que também não me dão valor mas chego ao fim do dia e vou para casa usufruir da qualidade de vida, obviamente que as pessoas vão”.

Outro dos pilotos aviadores que acedeu dar o seu testemunho explica que as suas expectativas saíram defraudadas a três níveis. Diz “ter um enorme orgulho” naquilo que faz, sente que é “útil” ao país”, mas o “reconhecimento” da  profissão, sobretudo, na sociedade civil “foi uma grande desilusão”. “Fico emocionado, às vezes, com comentários que põem em causa a minha dignidade. Em termos financeiros, sublinha, “sabia que não ia ganhar muito”, mas sempre pensei: “Faço o que gosto” e “tenho a minha carreira”.

A terceira expectativa defraudada prende-se com o “desempenho operacional das funções”. “O Estado português investiu centenas de milhares de euros na minha formação e agora para poupar dois ou três mil euros” não me “é dada determinada formação”. Fazendo uma comparação: “É como comprar um Ferrari e deixá-lo parado, porque não se tem combustível.”

As restrições orçamentais impostas levam à redução das horas de voo para qualificação e isso tem consequências. “É exigido o cumprimento das missões, que são sempre cumpridas – é para isso que o piloto é formado e está formatado -, mas isso pesa muito na sua qualidade de vida e na vida familiar”. 
Coronel Manuel Pereira Cracel, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas

“Passa-se para a opinião pública a ideia de que os pilotos abandonam a Força Aérea para ter acesso a melhores salários. Não é isso”, recusa o coronel Manuel Pereira Cracel, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), a quem recentemente se juntaram em bloco 98 pilotos aviadores.

“A razão primeira prende-se com questões de ordem interna”. As restrições orçamentais impostas levam à redução das horas de voo para qualificação e isso tem consequências. “É exigido o cumprimento das missões, que são sempre cumpridas – é para isso que o piloto é formado e está formatado -, mas isso pesa muito na sua qualidade de vida e na vida familiar”. “Muitas vezes a solução é sair”.

Diz o coronel Pereira Cracel que aquilo que se passa com os pilotos é o espelho do que se passa nas Forças Armadas em geral. “É tempo de parar, pensar e encontrar uma solução melhor”, porque não é aumentando o tempo de permanência que se resolve o problema de “forma eficaz”. Tem de passar por dar “dignidade e condições para que os militares possam desempenhar as suas funções e se sintam bem”.

Sair nem sempre é fácil, porque o que os pilotos querem mesmo é voar. “Eu quero ficar”, sublinha um dos pilotos comandantes que falou com o Observador, mas, lamenta, “se o seu patrão lhe começar a reduzir o ordenado, a aumentar as horas de serviço e a restringir os seus direitos, o que é que pensa?”. Começo a “chegar à conclusão que o Estado português não quer que eu fique”. E este é o retrato do que se vai passando na fileira.

Porto Santo: a parte visível do problema

O problema mais visível da incapacidade da Força Aérea portuguesa reter nas fileiras os pilotos mais experientes chama-se Porto Santo, no arquipélago da Madeira. O comandante do destacamento de Porto Santo teve de ser retirado devido à falta de efetivos, ou seja, está lá o helicóptero e a tripulação, mas sem comandante não levanta voo. Todo o dispositivo de busca e salvamento sofreu alterações. Passou apenas a contar com um alerta no Montijo (uma tripulação de C295 e uma tripulação de EH101), mas só existe um EH101 nos Açores e uma tripulação sem comandante em Porto Santo.

Em caso de necessidade, a solução encontrada é enviar o helicóptero que está no Montijo ou o dos Açores. Foi o que aconteceu no sábado. Neste dia em que foi solicitado de emergência o EH101 dos Açores, o helicóptero militar usado para estas situações não estava disponível, por estar a ser usado noutra operação, na Madeira.

O homem estava “gravemente ferido” depois de ter sido colhido por um touro, na Ilha de São Jorge. Acabou por morrer à espera de transporte para o hospital de Ponta Delgada, na ilha Terceira. Em comunicado, a Força Aérea justificou: “Dado que a previsão para aterragem em S. Jorge ocorreria depois do pôr do sol, a evacuação teria de ser realizada por helicóptero EH101 Merlin destacado na Base das Lajes, uma vez que a aeronave C-295 não opera naquele aeródromo no período noturno. Todavia, o helicóptero EH-101 Merlin encontrava-se a cumprir uma evacuação sanitária de um tripulante de um navio localizado a cerca de 980 Km da Ilha Terceira, estando por isso indisponível”.

