Não cheira a relva. É mais um odor a borracha, misturado com plástico, areia e até fibra de côco. Nada é natural, mas tudo é sintético. Bem-vindos ao Bessa, ao estádio do Boavista, o primeiro a rodear com bancadas um relvado artificial no campeonato. É obra. E estranho, também. “Não percebo muito bem: não há neve, nem muita chuva. O ritmo é diferente, tudo piora num sintético”, já lamentava Jorge Jesus, a uma semana do encontro.

Tinha razão. Culpa ou não da relva artificial, o jogo foi aborrecido. Enfadonho. Primeiro, uma introdução. Um relvado sintético, comparado com a versão natural, acelera mais o movimento da bola e, para os jogadores, é chato quando nele caem — sendo de borracha e materiais de plástico, ‘queima’ a pele. Mas nada disto impediu que eles fossem caindo e caindo.

Na primeira parte, viu-se isto: agarrões, rasteiras, derrubes e, portanto, faltas. Muitas. A bola não rolava cinco minutos sem pelo meio o árbitro dedicar um apito a algum infrator. De futebol, via-se muito pouco. Os que vestiam de encarnado nada mostravam do que costumam fazer. Enquanto Gaitán e Salvio corriam e tentavam fintar, a Lima chegavam poucas bolas e, no meio, Ruben Amorim e Talisca falhavam mais do que acertavam quando a tarefa era passar a bola.

Do outro lado, era como o início de um jogo de xadrez. O Boavista, às ordens de Petit, o outrora médio que se especializou em defender, montou a equipa para se manter fechada, esperar por contra-ataques e, sobretudo, serem duros quando altura era para disputar a bola com um adversário.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E lá está, voltamos à história das faltas. Elas repetiam-se, e só aos 26’, na sequência de um canto, é que Eliseu embalou para chegar à entrada da área e com o pé esquerdo disparar um míssil que Monllor deteve a custo. Aos 31’, fruto ou não do sintético, chegava um azar: Ruben Amorim, ao tentar roubar a bola a Anderson Correa, colocou mal a perna direita no relvado, berrou, caiu e agarrou-se ao joelho. Pouco depois, entrava André Almeida para o seu lugar — e o Benfica ficava em campo com os únicos médios aptos que hoje tem no plantel.

Algumas faltas depois, o argentino Franco Jara, aos 31’, recebeu uma bola na esquerda da área do Boavista, fintou um adversário e, ao se cruzar com João Dias, caiu. Marco Ferreira disse que não, e fez mais: mostrou-lhe um cartão amarelo. Os assobios ecoavam no Bessa. Aos 44’, passaram a aplausos, quase todos para Eliseu. De novo após um canto, a defesa axadrezada tirou a bola da área, meteu-a em André Almeida, que a passou ao antigo homem do Málaga que, a 25 metros da baliza, resolveu disparar outra vez. Deu golo. Chegava o 1-0, o primeiro golo de sempre marcado em relva artificial, no campeonato e, já agora, a primeira coisa boa do jogo. Seria a única.

Porque até o intervalo traria coisas más. Ao fim dos 15 minutos de descanso, via-se Jorge Jesus a sair do túnel de acesso aos balneários e a encaminhar-se rumo à bancada. Ou seja, o treinador fora expulso — e, como tal, confirmava a ausência, na próxima jornada, do derby frente ao Sporting, no Estádio da Luz. Depois, o jogo era retomado. E não mudava.

Faltas, ressaltos, passes falhados, bola pelo ar e perigo inexistente para as balizas. Foi quase sempre assim. Exceções, houve poucas, e apenas surgiram no lado do Benfica. Aos 63’, no fim de um ataque que ligou cinco passes, a bola foi parar à entrada da área do Boavista, rasteira e a pedir um remate. Talisca obedeceu, pontapeou-a, mas Monllor defendeu. Com 68 minutos contados, foi Gaitán a tentar fazer um chapéu ao guardião, após Talisca recuperar a bola.

O Boavista, nos entretantos, tentava usar Diego Lima e Bobô para, nos contra-ataques, agarrarem a bola, esperarem pela equipa e, aí sim, tentarem atacar. Aos 69’ quase o conseguiam, quando um cruzamento da direita, de Beckeles, obrigou Artur a esforçar-se para defender. O lado axadrezado do Bessa ainda gritou golo, aos 84’, quando uma bomba de Brito fez a bola ultrapassar Artur, mas um fora de jogo anterior roubou-lhe o significado.

Os axadrezados continuaram a pressionar até ao fim, enviado a bola em mais viagens pelo ar do que pela relva. O Benfica não mais montou uma jogada de ataque, e Gaitán, dono dos pés dos quais a bola mais gosta, o ‘10’ encarnado, o homem de quem se esperam sempre ideias, até acabou a partida a mandar chutões na bola, como um defesa faz quando está pressionado.

Culpa da relva artificial? Talvez. “É um campo como os outros, preparámo-nos bem para jogar no sintético e viemos com a lição bem estudada”, defendeu, contudo, Eliseu, logo após o encontro. Mas os números não mentem: o primeiro jogo que o Bessa acolhe neste campeonato terminou com 36 faltas. E com os três pontos do lado do Benfica, que assim chegarão ao derby com mais dois pontos que o Sporting — mas, porventura, sem Ruben Amorim e sem Jorge Jesus. Mas lá chegará como líder do campeonato. Ok, esta foi a segunda coisa boa que o Benfica levou da partida no Estádio do Bessa.