Quinta-feira, 8 de julho de 1982. Um dos melhores jogos da história dos Campeonatos do Mundo aconteceu nesse dia. Setenta mil adeptos esperava ansiosamente pelas 21h. O palco era o Sánchez Pizjuan, em Sevilha. De um lado, Schumacher, Paul Breitner e Felix Magath. Rummenigge, o grande avançado germânico de então, estava limitado fisicamente e ficou no banco. Do outro, havia jogadores como Tigana e Didier Six, mas estavam a anos luz de Michel Platini, a grande figura.
Apesar do brilhantismo nesse jogo das meias-finais, a pegada de ambas as equipas nem foi espetacular até essa fase do torneio. Na fase de grupos, a França só venceu o Kuwait (4-1). Aconteceu depois da derrota contra a Inglaterra (1-3) na jornada inagural — Brian Robson marcou logo aos 27 segundos, o golo mais rápido do torneio. O empate frente à Checoslováquia (1-1) foi suficiente para os gauleses seguirem em frente. A Alemanha Ocidental (RFA) também começou com uma derrota: Argélia (1-2). Madjer, o avançado do FC Porto, marcou o primeiro dos africanos, no estádio El Molinón, em Gijón. Seguiu-se uma goleada ao Chile (4-1), cortesia de Rummenigge, que fez um hat-trick. Na última jornada, os germânicos bateram a Áustria com um golo solitário de Hrubesch.
Era tempo de disputar a segunda fase de grupos. Aqui a França já não esteve para brincadeiras. Um-zero à Áustria e 4-1 à Irlanda do Norte selaram a passagem para as meias-finais. A RFA teve uma tarefa mais difícil mas a coisa correu bem. Um empate sem golos contra a Inglaterra e uma vitória contra a Espanha (2-1) empurrariam os germâncos para um duelo que mais parecia um ajuste de contas do passado. Teríamos um escaldante França-Alemanha.
Bom, respiremos fundo. A lengalenga para contextualizar este memorável jogo já está para trás das costas. Vamos ao que interessa. A RFA do treinador Josef Derwall começou com Schumacher, Briegel, Breitner, Foerster, Dremmler, Littbarski, Fischer, Magath, Stielike e Kaltz. Michel François Hidalgo, o selecionador gaulês, apostou em Ettori, Amoros, Bossis, Janvion, Tresor, Genghini, Platini, Giresse, Tigana, Rocheteau e Six.
Charles Corver, o árbitro holandês, apitou para o começo da partida. Estava aberta a caça a um dos melhores jogos da história do futebol. Aqueles que são dotados de mais memória e saber dizem que este jogo se intromete entre os grandes, como o “Maracanazo” de 1950, o Hungria-Uruguai de 1954 e até aquele espectacular Itália-Brasil, exatamente três dias antes deste França-Alemanha de que falamos. Os golos de Sócrates e Falcão foram insuficientes para o show de Paolo Rossi (hat-trick).
Aos 17’, Fischer isolou-se mas Ettori esteve impecável na mancha; na recarga, já fora da área, um remate seco de Littbarski inaugurou o marcador. Nem dez minutos volvidos, e a França beneficiou de um penálti. Platini beijou a bola e colocou-a na marca. Depois fez o que sabia melhor: brilhar. Bola para um lado, Schumacher para o outro. Estava tudo como começou.
Aos 50’, o selecionador francês lançou na partida Partick Battiston, um defesa que atuava no Saint-Étienne. Sete minutos depois, Battiston esteve perto de ser o herói… mas acabou inconsciente. Platini tinha a bola colada ao pé e bastou levantar a cabeça para ver Battiston a aproveitar o espaço concedido pelos centrais germânicos, Manni Kaltz e Stielike. A bola, essa danada que só responde daquela maneira aos génios, seguiu com olhinhos. Schumacher começou a correr. Battiston chegaria primeiro e desviaria do guarda-rede alemão. O remate saiu fraco e ao lado, mas a locomotiva Schumacher não teria um botão de “stop” e abalroaria o francês. Battiston ficou inconsciente, perdeu dois dentes e fraturou três costelas. É arrepiante ver o vídeo. O alemão virou-se no ar, ficando meio de costas e atingiu o francês com a anca. Platini abria os braços para o árbitro, como quem pergunta “como é possível não fazeres nada?”. E como foi a reação de Schumacher? Tudo cool. Estava de mãos nas ancas. O alemão só queria bater o pontapé de baliza e queixava-se da situação.
Os franceses tentavam perceber o que se passava e pediam assistência com urgência. Platini assumiu mais tarde que pensou que Battiston estava sem vida: “Ele não tinha pulso. Estava tão pálido”. O defesa acabou por ser conduzido para fora do relvado numa maca, acompanhado pelo médico e por Platini, que terá dado um beijo na mão do colega quando chegaram à linha lateral.
“Eu sabia que o guarda-redes ia sair. Eu vi-o mas era tarde de mais. Eu estava desesperado para marcar. (…) Não me lembro de muita coisa”, recordou Battiston a uma entrevista à FIFA TV. “Eu saí da baliza e o Patrick vinha a correr em direção a mim. Eu tinha os meus braços, pernas e joelhos bem abertos e saltei na sua direção. Virei-me para que o impacto não fosse tão forte”, disse Schumacher no mesmo programa da FIFA TV. “Quando o vi deitado sabia que ele estava lesionado. Ele não se mexia. O Platini e o Tigana estavam lá. Estava toda a gente à volta dele. Eu sabia que o jogo dele tinha acabado. Quando o vi sair do relvado percebi que era algo sério e eu tinha de jogar com esse pensamento na minha cabeça”, desabafou. Bom, tanto lamento para quem estava com aquele ar indiferente e louco para bater um pontapé de baliza…
O jogo só voltaria a ter golos no prolongamento. Trésor (92′) e Giresse (98′) colocariam os franceses a vencer por 3-1. Dificilmente perderiam a final no Santiago Bernabéu. Mas, e mesmo com uma lesão na coxa, Rummenigge entrou em campo para fazer tremer a defesa gaulesa. O avançado reduziria para 3-2 aos 102′ e Fischer empataria aos 108′. Que jogo de loucos! Vale a pena ver este resumo e sentir inveja por não vivermos estes tempos. A vitória acabaria por sorrir aos alemães em penáltis: 5-4. Alguns fraceses choravam e os alemães, após aquele penálti vitorioso de Hrubesch, saltavam felizes da vida.
“Foi a melhor partida que joguei. Foi um jogo que quase deu ataques cardíacos aos adeptos nas bancadas”, disse Schumacher. E quanto a Battiston? “O mais importante para mim é que tive a oportunidade de pedir desculpas ao Patrick. Não interessa o que as pessoas dizem ou a comunicação social, o Patrick aceitou as minhas desculpas e estou contente porque deixámos este incidente para trás”, disse o ex-guarda-redes, agora gestor de uma agência de marketing.