Num curro de pedra, ladeado por bancadas cheias de olhares curiosos, amontoam-se as bestas, às centenas. Os bravos homens e duas raparigas, das aldeias de Sabucedo, Devesa e Barbeira, urram ao som do trotear dos animais que, entre coices e relinches, vão percorrendo a arena à procura de uma saída que não há.

Reza a história que a “Rapa das Bestas” começou no século XVI quando duas irmãs devotas de S. Lourenço ofereceram ao santo duas bestas por este ter livrado aquelas aldeias da peste. As bestas foram soltas na montanha, reproduziram-se e deram origem às várias manadas que são, por estes dias, rapadas. Dizem que são bestas santas.

Primeiro, dizem as regras, é preciso retirar do curral as crias. “Não queremos que aconteça nada aos pequeninos”, explica o animador. Porque a luta se quer igual, as crias das bestas são agarradas pelas crias dos homens e encaminhadas para um curral, onde ficam até ao final da rapa dos animais de maior porte.

Segundo, dizem as regras, os homens e as duas raparigas fazem as bestas percorrer o curral. Destaca-se uma besta negra, porte altivo. Macho. Relincha, distribui coices, sorteia ferradelas. Será agarrada mais tarde por três homens, dois à cabeça e um no rabo, ajudados por outros tantos.

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Terceiro, dizem as regras, um homem escolhe uma besta, estuda o animal. Ganha lanço e salta para o lombo da besta, que se serpenteia tropeçando noutras bestas, arrastando o homem no lombo, que tem depois de descer pelo pescoço do animal até lhe fazer um garrote. Um outro homem prende a besta pelo rabo e um terceiro ajuda a segurar a cabeça.

Quarto, dizem as regras, chega o homem da tesoura. A besta é rapada. Já sem crina sem cauda e vacinada, os homens soltam o animal. O trote de fuga recomeça. Não vão longe.

Quinto, dizem as regras, as bestas só são soltas quando todas tiverem sido rapadas. Um ritual que demora cerca de duas horas e atentamente seguido pelas centenas de pessoas que enchem as bancadas do curro de pedra. Aos homens e às duas raparigas, já pisados, sujos e cansados, pedem as caudas dos animais, que depois entrelaçam como troféus embora ganhados por outros.

Sexto, dizem as regras, faz-se homenagem a bravos que tombaram antes do combate final. Os dias que antecedem a rapa são passados no monte a recolher as bestas. Este ano resultou num braço partido para um daqueles bravos homens. Ouvem-se aplausos, chora o homem.

Na arena da luta, enlameada pela chuva, suja pelas bestas e pisada pelos homens, continuam a cair crinas e caudas. Castanhas, pretas, beges, brancas, cinzentas. A rapa continua até à crina da ultima besta.

Sétimo, dizem as regras, que uma vez as bestas rapadas dão uma última volta ao curro seguidas pelos homens e as duas raparigas. Entre aplausos e vivas despedem-se as bestas. Baixam os braços os homens.

“Está feito”, dizem, finalmente.