Num open-space, armas improvisadas e capacetes confirmam a eliminação do inimigo. Simulação da mítica war room de Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick? Sessão de jogos virtuais de um conjunto de nerds informáticos? Ou simplesmente um momento difícil de um hospital psiquiátrico? Nada disso. Estamos na sala de controlo de qualidade de uma premiada empresa portuguesa.
A 1 de Março de 2001, a Universidade de Coimbra comemorava 711 anos de existência. No mesmo dia, a WIT Software abria as portas como uma spin-off (uma nova empresa surgida a partir de uma estrutura já existente, com o objetivo de explorar um conteúdo específico) ligada ao histórico estabelecimento de ensino. Aos poucos, foi produzindo material na área das telecomunicações móveis. Material não palpável pelo utilizador, consistindo em infraestruturas para operadores do sector. Nos últimos seis anos, cresceu 1,500%. Não há zeros a mais.
Crise, austeridade, desespero e pessimismo. Eis o léxico do dia-a-dia de muitos portugueses. No quartel-general da WIT, situado em Taveiro, arredores de Coimbra, esses termos não entram. “Só sentimos o país real quando chegamos a casa e ligamos o telejornal”, diz o presidente executivo, Luís Moura e Silva. Não há uma sombra de arrogância nestas palavras. Também não há qualquer lógica moralista. O empresário tem consciência de que “a situação do país é triste”. Só que, operando em mercados internacionais onde os problemas económicos foram bem menores, permitiu-lhes contrariar o ciclo.
O processo de crescimento foi lento. Na fase inicial, a WIT trabalhava essencialmente no mercado nacional. Quando as receitas o permitiram, começou a investir em produto próprio. Estávamos em 2007 e eis que se abriu a Caixa de Pandora da internacionalização. O boom surgiu em Fevereiro de 2012. Com o advento de plataformas como o skype, as empresas de telecomunicações perderam parte das suas receitas em chamadas e mensagens. Foi preciso criar alternativas. Uma delas chamava-se RCS e a vitória num importante concurso permitiu à WIT ganhar protagonismo no exterior. Hoje, tem como clientes operadores como a Deutsche Telekom, a Telefónica, a Orange ou a Unitel.
Paulo Sousa está na empresa desde o início. Nunca teve outro emprego. A micro-empresa transformou-se numa empresa de dimensão média e é hoje razoavelmente grande. “Uma aposta vencedora, uma viagem interessante”, resume. Nos primórdios, eram apenas oito profissionais. Atualmente, só em engenheiros, são 200. E não são mais porque, coisa rara, a oferta de emprego é maior que a procura. “O país é pequeno e faltam engenheiros de software”, garante Luís Moura e Silva. Seja como for, pretendem continuar a concentrar a produção em Portugal, “por uma lógica patriótica”. Para além da sede em Coimbra, a WIT tem hoje sucursais em Leiria, no Porto e em Lisboa. E escritórios comerciais no Reino Unido, na Alemanha e nos Estados Unidos.
Apesar do crescimento, Paulo realça o objetivo de manter intacta a cultura da empresa. Uma cultura que, segundo o próprio, implica o estímulo da proatividade e do “desenrascanço” e uma lógica de proximidade (interna e com os clientes). Deve poder acrescentar-se o bem-estar no trabalho, dada a forte iluminação natural de grande parte das salas ou a existência de diversos espaços mais descontraídos, sejam de trabalho ou mesmo de convívio. Numa sala chill-out, vemos material de som, puffs ou uma mesa de snooker. Para Paulo, é um local fundamental para manter um certo espírito de informalidade na empresa. Em fundo, a caricatura colorida de quatro figuras mediáticas: Fernão de Magalhães, Mahatma Gandhi, Albert Einstein e Steve Jobs. Respectivamente, representam quatro aspectos da filosofia da empresa: descoberta, humildade, inteligência e inovação.
Nos espaços de trabalho, há um que se destaca. É aí que estão as pistolas e os capacetes, qual sala da misteriosa Área 51 americana. Depois de produzido o software, este precisa de ser testado e corrigido. Os bugs informáticos têm de ser exterminados. As armas e um peluche enjaulado, pronto a ser atingido, representam a teatralização pitoresca da acção.
Em qualquer um dos open-spaces, encontramos dezenas de engenheiros. Cliché: engenheiro do sector, substantivo masculino, atividade para homens, que a informática e o software não são coisas para as mulheres. Por mais retrógrada que seja esta perspetiva num país supostamente progressista, o certo é que a realidade acaba por confirmá-lo. As proporções masculinas nos cursos de Informática e no consequente mercado de trabalho são gigantescas. Mas há exceções. Helena Graça trabalha na WIT há três anos. Entrou inicialmente como estagiária e não sente qualquer discriminação. A experiência está a ser “uma aventura, sempre com novos clientes e novos desafios”. A diferenciação só é sentida, por vezes, de forma positiva, nomeadamente nas pequenas brincadeiras que lhe fazem no dia da mulher.
Nos últimos tempos, a WIT tem acumulado distinções de prestígio. Venceu, em Novembro, o Prémio PME COTEC Inovação e, neste mês de Maio, o Prémio INSEAD de empreendedorismo. Pelo meio, recebeu um importante galardão em Barcelona. Nos “óscares das telecomunicações”, conforme designou Moura e Silva, a empresa apareceu lado-a-lado com grandes estruturas americanas e chinesas. Apesar do estatuto, o CEO não esquece as origens e a ligação ao mundo académico. Acaba por, de forma não intencional, dar argumentos económicos para contrariar o desinvestimento científico em tempos de crise: “O conhecimento, por si, não vale dinheiro, mas quando é transformado em algo útil para o mercado global, produz riqueza para o país”.
O prestígio e a visibilidade internacionais fazem com que a empresa tenha, em 2013, exportado 80% do que produziu. Neste ano, as metas passam por entrar em mercados emergentes americanos e asiáticos, aumentar a faturação em 50% e contratar novos engenheiros Para além da descoberta, da humildade, da inteligência e da inovação, a ambição, O país pode ou não definhar. A WIT Software pretende continuar a crescer.
Texto e fotos: João Torgal