Quando disse ao taxista que queria ir para a Praça da Piedade, perto do Campo Grande, para o Gabinete Português de Leitura, ele olhou pelo retrovisor e respondeu: “você vai para um dos edifícios mais bonitos de Salvador”. Mesmo não conhecendo ainda muitos edifícios da cidade, quinze minutos depois a constatação. Branco, imponente, estilo neomanuelino, com três frentes. É bonito, sem dúvida.

Depois de passar a grade de ferro da entrada principal, à direita fica a Biblioteca Infante D. Henrique. Mas a ela já lá vamos, antes temos de subir ao primeiro andar. No salão anexo, que fica à esquerda depois das escadas, está, desde hoje, 10 de Junho, uma exposição sobre a vida e obra de Luís de Camões.

A inauguração é o único ato oficial de celebração do Dia de Portugal em Salvador. “É um gesto que o Gabinete faz questão de assinalar simbolicamente neste dia. Não tem muita gente, é mais o gesto do que outra coisa”. O cônsul de Portugal em Salvador, José Lomba, é uma das sete pessoas que está na sala. A data vai passar apenas com este gesto por causa do Mundial. Com a seleção em Salvador daqui a dias, e com a anunciada visita do Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho para dia 15, os atos oficiais foram agendados para esse dia. O problema é que Passos Coelho, afinal, não vem. “Por razões internas de política, por causa da situação criada pelo acórdão do Tribunal Constitucional, (o PM) decidiu que seria conveniente ficar em Portugal”, explica José Lomba. Em representação de Passos Coelho está previsto que venha o ministro da presidência, Marques Guedes, para a abertura do Mundial e para as comemorações em Salvador, dia 15.

Exposição sobre Camões O reajustamento nas datas não afecta minimamente o anfitrião, o vice presidente do Gabinete Português de Leitura. Abel Travassos fez questão de manter o plano inicial e, como em todos os 10 Junho que passou na direção do Gabinete, e já foram muitos, preparou alguma coisa. Os 38 quadros sobre a vida e obra de Camões fazem parte do acervo do Gabinete, foram enviados de Lisboa em 2000. Os cavaletes, de aço, foram feitos numa empresa de Abel, que depois os montou aqui.

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Exposição de 29 miniaturas de navios, todas feitas à mão

Do lado de fora do retângulo formado pelos 38 quadros há também uma exposição de navios. 29 caravelas, paquetes e navios de guerra. Todos feitos à mão por José Nunes, amigo de longa data de Abel Travassos. “Quando eu vim ele era o comandante de máquinas do Vera Cruz”.

O paquete está intimamente ligado à história de Abel. “Estou há 60 anos aqui no Brasil, fez agora em março. Vim no Vera Cruz”. Demorou dez dias a chegar. “Vim em 1954, com oito anos de idade”, neste momento a voz de Abel Travassos fica embargada e os olhos cheios de água. A conversa pára, para ser retomada alguns segundos depois. “São muitas emoções porque eu vim para aqui menino”.

Cresceu, trabalhou, e criou uma empresa de construção civil. Teve cinco filhos e sete netos. “Dois deles, gémeos, fazem anos hoje, no Dia de Portugal”. Mas nem isso impede Abel Travassos de no dia da pátria regressar a ela. “Vou hoje e só volto no dia 17 de Julho”. E a Copa? “Isso é para quem gosta de bola, eu não gosto. O meu pai não me ensinou a ser futebolista, não me ensinou a chutar bola, ele me ensinou a atirar tijolo”. A gargalhada sai alta, e o remate certeiro. “Eu sei, entre brasileiros e portugueses, eu devo ser um dos únicos dez que não gostam de futebol!”.

Abel Travassos deixou Sarzedo, Arganil, aos 8 anos e veio para Salvador. Viajou no Paquete Vera Cruz

Depois de um sumo e uns biscoitos, fica a faltar a ida à biblioteca.

No piso térreo uma placa de mármore com letras douradas anuncia: Biblioteca Infante D. Henrique. Lá dentro há mais de 12 mil livros, espalhados por dois andares. No de baixo fica a literatura lusófona, sobretudo portuguesa. Em cima a literatura científica, sobre filosofia ou arte. Neste momento a serem catalogados estão mais cerca de 10 mil livros. Espólio considerável, que repousa num espaço que cria a sensação de estarmos numa espécie de miniatura da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.

O Gabinete Português de Leitura tem 22 mil livros. 12 mil estão neste momento na biblioteca, os restantes a serem catalogados