Quem disse que são precisos dois para dançar o tango? Romero, o guarda-redes argentino, explicou como se faz a solo. Os sul-americanos venceram a Holanda nos penáltis, depois de um teimoso zero-zero não desatar durante os 120′. Antes da partida, os argentinos até tiveram um momento para se inspirarem com o minuto de silêncio a Alfredo di Stéfano, a lenda do Real Madrid. Os deuses só podem estar do lado da Argentina. Não será batota o Papa ser daquele país?
A Holanda, que já havia vencido nos penáltis a Costa Rica, desafiou o passado. Apenas uma vez na história dos Mundiais uma equipa havia conseguido ultrapassar a angustia dos penáltis em duas ocasiões na mesma edição. A coincidência aqui é que foi a Argentina, em 1990: 3-2 depois de um zero-zero contra a Jugoslávia e 4-3 depois de um empate a uma bola contra a Itália nas “meias”. O universo é uma coisa engraçada: a Argentina chegou à final contra a Alemanha depois de penáltis, tal como acontece em 2014. Em 1990, os germânicos liderados por Beckenbauer ganhariam o torneio…
A face da Argentina no primeiro tempo surpreendeu. Mascherano e Biglia estavam com outro rigor a trocar a bola. Queriam-na, finalmente. O coração, ambição e andamento de Enzo permitia à equipa defender de forma mais agressiva e até mais à frente. Este era uma espécie de 4-3-3 coxo, com Lavezzi bem aberto e Higuaín e Messi a procurarem espaço. Enzo caía no lado oposto ao de Lavezzi.
Van Gaal optou pelos seus queridos três defesas mais dois alas. Sem extremos esta equipa perde dimensão. É aborrecida e raramente causa mossa. Fez lembrar o duelo com o México, que os holandeses só viraram, já muito perto do final, quando o treinador holandês colocou Depay e Robben nas linhas, bem abertos.
Nos primeiros 45 minutos a Argentina atacou quase sempre pela direita, onde surgiam Zabaleta, Enzo, Higuaín e depois Lavezzi. Blind e Indi nem sabiam a quantas andavam. Aquela era um guerra ingrata. Apesar do controlo, os sul-americanos só conseguiriam incomodar Cillessen duas vezes: Garay de cabeça por cima e Messi, de livre, à figura. A Holanda estava encolhida. Tímida, fraca e sem ideias. Chegou a ver-se uma linha de seis (!) defesas de laranja. Todos em linha. O mágico trio da frente estava ausente, não conseguia atuar no último terço do terreno. Estava esquecido de que havia um ajuste de contas para fazer — derrota na final de 2010 contra a Espanha.
Com a chegada do segundo tempo chegou também uma certeza: a Argentina gastou as pilhas nos primeiros 45′. Na bancada já se jogava um duelo escaldante: brasileiros cantarolavam que já ganharam cinco troféus, enquanto os argentinos davam uma lição de matemática — “um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete…”. Simpáticos.
Bastaram seis minutos para finalmente sentirmos um pouco de emoção. A defesa laranja abriu de uma forma inacreditável e Messi surgiu isolado, embora tenha pecado na receção. Cillessen saiu rápido e cortou. Pouco depois foi Higuaín a estar perto do golo (cruzamento de Lavezzi), mas seria negado por Vlaar. A Holanda decidiu afastar a poeira dos olhos e começou a jogar à bola. Agora queriam ser protagonistas. Os argentinos já não pressionavam como antes.
A jogada mais perigosa desta segunda parte até pertenceu à Argentina, e pela direita, pois claro. Enzo Pérez foi lançado em profundidade, sacou um cruzamento rasteiro milimétrico e Higuaín encostou para as redes laterais. Cheirou a golo. Os mais de 63 mil adeptos desesperavam sem golos e o relógio começava a piscar o olho ao minuto 90. Era impossível não recordar o golaço de Dennis Bergkamp à Argentina nos “quartos” do França-98 no minuto 89.
E quase que tivemos novo golpe de teatro. Super toque de Sneijder à entrada da área, Robben invadiu a área inimiga e apenas o guerreiro Mascherano, em carrinho, lhe negou um encontro de primeiro grau com a glória. Nada feito, haveria prolongamento, o sétimo desta Copa.
Se de um lado foi Enzo o motor da equipa sul-americana, do outro estava um senhor muro. Vlaar, já no prolongamento, assinava uma estatística impressionante: 100% de eficácia nos cortes, idem nos desarmes, 11 limpezas, seis interceções e 92% de acerto no passe. Que grande exibição.
O futebol não se cansa de fazer história. Entre 1930 e 2014, em 34 meias-finais apenas uma acabou sem golos: foi esta. O jogo lento, a falta de maior ambição e algumas teimosias dos treinadores não permitiram outras asas às equipas. O respeitinho mútuo e o medo de falhar a final também pesaram, obviamente. Em meia hora de (pobre) futebol apenas Palacio esteve perto do golo. Cillessen disse “não senhor”.
Os penáltis chegavam, e sem Krul, a tal invenção de Van Gaal contra a Costa Rica. Os holandeses acabariam por cair. Primeiro foi Vlaar, que havia sido um gigante durante os 120′, a falhar. Valeu Romero. Messi, Robben, Garay, Kuyt, Agüero fizeram o seu trabalhinho. Sneijder voltaria a permitir uma super defesa de Romero. O encontro com a glória estava perto, bastava Maxi Rodríguez marcar… et voilà! Quatro-dois e olá final.
A Argentina volta a uma final de um Campeonato do Mundo 24 anos depois. O rival será a Alemanha, o que fará com que o confronto passe a ser a final mais repetida da história dos Mundiais (três). Na primeira vitória no torneio, em 1978, Kempes foi o herói (vs. Holanda). Oito anos depois, no México, foi Diego Maradona. E agora chegou a altura de Messi sentar-se à mesa com uma senhora chamada eternidade. É esse o seu maior sonho: ser campeão do mundo pelo seu país.