Outra alternativa para tapar a falta em Porto Santo seria levar do continente um piloto comandante. Segundo disse um piloto comandante que faz parte da AOFA ao Observador, a prontidão nunca será a mesma. Se lá estivesse um piloto comandante o tempo de resposta podia variar entre 30 a 45 minutos no máximo a colocar o helicóptero em marcha. Com estas alterações, nunca aconteceria “em menos de duas horas a quatro”, e é uma estimativa otimista.

Porto Santo é o destacamento mais afetado pela falta de pilotos comandantes

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“O que se está a fazer é a dar uma falsa sensação de segurança. Estão lá [Porto Santo] para dar a ideia de que o dispositivo se mantém e para que os países que pagam as taxas de sobrevoo do nosso espaço aéreo não se comecem a queixar de que o serviço de busca e salvamento em Portugal já não merece o valor que eles pagam”, diz outro dos pilotos filiados na AOFA.

Além disso, sublinha um outro piloto, “o destacamento de Porto Santo é uma rede de segurança muito importante”. “Só temos um EH101 nos Açores com uma tripulação. Se aquela tripulação tiver de ir fazer uma evacuação a 350 milhas a oeste das Flores- que fica quase a meio caminho para os Estados Unidos – e tiverem um acidente não há ninguém para os ir buscar. E esse helicóptero de Porto Santo uma das coisas que permitia era exatamente isso”.

Na semana passada, na Assembleia da República, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, José Pinheiro, disse estar preocupado com a redução das horas de voo, que passaram de 25 mil, em 2010, para 18.500, em 2013. Estas restrições têm atrasado a substituição daqueles que vão saindo das diferentes esquadras, sendo que o caso mais grave neste momento é o da esquadra 751, que só tem seis pilotos comandantes para assegurar as missões de busca e salvamento e de interesse público. Esta esquadra, sediada na base do Montijo, e com destacamento em Porto Santo, na Madeira, e nos Açores, na ilha Terceira, cobre toda a costa ocidental portuguesa.

O Observador questionou no dia 18 de junho o Estado-Maior da Força Aérea sobre a questão da qualificação e retenção de pilotos, e sobre o tempo que demoraria a colocar um piloto comandante em Porto Santo, bem como a prontidão do dispositivo, mas até ao momento não obteve resposta.

Já o Ministério da Defesa disse ao Observador que, face à exposição feita em janeiro pelo Estado-Maior da Força Aérea, desbloqueou uma verba de 1,7 milhões para formação.

A crise crónica dos pilotos

A Força Aérea não tem falta de pilotos, tem é falta de pilotos experientes. Só para termos uma ideia do tempo que demora a formar um piloto experiente, um dos pilotos que falou com o Observador explica que, no seu caso, “foram 10 a 11 anos até ser considerado experiente, desde entrar na academia (quatro anos, mais o tirocínio) até conseguir ser comandante de bordo de uma aeronave”.

As restrições orçamentais dos últimos anos têm agravado um problema que não é novo: os mais novos demoram mais tempo a ganhar qualificações e, por conseguinte, torna-se cada vez mais difícil, para não dizer impossível, substituir os pilotos com mais experiência.

Nas fileiras o moral está em baixo. “As pessoas estão muito cansadas, física e psicologicamente. Nos últimos anos têm-se realizado mais missões, com menos pessoas”, relata um tenente-coronel, que também ele pede anonimato para não incorrer em violação de sigilo.

“Formar um piloto é caro e cada vez que sai um, temos de começar tudo do zero. Gastar mais tempo e mais dinheiro”, sublinha. Por isso, acrescenta, além do plano de formação que já está a ser feito, é necessário por “parte do poder político e das chefias criar condições para que eles não saiam”.

Mas como, pergunta o Observador? “Com mais dinheiro para os vencimentos, mais dinheiro para ter pessoal no quadro. Neste momento, está-se a exigir mais do que os pilotos podem dar. Não podem ficar sem ir a casa mais de dois ou quatro meses, durante anos. É preciso repartir o trabalho, dar melhores condições de trabalho e de apoio à família, por exemplo, criando creches próximo das bases”, diz este piloto. “O amor à camisola é finito e não põe comida na mesa, nem mantém uma família unida.”

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