Uma porta de tijolos vermelhos, paredes e tetos a desintegrarem-se e um amontoado de escombros sobre a plateia, o palco e os corredores, é o cenário real em que se encontra o centenário Teatro Salvador Marques, em Alhandra. Inaugurado em 1905, o teatro encerrou em agosto de 1984 e foi adquirido à Misericórdia de Alhandra pela Câmara de Vila Franca de Xira em 2001, por 325 mil euros. Em 2006, uma providência cautelar interposta pela população impediu a sua demolição pela autarquia, que agora quer recuperar o espaço com fundos comunitários.
Durante as últimas três décadas, foram pensados vários projetos, mas as ideias nunca saíram do papel e, sem manutenção, o espaço, por onde passaram as maiores companhias de teatro e nomes como Amélia Rey Colaço, Robles Monteiro, Vasco Santana, Simone de Oliveira ou Raúl Solnado, é agora um edifício emparedado, com o interior a cair aos bocados.
Construído a partir de um teatro de raiz italiana, o Salvador Marques funcionou como cinema, a partir da década de 60. Dessa época resta ainda a sala de projeção e uma outra divisória onde era feito enrolamento das fitas, ambas localizadas após a entrada. Nas paredes velhas e a desintegrarem-se, estão ainda inscritas palavras como bar ou plateia. As escadas que dão acesso ao primeiro e segundo pisos estão parcialmente destruídas, tendo sido colocadas tábuas de madeira para se poder subir, com a ajuda de lanternas.
Os tetos dos dois salões nobre, um em cada piso, onde se realizaram bailes e a classe média alta confraternizava durante os espetáculos, está a cair. No meio de uma das salas vazia encontra-se uma cadeira de madeira a tapar um dos buracos do chão. Quando se olha para os camarotes e para a plateia, a imagem é elucidativa quanto ao elevado estado de degradação a que o interior do Teatro Salvador Marques, que tinha capacidade para 400/450 espetadores, chegou.
“Se a câmara não tivesse comprado e protegido o edifício, não tivesse retirado o património que lá estava, que o tem restaurado e está à sua guarda, o teatro pura e simplesmente não existia. Portanto, é graças a uma intervenção pública e séria que ainda temos condições para pensar em reabilitar o teatro”, explicou à Lusa o vice-presidente da câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo (PS), após uma visita ao local.
A autarquia diz que retirou do local “tudo o que era património que estava integrado no edifício”, e que poderá vir a ser utilizado em caso de recuperação do teatro. De entre as peças salvaguardadas, estão o pano de boca de cena e as pinturas em madeira que faziam a sua decoração, da autoria do pintor Veloso Salgado, além de um piano automático.
“Estamos a desenvolver o projeto de reabilitação e de requalificação deste edifício, procurando ao máximo preservar o seu traço fundamental. Queremos classificar o edifício como património municipal, devido à sua relevância local e regional”, sustentou o vice-presidente, que espera ajuda financeira do Governo para concretizar a empreitada, sem no entanto adiantar datas nem valores.
Para quem tem estudado a história do centenário Teatro Salvador Marques, as más opções tomadas ao logo dos anos levaram a esta situação. “Devido à falta de sensibilidade que há na cultura portuguesa em termos de arquitetura e de valores urbanos, chegou-se até aqui. Em termos de património, o espaço está em pré-ruína”, lamentou Casimiro Gonçalves, que está a preparar uma tese de mestrado sobre o assunto.