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Um clube em chamas. O final de ciclo de José Mourinho no Santiago Bernabéu foi penoso, com várias histórias e polémicas a tornarem-se públicas, principalmente através do livro “A Guerra de José Mourinho” de Diego Torres, um jornalista do El País. No relvado, os merengues também não enchiam o olho, e muito menos aqueciam o orgulho madridista, que se sentia cada vez mais ferido pela forma submissa como o português montava a equipa contra o Barcelona. Os merengues não ganharam qualquer título em 2012/13. “Zero titoli”, como diria Mourinho.

Carlo Michelangelo Ancelotti. Com este nome estava mais que visto que deixaria obra feita. No Milan superou Brian Clough, o treinador do Nottingham Forest que entre 1974 e 1993 ganhou mais Ligas dos Campeões (1979 e 1980) do que campeonatos (1977/78): em oito anos de Milan, Carletto, como também é conhecido, ganhou apenas um campeonato (2003/04), mas compensou com dois troféus da Champions (2003 e 2007) e um Mundial de Clubes (2007). Seguiu-se a dobradinha no Chelsea e o título no PSG. Agora, o Santiago Bernabéu. Dois campeões de mão de dada. Em ano de estreia já ganhou a Copa do Rei e pode oferecer a tão desejada décima Liga dos Campeões aos adeptos.

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Com tranquilidade. “Um pai, um maestro, divertido, a pessoa com quem passei os melhores anos”, assim o descreveu Andrea Pirlo, na sua biografia “Penso, logo jogo”. Paolo Maldini, numa biografia de Ancelotti, explicou a receita do sucesso do italiano: “Não é treinador de fazer as coisas sozinho e isso denota uma grande inteligência. De todos os treinadores que tive, foi aquele que lidou com o balneário com mais serenidade.” Durante os jogos, normalmente podemos vê-lo tranquilo a ler o jogo e a trocar uma ou outra palavra com o adjunto, Zinedine Zidane. Por vezes, o sangue latino vem ao de cima e ferve, o que o leva a berrar furiosamente para o relvado. Mas é um treinador que sabe que o protagonismo é para os jogadores. Sabe o seu lugar.

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Chegou e tudo mudou. “Com Ancelotti, o Real tem a capacidade de jogar”, palavras de Pep Guardiola, em abril, aquando da meia-final da Liga dos Campeões. Mas muito antes de lutar pelo títulos, o italiano marcou a diferença pela forma de estar. Ancelotti poderia muito bem ser um carteiro, um taxista ou o proprietário de um café. É um homem simples, pacato. A normalidade está muito bem para ele. Nas conferências de imprensa é sempre um gentleman e nunca entra em polémicas. A serenidade depois do 4-0 em Munique é sublime. O homem foi jogador e sabe muito bem o que sentem os jogadores. Engraçado foi também vê-lo a abrir a boca, cheio de sono, quando o autocarro do Real Madrid estava prestes a arrancar para os festejos da vitória da Copa do Rei. Era só mais uma taça para Carletto, senhores.

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“Eu era um jogador inteligente, ‘taticamente bravo’, generoso, com boas qualidades técnicas. A minha melhor qualidade era ver o que se passava no campo”, assim se descreveu Carlo Ancelotti numa entrevista, onde podemos ver alguns lances do antigo médio. Como jogador, venceu duas Taças dos Campeões Europeus  no Milan de Arrigo Sacchi (1989 e 1990), a última equipa que conseguiu ser bicampeã até hoje — há quem diga que foi a melhor de sempre. “Foi o melhor treinador que tive”, admitiu Ancelotti na mesma entrevista ao canal Plus. Ancelotti foi titular nessas duas conquistas. Na primeira fez os 90 minutos na goleada por 4-0 contra o Steaua de Bucareste de Hagi — Ruud Gullit e Van Basten bisaram. Antes, na meia-final, os rossoneri haviam despachado o Real Madrid e Ancelotti marcara um golaço. A segunda Taça dos Campeões foi às custas do Benfica de Sven-Göran Eriksson. Desta vez não jogou toda a partida e deu lugar a Massaro aos 75 minutos. Rijkaard resolveu a final de Viena (1-0).

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A estreia na Europa aconteceu, curiosamente, com uma vitória sobre o Vitória de Guimarães (2-1), quando treinava o Parma (setembro de 1996). A sua história é muito, muito longa na Liga dos Campeões. No total, entre passagens por Parma, Juventus, Milan, Chelsea, PSG e Real Madrid, soma 134 jogos: 73 vitórias, 33 empates e 28 derrotas. O italiano já conquistou dois troféus desta competição. Recordemos: em 2003, no Teatro dos Sonhos, os milaneses bateram a Juve em penáltis, depois de um teimoso 0-0 não se desbloquear. Em 2007, em Atenas, Inzaghi vestiu a pele de herói frente ao Liverpool e bisou na vitória por 2-1 (Kuyt reduziu aos 89′). Pelo meio perdeu uma final que vencia por 3-0 ao intervalo. O Liverpool conseguiria empatar e venceria na marcação dos penáltis. O italiano é um dos seis magníficos que conseguiram vencer a competição como jogador e treinador: Guardiola, Rijkaard, Trapattoni, Miguel Muñoz e Cruyff. Como é que ele reage a isso? “Tive a sorte de estar no lugar certo à hora certa.” Serenidade.

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Talvez seja um exagero dizer que é o pináculo das histórias do italiano, mas tem a sua graça. É publico que Carlo Ancelotti gosta de, sempre que pode, puxar do seu cigarrinho. O hábito ganhou-o aos 25 anos quando se lesionou, enquanto jogador da Roma. O mesmo hábito caminhou lado-a-lado com ele para a vida de treinador e era normal vê-lo a fumar no banco. Em Itália era permitido até há bem pouco tempo. Mas nos outros sítios nem por isso. Em 2007, quando visitou o estádio do Celtic, Ancelotti recebeu uma reprimenda porque estava a fumar no banco. “Em Itália, há três anos ainda podíamos fumar no banco”, explicou-se. Em vão… “Eu costumava gostar disso, no entanto, lembro-me que uma vez, quando jogámos contra o Ajax nos quartos-de-final da Liga dos Campeões (2003), marcámos no último minuto e o Gennaro Gattuso saltou do banco e agarrou-me por trás. Quase que engoli aquilo [o cigarro]…”