Barras energéticas, ampolas de vitaminas, suplementos minerais, complementos para a fadiga e para a memória, sumos detox. Até que alguém invente um comprimido que suprima as necessidades nutricionais e energéticas de um dia inteiro, em maior ou menor quantidade todos temos de ingerir alimentos. Quem não gosta de comer ou acha deselegante o ato de mastigar tem agora uma opção prometedora: chama-se Soylent e trata-se de uma solução hipernutritiva inventada por uma equipa de engenheiros liderados por Robert Rhinehart, um jovem norte-americano de 25 anos. O nome deste alimento (assim classificado pela FDA) foi inspirado no título do filme Soylent Green (1973).

A ideia de substituir as refeições por uma solução económica e rápida, surgiu perante a ausência de tempo e de dinheiro com que um grupo de jovens se deparou, durante o trabalho intenso no arranque de uma startup em São Francisco. Rhinehart percebeu que não existia no mercado um produto que fosse uma alternativa mais saudável que a “fast food” que milhões de norte-americanos consomem, sobretudo nas grandes cidades e em especial na hora de almoço. Para responder a essa necessidade criou um mistura capaz de suprir as necessidades alimentares de um dia inteiro. Apesar da “potência” da sua invenção, que diz ser capaz de alimentar com eficácia um ser humano uma vida inteira, afirma que o principal objetivo do Soylent é substituir a refeição do meio-dia, e não o prazer de comer. Entre não ter tempo para comer ou preguiça para a preparar, mais vale beber uma mistura.

A ideia não é nova mas parece haver muita gente interessada neste produto: sete mil pessoas financiaram este projeto, e muitas mais estarão dispostas a pagar 70 dólares (52 euros) por mês para se alimentar com um pó dissolvido em água (um norte-americano gasta em média 600 dólares em comida por mês). O The New York Times pediu a um painel de provadores para dar a sua opinião, mas esta mistura não parece ter convencido ninguém: tem um sabor áspero, a “cartão”, é aborrecido porque retira o prazer da diversidade, promove a flatulência e, fosse o único alimento à face da terra, perderíamos a razão de viver (sic). Há ainda um longo caminho a percorrer, portanto.

A esmagadora maioria de nós torce o nariz à ideia de substituir um prato de bacalhau ou um bitoque por um saco de pó liofilizado, mas fique a saber que o Soylent é constituído por três dezenas de ingredientes principais que se dividem entre hidratos de carbono, gorduras e proteínas. Este cocktail contém ainda suplementos vitamínicos e minerais.

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Este produto até pode ser prático e servir como complemento alimentar, mas será que estamos preparados para uma substituição tão radical? Consideremos que o homem moderno existe há 200 mil anos, 190 mil dos quais passados a comer carne e raízes, processo que não se alterou muito após a invenção da agricultura e da domesticação. Ou seja, o nosso organismo está evolutivamente programado para uma dieta que está para além do que ela contém; o nosso corpo está equipado para processar (digerir) a comida em moldes não muito diferentes desde a descoberta do fogo e com ela, da comida cozinhada. Simplificando, podemos dizer que o processo de digestão começa no momento em que pensamos em comida, nem precisamos de a ver: a salivação é o primeiro passo para garantir a processamento dos alimentos que metemos na boca e que continua no estômago e no duodeno, até à absorção das moléculas fundamentais pelo intestino delgado. O resto desta viagem todos sabemos como termina.

Estará o nosso corpo preparado para uma modificação de hábitos tão drástica e, mais do que isso, estaremos socialmente preparados para deixar de comer? O ritmo da vida moderna tem contribuído para o abandono de algumas tradições, tais como fazer uma refeição em família ou uma jantarada de amigos. Pode até ser menos saudável, mas consideraria trocar um petisco tradicional português por uma embalagem de pó misturado com água?

É provável que soluções alternativas como esta venham a ter um papel importante, até porque os indicadores para o futuro não são animadores. Os cientistas sugerem que em 2050 poderemos entrar numa crise alimentar grave. Mas mais do que uma inevitabilidade, esta parece ser uma questão de estrutura: dados recentes estimam que um terço dos alimentos que produzimos acabam no lixo, e que esse desperdício é o suficiente para alimentar o mundo que tem fome. Um problema que se resolve com vontade, organização e consciência cívica.