Parece regra em qualquer história de superação — tudo começa com um não. Ou melhor, com um nein. Um polaco mascarado de alemão teve o seu aos 16 anos, logo na fronteira da idade onde se começa a decidir o que fazer com a vida. Numa escola de futebol em Edenbach, a cerca de 60 quilómetros de Friburgo, na Alemanha, não gostaram dele: foi um dos cortados de um treino de captação. Mas aposta era o futebol, portanto, à falta de melhor, seguiu para as distritais.

Foi parar ao SG Blaudach-Diedelbach. Isto em 1994, quando a Bulgária esticou a perna, rasteirou a Alemanha e fê-la cair nos quartos de final do Mundial. Dá-se um salto de duas décadas e Miroslav Klose está em Belo Horizonte. A testa, coberta de rugas, denuncia os 36 anos de idade do avançado que acaba de marcar um golo ao Brasil, no Estádio Mineirão. É o 16.º que faz em 23 jogos nos Mundiais. De repente, torna-se no melhor de sempre, mas vê o pedação de história perder-se na fábula dos 7-1 que os germânicos contam aos brasileiros.

Mas calma, já lá vamos. Para chegar ao Brasil, tudo teve de começar no Blaudach-Diedelbach. Foi por lá que Klose lutou, tentou convencer e mostrar-se, até 1996. Aí apareceu um trampolim, e com ele deu o primeiro pulo. O salto fê-lo chegar ao FC Homburg, clube que então passava os fins de semana na terceira divisão alemã. Ao início, contudo, Miroslav Klose ficou na equipa de reservas — que estava no quinto escalão do futebol germânico. “Tive a sorte de sempre ter tido treinadores que gostavam de mim”, diria o avançado, já em 2012, à revista 11 Freunde.

Sorte a dele. Mas este não foi bem o caso. Em 1998, o FC Homburg estava a ser sufocado por problemas financeiros. Era preciso dinheiro, o equivalente a dizer que necessário era vender jogadores. Assim o fez. E, de repente, a equipa principal tinha de ser alimentada com o que havia nas reservas. Miroslav Klose saciou alguma da fome, deu nas vistas e, em 1999, voltou a saltar. Foi parar ao Kaiserslautern — este sim, um clube da Bundesliga.

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Isto já adulto. Klose tinha 22 anos, e, uma vez mais, obrigavam-no a provar o que valia na equipa de reservas. Provou-o. Tanto que Otto Rehaggel, o treinador que, com a Grécia, venceu o Europeu de 2004, o puxou para a equipa principal. Andreas Brehme e Reinhard Stumpf, homens que o sucederam no cargo, tomaram depois uma decisão crucial — colocaram Klose a avançado. Sim, quando chegou ao Kaiserslautern, Miro (alcunha que lhe dão na Alemanha) ainda era um médio.

Em 2000/01, ganharam a aposta. Na primeira época como titular da equipa, Klose faz 45 jogos e marca 11 golos. Surpreende muita gente. Até Rudi Völler, o então seleccionador alemão, que o convoca para um jogo de qualificação para o Mundial de 2002, contra a Albânia. O avançado começaria no banco, mas de lá saltaria para entrar no relvado. Dois minutos depois de o fazer, marca. “Thor! [golo, em alemão]”, gritaram os alemães, num berro que soltariam mais 70 vezes, a mando de um golo marcado por Klose na seleção.

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O mais recente apareceu na terça-feira, no tal Estádio Mineirão, em Belo Horizonte. E o mais importante, também — foi o 16.º golo de Miroslav Klose em Mundiais. É muito, sim, o o suficiente para ultrapassar os 15 de Ronaldo, o ‘Fenómeno’ brasileiro. O avançado germânico alcançou o feito em 1457 minutos, repartidos pelos 23 jogos que já somou em Copas.

E conseguiu-o em casa do Brasil, ontem, nas meias-finais do Mundial. Com 23 minutos no relógio, Klose pontapeava a bola, concluia uma boa jogada dos alemães e dava-lhes o segundo passo (2-0) no caminho rumo à humilhação imposta aos brasileiros. Era a primeira vez que marcava nesta fase de um Mundial — mas também era o oitavo golo que marcava com o pé direito. Esta história começou em 2002, no Japão, quando Miro se estreou num Mundial com três golos frente à Arábia Saudita, todos de cabeça (tal como o seu primeiro golo pela seleção).

O quarto e o quinto viriam da mesma parte do corpo, contra a Irlanda e os Camarões, na fase de grupos. Klose sairia do Japão sem acrescentar mais golos à bagagem, algo que começou a fazer logo no arranque do Mundial seguinte. Em 2006, na partida inaugural da Copa alemã — uma época após trocar os 52 golos marcados no Kaiserslautern pelo Werder Bremen — o avançado mostrou que, num Mundial, os pés também serviam para meter a bola dentro da baliza inimiga.

Contra a Costa Rica, usou o direito e o esquerdo (por esta ordem) para marcar dois. Voltaria a usar a perna destra para lhe dar dois motivos de festa, contra o Equador. Depois, nos quartos de final, lembrou-se da cabeça para dar um golo à Argentina. Quatro anos passam e lá está Klose outra vez. Em 2010, na África do Sul, marca o 11.º golo em Mundiais de cabeça, frente à Austrália. O 12.º é do pé direito, contra a Inglaterra, nos ‘oitavos’, antes de meter o 13.º e o 14.º nos quartos de final, com a seleção argentina do outro lado do relvado.

Entre 2005 e 2010, marca 116 golos, divididos entre as três épocas que passa no Werder Bremen e as quatro que completa com o Bayern de Munique. Em 2011 arranca para Roma e só pára na Lazio. Foi lá que, nas últimas três temporadas, aguçou o apetite com 40 golos e se preparou para, em 2014, quebrar um recorde. “É um dos meus objetivos e um grande incentivo”, assumiu, antes de viajar para o Brasil. Chegou ao 15.º golo em Mundiais, no Brasil, com o primeiro toque que deu numa bola (com o pé direito, frente ao Gana, na fase de grupos). E ontem, escolheu a mesma arma para, aos 36 anos, chegar ao 16.º golo.

Contas feitas, e quando ainda lhe resta a final no Maracanã, Klose vai com oito golos marcados de pé direito, sete com a cabeça e um de esquerdo. Onze apareceram na fase de grupos de quatro Mundiais distintos e, nesta caminhada, o seu melhor amigo ainda é Michael Ballack — dos pés do antigo capitão da seleção germânica vieram seis passes para Miro marcar golos. Muitos. E pensar que a viagem deste bombardeiro à moda alemã começou no meio campo.